Seguindo os passos do Jorge

03/10/2019

 

Jorge Zahar, junto com Caio Graco Prado, foi fundamental para minha formação. Se o segundo me deu a primeira chance no mundo editorial – após eu entrar na Brasiliense como estagiário, pois precisava de seis meses de prática numa empresa para garantir o diploma –, foi Jorge quem acompanhou todo o meu amadurecimento profissional pós-Brasiliense.

Me formei em administração de empresas quase por um equívoco vocacional, já que durante meus estudos universitários acabei me dedicando muito mais às ciências sociais, imaginando que viria a seguir carreira acadêmica. No entanto, minha formação nessa área iniciou-se bem antes, com as leituras que fazia dos livros publicados principalmente pela Zahar. O equívoco acabou sendo de grande valia: aprendi as linhas mestras da vida empresarial e me dediquei a um trabalho bem mais adequado ao meu perfil do que aquele que o mundo acadêmico poderia me proporcionar.

Conheci Jorge Zahar na última feira de Frankfurt que fui representando a Brasiliense, em 1985. Caio convidara o casal Zahar para jantar, embora tenha sido de Jorge a escolha do restaurante, ao qual vou desde então, todos os anos, não só para relembrar aquele encontro que marcou a minha vida, mas também por ser o melhor da cidade – Jorge sabia das coisas do bom viver.

A partir daí – e pelos próximos dez anos, até a trágica morte de Jorge, causada pelo mesmo mal que viria a matar meu pai –, nos falamos rigorosamente ao menos uma vez por dia, sendo sempre chamado por Jorge de “meu filho”.

Logo que decidi deixar a Brasiliense, Jorge me propôs sociedade, o que quase aconteceu, mas acabou como um acordo de distribuição mútua. A também jovem Jorge Zahar Editor – terceira encarnação da casa da família Zahar – passou a distribuir os livros da Companhia das Letras no Rio de Janeiro e vice-versa, nós nos ocupamos da distribuição em São Paulo da JZE.

Acho que posso dizer que nunca aprendi tanto, não só como editor mas como ser humano, quanto nesse contato com que a vida me brindou. Além disso, passei a ter irmãos que nunca tive, pois se Jorge me tratou como filho por dez anos, a Cristina e o Jorginho preencheram essa lacuna fundamental da minha vida de filho único.

Assim, reagi com enorme emoção quando fui procurado por Crica e sua filha Mariana (a Nana) para saber se seria do nosso interesse incorporar a Zahar ao grupo. A partir daí todo o procedimento se deu como tinha que se dar. Agimos como irmãos tentando juntar interesses comuns.

Nos últimos tempos, embora a Companhia tenha crescido e decidido ampliar a comunidade de leitores com os quais falamos, a vocação de ser em essência uma editora de catálogo, de livros de longa duração, só foi aumentando. E é em cada um desses títulos, que querem sobreviver ao tempo, que a imagem de Jorge Zahar está espelhada e mantida. Ele foi o grande mestre desse olhar de vida longa aos livros, mestre dignamente representado por duas gerações de sua família, por Jorginho no início, e desde sempre e até agora por Cristina e Mariana.

Não tive honra maior em minha vida do que a que se realiza neste momento: a de ter sido escolhido para continuar esse legado que mudou a história do livro no Brasil. Espero sinceramente estar à altura. Axé, Jorge.

 

Leia o comunicado oficial: Grupo Companhia das Letras assume controle da editora Zahar

 

English version

 

Jorge Zahar, alongside Caio Graco Prado, was fundamental in my career.  While the latter gave me my first break in the publishing world—after joining Brasiliense as an intern (six months on-the-job experience was required for my degree)—, it was Jorge who accompanied my whole professional development post-Brasiliense.

I took a degree in business administration almost out of vocational error, as, during my university studies, I ended up devoting much more time to the social sciences, imagining that I would go on to pursue an academic career. However, my   education in that area began much earlier, readings the books published, in the main, by Zahar. The error ended up serving me well in the end: I learned the ropes of business life and chose a line of work far better suited to my profile than anything academia could have offered.  

I met Jorge Zahar at the last edition of the Frankfurt fair I attended as a representative of Brasiliense, in 1985. Caio had invited the Zahars out for dinner, though it was Jorge who chose the restaurant, the very one I’ve gone to every year since, not only to remember that life-changing night, but also because it’s the best in town—Jorge knew how to live well.

From that night on – and for the next ten years, up until Jorge’s tragic death, caused by the same malady as would later claim my father—, we spoke at least once a day, religiously, and he always called me “son”.

Not long after I decided to leave Brasiliense, Jorge proposed a partnership, which almost came off, but ended up as a mutual distribution agreement instead. The fledgling Jorge Zahar Editor—third incarnation of the Zahar family publishing house—started distributing Companhia das Letras books in Rio de Janeiro, and we theirs in São Paulo.   

I can safely say I’ve never learned more as an editor or as a human being than through the contact with Jorge which life singled out for me as a gift. And through it I found the siblings I’d never had.  If Jorge treated me like a son for those ten years, Cristina and Jorginho filled the fundamental gap in my life that came with being an only child. 

And so it was a truly emotional moment for me when Crica and her daughter Mariana (Nana) approached me to ask whether we would be interested in incorporating Zahar into our group. From then on, things unfolded as they should between siblings, with each looking after the other’s interests.

In recent years, while Companhia has decided to expand toward a wider readership, our vocation as, essentially, a catalogue publisher, with perennial titles, just keeps on growing. And it’s in each of these titles, intent on standing the test of time, that the image of Jorge Zahar is mirrored and maintained. He was a master when it came to publishing books that would stay the course, and that mastery has been emulated by the two generations of the family that followed him at the helm, first Jorginho, and, to this very day, Cristina and Mariana.

I have had no greater honor in my life than being chosen to carry forth a legacy that changed the history of book publishing in Brazil. I truly hope I can do it justice. Axé, Jorge.

 

Luiz Schwarcz

Luiz Schwarcz é editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de sinais, O ar que me falta, entre outros.

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog