2021 e diamantes no cocô

29/01/2021

Os autores de Corpos secos e sua editora na live de lançamento do livro.

 

Com os incidentes no Capitólio nos Estados Unidos e a crise sanitária em Manaus, 2021 começou. Começou com uma cara de “eu sei que vocês achavam que ia ser diferente, mas não tanto assim”. Por outro lado, também começou com as primeiras pessoas sendo vacinadas no Brasil. E se mantemos a comparação, começou com a inauguração de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos. 2021 também teve começou com um show da Lady Gaga ao vivo.

2020 foi como um carro afogado — parou logo depois do carnaval e parece que nunca pegou no tranco de fato. Além (apesar, inclusive) das mortes, do desemprego, do auxílios que nunca chegaram, no meio literário foi o ano de lançamentos com lives, de eventos cancelados, de mesas redondas de YouTube, de e-books por todo o lado. Um ano que só se sustentou pela resiliência do povo das artes, porque os editais de cultura foram poucos e insuficientes. Mozão sempre fala que no Brasil o ano só começa depois do carnaval, mas mal tirei uma semana de folga no ano-novo e natal. Então já vou falar de 2021.

Ainda tem gente escrevendo, e isso me dá esperança. Já tive duas reuniões com Samir Machado de Machado, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e a excelente editora Luara França. Temos falado de uma continuação pro Corpos secos — nosso livro de mortos-vivos escrito a oito mãos. Tem algo legal fermentando ali e embora o processo literário seja uma estrada irregular e árdua, saí animada de nossos encontros. (Antes que perguntem: duas reuniões não fazem um livro. Pensem de 2022 pra cima.)

2021 será o ano em que George Orwell entra em domínio público — com uma leva nova de traduções por tudo que é lado, inclusive uma minha, modéstia à parte. Fico ansiosa com essa troca: leitores saem ganhando muito.

Estou trabalhando com três leituras críticas de autores cujo trabalho estou gostando demais.  A literatura resiste, cada vez mais enforcada, mas mostrando que o talento talvez esteja mais na resiliência e na vontade de criar e paixão pelas palavras. Ainda tem coisa incrível sendo publicada. Em 2021, sai livro novo da Natalia Borges Polesso, da Ana Martins Marques, da Natércia Pontes. A Companhia vai começar a reeditar Carolina Maia de Jesus. Vai ter a enciclopédia de personagens históricos negros, organizada por Lilia Schwarcz, Flávio Gomes e Jaime Lauriano. O catarse do Arlindo ganhou tanto dinheiro que nem sei que outros brindes a Luiza de Souza vai inventar — o que importa é que vai ter Arlindo impresso na Seguinte.

Então, sim. Estamos com menos dinheiro. O preço do papel explodiu, e em especial porque ele se baseia pelo dólar. As pessoas, portanto, compram menos livros, o que o encarece para quem de fato compra livro.

Se gostaria de poder acreditar que sairemos vacinados e mais fortes de 2021? Gostaria. Mas não sei se vai ser o fato. Já estamos vendo filhos de políticos e empresários furando a fila das vacinações — um ato simbolicamente pesado quando sabemos vai custar a ter vacinas para todo mundo.

Gostaria da certeza que eu, fora de grupos de risco, serei vacinada ainda em 2021 (acho que não). Gostaria de poder listar 2021 motivos para esperar que o ano novo seja tão próximo de 2020 quanto o ano de 1542. Mas 2021 é só uma continuação, e não são fogos de artifício que vão separar problemas estruturais. Mesmo se mudarmos estruturas políticas e — imagina? — começássemos a nos importar de fato com a pandemia, nada apaga que 200 mil brasileiros morreram em 2020.

Mas vai ter Cartas para minha avó, de Djamila Ribeiro. Literatura me faz pensar que pelo menos haverá algum diamante no cocô.

 

***

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados (2018) e Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges PolessoMarcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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