Para recuperar o orgulho do Brasil

24/09/2022

Em 2018, pela primeira vez na vida, escrevi uma carta a autores, editores e livreiros declarando minha intenção de voto. O texto viralizou. Naquela ocasião, eu me referia ao perigo que Jair Bolsonaro representava para os defensores da democracia e da liberdade de expressão, chamando sua candidatura de “falsamente nova e irmã de tempos tenebrosos”. Além disso, me dizia confiante em que o PT seria capaz de fazer a renovação e a autocrítica necessárias para aquele governo que se apresentava.

A carta, em que eu apoiava o candidato Fernando Haddad, infelizmente derrotado naquelas eleições presidenciais, ganhou uma repercussão muito maior do que a que eu esperava. Apagado nas mídias sociais por opção pessoal, recebi um retorno com o qual não estou acostumado. Um autor que teve papel político crucial no Brasil disse-me ser raro ver uma defesa pública de um candidato que, tudo indicava, seria derrotado.

Mas eu ainda tinha esperança na vitória de Haddad. Acreditava numa Frente que não teve o apoio necessário de outros parceiros do campo democrático, e que tampouco foi enfaticamente buscada por setores do PT. Para mim, não importava que empresários, como eu, costumassem silenciar as críticas a prováveis futuros governantes. Preferi me manifestar.

Passados quatro anos de Bolsonaro no poder, podemos dizer que o estrago foi muito pior do que o imaginado. A educação e a saúde foram para o ralo; no seu lugar, os armamentos viraram prioridade. Desaprendemos o significado da palavra “compaixão”, tratando nossos doentes com negacionismo, brincadeiras de péssimo gosto e afrontas exibicionistas, como se os corpos da população vulnerável pudessem se comparar aos dos que dirigiam o país. Os fuzis substituíram os livros, assim como as mentiras tomaram o lugar da verdade e da cultura. Nós nos tornamos insensíveis ao linguajar racista e ao constante desrespeito do discurso político sobretudo às mulheres, aos gays e aos indígenas. Estes sofreram agressões seguidas ao seu direito soberano à vida e a preservação da natureza que os cerca.  

Se tivemos dificuldade de realizar uma verdadeira aliança para eleger Haddad presidente em 2018, hoje escrevo para pedir que, depois do caos dos quatro anos de Bolsonaro no poder, tenhamos essa consciência e humildade. O polo democrático precisa ser capaz de união — uma vez ao menos — diante dos riscos do acirramento da cultura política bolsonarista, e mesmo, a mais curto prazo, de um golpe político.

A eleição de Lula no primeiro turno passará um recado claro de que a maioria do país preza a dignidade humana, e de que, frente a um desastre como o que tivemos, sabemos que é necessário reconstruir o Brasil. A chapa que junta Lula a Geraldo Alckmin é sem dúvida a mais indicada para operar tal tarefa.

É importante voltar a ter orgulho da brasilidade, de sorrir sem armas empunhadas, sem preconceitos dividindo os gêneros e as identidades do país, sem truculências, sem o total despreparo e a falta de educação que nos envergonham nacional e internacionalmente.

Não há dúvida de que a maioria prefere a dignidade, a diversidade, a alegria, a cultura e a compaixão. Torço para que desta vez o país possa se unir. Agora sabemos melhor quão alto é o custo, quando essa unidade não é alcançada.

Luiz Schwarcz

Luiz Schwarcz é editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de sinais, O ar que me falta, entre outros.

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