Como estimular a leitura na pré-adolescência?

14/04/2022

Do dia para a noite, aquela criança que vivia pedindo histórias antes de dormir parece não existir mais. E você não faz mais ideia de que tipo de livro um pré-adolescente pode gostar. Será que a leitura na pré-adolescência ainda tem lugar no cotidiano repleto de estímulos e possibilidades de experiência dos jovens de hoje? De que elementos se nutre o interesse pelos livros nesta nova fase? Afinal, entre os 8 e os 12 anos, o que muda na jornada literária daqueles que até ontem mesmo eram crianças?

Ilustração do livro Além do Desafio, da editora Escarlate

Ilustração do livro Além do desafio, de Severino Rodrigues, sobre o desafio misterioso que levou um aluno da escola a ficar ferido

A verdade é que os leitores mudam sempre, e com eles mudam também as formas de ler, principalmente nessa passagem para a adolescência. Se não há fórmula de sucesso garantida, que tal usar a favor esse estado de constante transformação no lugar de dar por compreendidas as almas leitoras dos jovens? Vale, primeiro, considerar (e proporcionar) todos os tipos de leituras e deixar que eles manifestem suas preferências: histórias em quadrinhos, biografias, romances históricos, livros-imagem, mangás, almanaques e até embalagens de shampoo.

 

Autonomia para escolher os próprios livros 

Joaquim da Silva Batista, de 9 anos, que vive com a mãe na capital paulista, teve a sorte de viver em um ambiente estimulante à leitura, recebendo, mensalmente, livros ilustrados enviados pelo clube de assinaturas A Taba desde a primeira infância. Porém, há poucos meses, ele passou a buscar suas referências, preferindo escolher ele mesmo suas leituras, baseadas em seu gosto pessoal. 

Este é um cenário que podemos chamar de “ideal”, ou seja, de um percurso leitor que começa, se solidifica e toma caminhos de uma autonomia cada vez maior, apoiada em uma trajetória de construção de identidade que continuará se transformando ao longo de toda a vida. Aficionado pelo cartunista Dav Pilkey e seus personagens anti-heróis – Capitão Cueca, Homem-Cão, Superbebê Fraldinha e Pepezinho - que arrancam gargalhadas a cada leitura, Joaquim está no primeiro ano desse período que se convencionou chamar de pré-adolescência, uma fase desafiadora sob muitos aspectos, inclusive para os adultos acertarem no tipo de leitura ao escolherem um livro para eles.

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Que critérios levar em conta?

Para Elisa Zanetti, editora da Escarlate, o selo infantojuvenil da Companhia das Letras, um dos principais pontos é a identificação. “A passagem da infância para a adolescência é um período turbulento, movido por novas experiências, questionamentos e aprendizados, o que abre caminhos para diversos percursos narrativos instigantes”, afirma. 

Esses jovens estão cruzando uma ponte: de um lado, a infância, de outro, a juventude. Eles ainda estão descobrindo como atravessá-la, têm um pé em cada lado. Por isso eles precisam encontrar elementos desses dois lados nos livros que leem. (Elisa Zanetti)

O jovem leitor busca se identificar com a história ou pelo menos encontrar pontos de contato com ela, de acordo com Elisa. “Seja na voz de algum personagem, em sua rotina, ou mesmo reconhecendo um objeto que lhe é familiar numa espaçonave alienígena, por exemplo. A imaginação e a fantasia, tão fecundas na infância, ainda estão presentes, mas agora o ambiente fantástico é mais desenvolvido, a trama é mais intrincada e, por vezes, podem servir de metáfora ou alegoria para temas subjetivos, pessoais, culturais”, pontua a editora.

Elisa dá dicas práticas de questionamentos que podem guiar a escolha de um livro para essa faixa etária: Quais são os interesses desse jovem? O que ele gosta de fazer em seu tempo livre? O que pesquisa na internet? Que jogo joga? Como é a sua rotina na escola e em casa?”

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O que mais atrai a atenção dos jovens dessa idade? 

“O gênero narrativo – romance, contos, novelas, crônicas – ainda é o que mais atrai os pré-adolescentes. Aventura, diário, investigação policial, mistério e humor são as palavras-chave que me vêm à cabeça”, defende Elisa. É o tipo de conteúdo que faz parte do enredo de Além do desafio, de autoria de Severino Rodrigues e recém-publicado pela Escarlate. No livro, um grupo de amigos busca descobrir o que aconteceu para um de seus colegas ter se ferido durante um desafio de internet. E também do novo volume da coleção Detetives do Prédio Azul – Casos Ecológicos, de Flávia Lins e Silva pela editora Pequena Zahar, no qual Flor, Zeca e Max precisam resolver mistérios relacionados a plantas desaparecidas e poções secretas.

Capa do livro Além do Desafio, da editora Escarlate

Um desafio de internet deixa um aluno ferido e os amigos vão tentar descobrir o que houve. Leia +

Para Kaline Lima, professora e mestranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, dentre os livros que fazem mais sucesso entre os jovens estão as HQs, os livros de aventuras, romances e de fantasia. “Acredito que esses livros fazem sucesso pela mistura de elementos; as HQs misturam linguagem verbal e não-verbal, talvez essa combinação desperte o interesse deles”, explica a educadora.

Mas não apenas este tipo de leitura. “Muitas vezes, livros de aventura e fantasia criam um universo à parte que os leitores acompanham, como páginas em redes sociais, podcasts. Então, esse universo por trás do livro faz uma grande diferença no sentido de fazer sucesso entre eles”, conta. 

Capa do livro Detetives do Prédio Azul - Casos Ecológicos

Flor, a nova moradora do prédio, vai se juntar aos amigos detetives num caso de plantas desaparecidas. Leia +

Na esteira da fala de Kaline, Elisa chama a atenção para a interação entre as linguagens verbal e visual nos livros juvenis, que representa também um fator de interesse para essa audiência, tão atenta aos estímulos visuais. “A narrativa textual nos livros para essa faixa etária divide bastante espaço com as ilustrações e outros recursos gráficos que garantem dinamicidade e interatividade às obras. Talvez por essa razão as HQs e Graphic Novels venham ganhando cada vez mais espaço no mercado”, explica.

 

Como estimular a leitura na era da tecnologia?

Quem tem adolescentes em casa – ou convive com esse grupo na escola – sabe o quanto é desafiador ganhar a atenção com livros em uma rotina com tantos outros estímulos, de celulares, videogames, tablets e outras telas. Porém, o hiperestímulo não precisa ser um vilão, pelo contrário, pode ser um aliado e disparador de interesses. 

“No contexto em que essa faixa etária está inserida, sempre conectados com telas e que, com um clique, perdem a atenção e vão para outro lugar, é interessante tentar não impor a leitura como obrigação, mas sim como um momento de desconexão, de acesso a outras possibilidades”, comenta a professora Kaline, que não exclui a importância de incentivar a leitura em múltiplas plataformas. “Caso seja viável para a família e o pré-adolescente prefira a leitura em telas, pode ser interessante a leitura de e-books. Mas é sempre bom lembrar que nada substitui a experiência do livro físico”, orienta.

Nesse sentido, Elisa também pontua a importância de o mercado editorial – tanto escritores e ilustradores quanto publishers – trabalharem a partir da realidade dos jovens, ao invés de tentar negá-la ou lutar contra ela. “Entendo a literatura como uma espécie de espelho de nós, seres humanos, e da sociedade em que vivemos. Portanto, a produção literária atual não poderia ignorar esse contexto hiperestimulante. Ou ela procura acompanhá-lo criando obras instigantes, dinâmicas, mais próximas de uma narrativa que remeta ao digital interativo, por exemplo; ou procura prender a atenção do leitor, fiando-se numa boa e velha narrativa tradicional linear, que enfrente o desafio do hiperestímulo com uma ótima construção de texto, trama bem trabalhada e envolvente”, conclui.

Uma característica comum aos pré-adolescentes é a curiosidade, o olhar de quem procura entender os próprios anseios e o mundo que o cerca; e de quem quer achar todas as respostas. Talvez por isso os livros de investigação e mistério façam tanto sucesso. (Elisa Zanetti)

 

9 dicas de livros para pré-adolescentes

Se você chegou até aqui e está com vontade de ampliar seu repertório ou de levar para a sala de aula autores que dialogam diretamente com a diversidade de preferências dos leitores entre 8 e 12 anos, confira algumas dicas de livros para essa faixa etária:

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