Matemática, a língua universal

30/03/2023

Nem mandarim, nem inglês, nem espanhol, nem esperanto. A linguagem universal não é nenhuma dessas. Tampouco foi o latim, o hebreu, o sânscrito ou o árabe. E certamente você a conhece e a pratica todos os dias, quase o tempo todo. “Hoje, todos aqueles que vivem no planeta falam apenas uma língua: esta língua é a matemática. Se você mora na China, na Austrália ou no Brasil, não faz diferença: a língua que domina as instituições, a economia e a política é a matemática e é precisamente ela a linguagem cuja difusão o imperialismo europeu favoreceu em todo o globo”, disse Yuval Noah Harari, autor de Implacáveis: como conquistamos o mundo (Companhia das Letrinhas, 2022), em uma entrevista ao jornal italiano Repubblica. Das equações básicas de matemática aos algoritmos que regulam as redes sociais, os números, cálculos e derivados estão em tudo, inclusive nos livros de literatura. Então, como desmistificar o aprendizado de matemática e ver o quanto essa linguagem pode ser fascinante?

LEIA MAIS: Quando literatura e matemática andam juntas

A matemática é a linguagem universal

Matemática propulsiona a evolução da nossa espécie

A matemática, claro, vai muito além de contas de adição, subtração, multiplicação, divisão e equações. Por meio dessas, sim, mas também de muitas outras operações, segundo o autor, ela também é a estrutura que propulsiona uma grande evolução da nossa espécie, por meio da ciência e da tecnologia. “O que estamos testemunhando hoje, provavelmente, tem um impacto evolutivo ainda maior do que o da invenção da agricultura e da criação de gado, porque a atual revolução da inteligência artificial e da biotecnologia nos oferece a possibilidade de mudar a própria humanidade, e não apenas a nossa economia, o que comemos, a sociedade e a política”, disse Harari, na mesma entrevista.

“As revoluções anteriores, seja a revolução agrícola, a ascensão do Império Romano ou a difusão do cristianismo, mudaram as sociedades, mas não modificaram o corpo e a mente humanos. Mas agora esses novos conhecimentos possibilitarão, pela primeira vez, a transformação do corpo, do cérebro e da mente. Assim serão criadas novas formas de entidades com um número de características diferentes de nós maior do que o que nos diferencia de outros hominídeos ou dos chimpanzés”, aponta.

É fascinante - e até um pouco assustador, não é mesmo? Quando colocamos, assim, parece que tudo isso está sendo feito em um laboratório secreto, em algum lugar no futuro, quase um filme de ficção científica. Mas a realidade é que tudo está acontecendo agora, bem à nossa frente. Você faz parte disso. O simples fato de ter encontrado esse texto na internet, de alguma forma, é prova disso. A programação e os algoritmos são fundamentais nessa revolução e são matemática pura. E têm transformado muitas áreas da vida, inclusive a educação. 

LEIA MAIS: O que acontece quando as crianças cozinham com os adultos?

É o algoritmo que mostra os conteúdos selecionados para você na internet e nas redes sociais, por exemplo. Com cálculos matemáticos muito extensos, calculados em uma velocidade absurda, a programação armazena dados, classifica informações e faz recomendações de conteúdo personalizadas para cada indivíduo. É pura matemática, aplicada no dia a dia de todo mundo. 

Programação e robótica nas escolas

Mas como as crianças e a escola se inserem nesse contexto? Sabemos que a atual geração tem muita facilidade em lidar com a tecnologia, com os gadgets, celulares e tablets. Essas crianças já nasceram em um mundo transformado pela revolução digital e, provavelmente, serão agentes dessas mudanças, que tendem a ficar ainda mais intensas e velozes, em poucos anos. 

A educação tem tentado acompanhar essa transformação. Cada vez mais, as escolas inserem disciplinas como programação e robótica em sua grade para crianças pequenas, já a partir de 6 anos. Hoje, a alfabetização passa por aprender a linguagem universal por meio também da tecnologia. E tenta deixar para trás a errônea fama de complicada e pouco aplicável ao cotidiano, que acompanhou a matemática por muitos anos.

“A matemática está em tudo, na natureza, em sua fauna e flora, nos fenômenos naturais, nas forças universais e nas criações do homem. Podemos, com facilidade, pensar em engenheiros e programadores utilizando a matemática, mas, para nós, ainda é distante a concepção de um artista, um estilista, ou até mesmo uma profissão bastante contemporânea como um criador de conteúdo, uma youtuber, mão na massa como um cozinheiro ou um confeiteiro, fazendo isso”, diz o educador e empreendedor Lucas Briquez, sócio da escola Teia Multicultural (SP) e CEO da Asas Educação.

“Ainda colocamos o uso aplicado da matemática em caixinhas, quando ela, na realidade, está em todos os lugares”, aponta Briquez. “Para nós, muitas vezes é difícil enxergar a matemática dessa forma, porque, sim, infelizmente, ela nos foi apresentada como algo preso às resoluções de problemas que, muitas vezes, não condiziam com os nossos. Imagina só, com tantos problemas para resolver, por que será que precisamos falar do Pedrinho, o personagem imaginário com seus problemas irreais?”, questiona. 

Continuaremos assim, fazendo de conta que a matemática só existe no papel? (Lucas Briquez, sócio da escola Teia Multicultural e CEO da Asas Educação)

Em algum momento da vida, muitos estudantes já se perguntaram e outros vão se perguntar: mas por que eu preciso estudar isso? “O questionamento ainda ofende o professor da escola tradicional, que responde: ‘vai cair no vestibular’”, diz Lucas. “Mas será que é só isso mesmo? Será que vamos continuar afastando geração após geração da maravilhosa linguagem universal, apresentando a matemática dessa forma, tão distante da sua real utilidade?”, reflete.

LEIA MAIS: Saudade na infância: como ajudar as crianças a lidar?

 

Matemática aplicada à prática

Para ele, a solução, que, felizmente, já vem sendo aplicada em algumas - ainda poucas - escolas pelo mundo é a pedagogia baseada em projetos. Muito mais interessante aprender criando algo ou resolvendo uma questão real do que decorando fórmulas e repetindo operações só por repetir. “A dinâmica muda completamente e, com ela, a sua motivação. O aluno deixa de ser motivado a aprender algo simplesmente para ir bem em uma prova ou vestibular. Nesse novo paradigma, o conteúdo ou a habilidade são necessários à execução de um produto final, ou seja, se tornam requisitos para realizar. O conhecimento não chega como certeza, surge a partir da investigação de possibilidades. Para cada problema, há uma solução”, sugere. 

É muito mais interessante ensinar à criança como fazer uma sequência de programação - em que ela poderá ver o resultado daquilo em um site, um programa, um jogo, uma aplicação - do que simplesmente escrever contas no caderno. “É claro que também é necessário fixar o conteúdo, colocar aquilo no papel e realizar o procedimento diversas vezes, a fim de concretizar o aprendizado, mas não podemos tirar do estudante a descoberta, a possibilidade de errar. Se o errar é privado, onde fica o gosto em acertar?”, pergunta.

É preciso tirar da matemática a visão de que ela precisa ser aprendida porque cai na prova ou no vestibular. “Se já antecipamos para crianças de 5 ou 6 anos o estudo para o vestibular, será que as escolas também não podem antecipar o prazer em aprender algo que tenha função e significado? Ou continuaremos assim, fazendo de conta que a matemática só existe no papel?”, indaga o educador. 

 

Livros sobre matemática e programação

Uma raposa, de Kate Read (Companhia das Letrinhas, 2022)

Capa do livro Uma raposa, um livro de contar e de suspense

Este é um livro de contar, mas também é um livro de suspense e de humor. Nele, uma raposa esfomeada, com seus dois olhos espertos vidrados em três galinhas gorduchas se prepara para dar o bote. O clima de tensão aumenta número a número até que o final surpreende pequenos e grandes leitores.

O livro laranja, de Richard McGuire (Companhia das Letrinhas, 2022)

Capa de O livro laranja, de Richard McGuire

Quatorze laranjas, quatorze destinos diferentes. Uma a uma, o leitor acompanha a jornada de cada um dos frutos depois da colheita. Com muito humor e situações inusitadas, o autor - o mesmo dos livros Aqui e Noite vira dia - nos mostra os variados destinos de uma laranja: de virar suco ou geleia até sair rolando por aí. 

Um gorila, para aprender a contar, de Anthony Browne (Pequena Zahar, 2021)

Capa do livro Um gorila, para aprender a contar, de Anthony Browne

Os primatas do aclamado autor Anthony Browne estão de volta neste livro de contar, que é muito mais que uma sucessão numeral. Nele, o autor nos mostra dez espécies diferentes de primatas - entre gorilas, gibões, macacos, lêmures -, com muita riqueza de detalhes nas ilustrações, e nos apresenta diferenças e semelhanças. Ao final, descobrimos que fazemos parte de uma mesma e grande família. 

Todas as pessoas contam, de Kirstin Roskifte (Companhia das Letrinhas, 2020)

Capa do livro Todas as pessoas contam

Este é um livro de contar, para crianças em alfabetização, mas é muito mais que isso. É um livro sobre pessoas, sobre diferenças e semelhanças, sobre a vida em sociedade e sobre o que importa nesse sentido. Ricamente ilustrado, ele mostra variados cenários na cidade, com pessoas em situações diversas, mas universais - de tristeza, de alegria, de segredos.

Matemática até na sopa, de Juan Sabia (Companhia das Letrinhas, 2020)

Capa do livro Matemática até na sopa

Qual é a importância dos números no dia a dia? Neste livro, Marcos vai aprender que a matemática pode ser fascinante com seu tio-avô, Juan. Do videogame ao sorvete, o menino aprende que essa linguagem está mesmo em todos os lugares - e os leitores vão aprender muitas curiosidades, como por exemplo a explicação de os ovos serem vendidos em dúzias. 

Olá, Ruby: Uma aventura pela programação, de Linda Liukas (Companhia das Letrinhas, 2019)

Capa do livro Olá, Ruby: uma aventura pela programação

Nesta aventura cheia de obstáculos, os leitores ajudam Ruby a encontrar cinco cristais e, neste caminho literário, vão descobrindo conceitos básicos da linguagem de programação computacional.

 

Meu primeiro grúfafo - Histórias de contar, de Julia Donaldson e Axel Scheffler (Brinque-Book, 2018)

Capa do livro Meu primeiro Grúfalo: Vamos contar?

O famoso Grúfalo e os demais personagens ajudam os muito pequenos a aprenderem a contar os números de 1 a 5, neste livro que traz jogos de quebra-cabeça com até cinco peças.

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog