Caro professor,
Pensando na dificuldade que muitos adultos têm em falar com seus filhos sobre a morte, o escritor Ilan Brenman, autor de inúmeros livros de sucesso destinados ao público infantil, e a equipe de psicólogas do Instituto 4 Estações, especializadas em lidar com situações de perda, resolveram convidar seis escritores de renome para criar histórias, para os pequenos, sobre esse assunto. O resultado é um livro que traz muitas possibilidades para que as crianças possam falar sobre a morte, entendendo que ela é um fenômeno inerente à vida.
Com a intenção de ajudá-lo a lidar com o tema da perda também em sala de aula, elaboramos este guia contendo:
. um artigo das psicólogas do 4 Estações;
. um depoimento do organizador Ilan Brenman sobre o projeto;
. um conto do livro;
. esboços das ilustrações;
. e uma lista de livros da editora que tratam do mesmo tema, para completar a estante do professor.
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O tema da morte e o enfrentamento de privações inexoráveis ou inesperadas é muitas vezes um assunto envolto em estigma, angústia e preconceito. No entanto, ao longo do seu desenvolvimento, toda criança vivencia situações de perda
- como quando muda de casa, quando nascem os irmãos, quando adoece ou morre um ente querido. Esses momentos representam vivências difíceis, envoltas por sensações de insegurança, abandono, medo, raiva ou culpa, mas podem também ajudar os pequenos a crescer, caso consigam expressar seus sentimentos, em conversas e brincadeiras, ou por meio de histórias ficcionais.
A elaboração das perdas contribui para o bom desenvolvimento da criança e atua como fator de proteção no enfrentamento de novas situações de privação. Por outro lado, a não elaboração de uma experiência como essa pode funcionar como fator de risco para o desenvolvimento emocional, cognitivo e relacional na infância e na vida adulta. O adulto que está próximo da criança, na função de educador e/ou cuidador, tem a possibilidade de auxiliar a expressão e compreensão dos sentimentos e reações envolvidos na aceitação da realidade da perda e na busca de recursos de enfrentamento dos desafios que fazem parte dessa experiência. Quando o adulto, na tentativa ilusória de proteger a criança, escolhe não falar a respeito dessas questões, acaba deixando-na desamparada, sem a possibilidade de entender o que se passa com ela e com o universo a sua volta.
O efeito terapêutico das histórias
Numa cultura marcada pelo desejo de controlar todas as situações, e também de possuir respostas em todas as áreas do conhecimento humano, falar do fim é ainda paradoxal e mobilizador de um forte sentimento de impotência e angústia. Por outro lado, esse mesmo movimento sociocultural nos torna cada vez mais vulneráveis e frágeis quando temos de enfrentar o envelhecimento, a perda do corpo jovem, momentos de crise e a inevitável chegada da morte. Em nossa experiência clínica e científica, constatamos que há uma grande falência da comunicação em momentos de sofrimento e dor por meio de perda, uma dificuldade muito maior para os adultos do que para as crianças.
É claro que devemos considerar as diferenças de compreensão da realidade mediante diferentes estágios de maturação cognitiva, mas a percepção da realidade, seja ela qual for, é algo tangível aos olhos e ao coração de todos, do mais jovem ao mais idoso. No caso das crianças, é a partir das brincadeiras, dos jogos e das histórias que elas conhecem o mundo, se expressam e validam seus sentimentos, pensamentos e significados. O recurso simbólico é a sua linguagem natural, por isso a literatura é considerada como um forte recurso facilitador da comunicação em momentos de perda.
Todos nós ordenamos nossa experiência ao longo de uma dimensão de tempo, pontuando o fluxo de acontecimentos sem fim de maneira que sejam pessoalmente significativas. Ou seja, organizamos os eventos de nossa vida a partir de blocos ou temas, que agrupamos para formar um enredo, uma estrutura com começo, meio e fim . é o que chamamos de "eventos de histórias".
Se é tão difícil falar da minha perda e do meu luto como parte da "minha história", talvez isso se torne mais ameno quando transferido para um personagem, em um tempo e espaço distantes, e também tão próximos de mim. Assim, por meio da história do outro, ainda que fictícia, posso me ver refletido e encontrar luz no meu processo pessoal de superação da dor. Quantas não são as histórias que acumulamos ao longo da vida que tornam-se verdadeiros vetores de transformação?
A literatura, nas suas mais variadas formas, é uma linguagem que fala direto ao coração: as histórias são veículos poderosos para nos comunicarmos com nosso inconsciente e, portanto, são guias na descoberta de nós mesmos. Isso significa que a literatura é um dos poucos recursos utilizados pelo homem capaz de burlar e enfraquecer as mais fortes defesas psíquicas construídas ao longo de nossa história. Tem imenso poder terapêutico e torna-se uma ferramenta na mão dos profissionais da saúde e da educação.
Vale lembrar que a leitura não transforma ninguém que não deseja ser transformado, e, portanto, a mudança só é possível quando aquele que dela precisa toma a iniciativa de buscar/aceitar ajuda, seja ela qual for. Além disso, vale lembrar que o poder terapêutico de uma história é ao mesmo tempo universal e singular, daí a necessidade de se ter contato com histórias que tenham os mais diversos enfoques, estilos e caminhos, quem sabe assim seja possível enfrentar com maior fluidez a reconstrução de um mundo que teve seu significado desafiado pela perda.
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Seis escritores de renome foram convidados a criar histórias sobre a perda. Na primeira, "Os pensamentos da bexiga murcha", a escritora Índigo dá voz a um balão de gás hélio chamado Belinda, que está murchando e sofrendo com isso. Em "Por todas as cores", Flávia Lins e Silva cria Amaralina, uma menina que possui lápis de cores em vez de dedos e vive para colorir, até que um dia as pontas de seus dedos amanhecem acinzentadas e ela precisa enfrentar um túnel imenso e escuro para voltar a colorir. César Obeid constrói "Sextilhas para a morte", cordel que trata do assunto com muito humor. Roger Mello inventa, em "Ecdise", personagens-palavras que discorrem sobre a efemeridade. E por fim, com "Vira-vira" Lalau sintetiza, de forma poética, nada menos do que a saudade. O resultado é um livro tão variado em estilos quanto em conteúdo, que auxilia as crianças na compreensão da morte como um fenômeno natural.
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