Por Bernardo Carvalho
Os pássaros aqui são outros. O tom também. A conferência dos pássaros é um poema místico, um clássico do sufismo, escrito originalmente no século XII pelo persa Farid ud-Din Attar e agora recontado para crianças pelo tcheco Peter Sís.
Diante da infelicidade do mundo, uma poupa, ave migratória, convoca uma conferência de pássaros. Decidem sair à procura do rei Simorgh e de suas respostas para todos os problemas. O périplo por sete vales é pontuado por frases que podem servir tanto aos paradoxos de Borges e ao teatro de Peter Brook como à autoajuda de Paulo Coelho: "Ele está tão perto de nós quanto nós estamos distantes dele"; "O amor ama o que é difícil"; "Ele respondeu que, durante todos aqueles anos, já havia enterrado muitos corpos, mas nunca os seus desejos" etc. Cada um tira daí a lição que quiser.
O que importa é que, como em todo texto místico, aqui o encanto ainda é fundamental. E esse encanto é a experiência do mundo, sem a qual não pode haver entendimento. A narrativa é sempre circular. Por mais que a resposta já esteja dada desde o início, é preciso se aventurar por sete vales para poder ouvi-la ou vê-la.
As ilustrações oníricas de Sís, obsessivas e espetaculares, são como os véus que ao mesmo encobrem e constituem essa resposta. O princípio místico supõe que, assim como o encanto, também as soluções estejam à nossa volta, mesmo quando não as vemos. O livro começa e termina com uma referência a Kafka, com uma metamorfose. Só que aqui o homem (o poeta persa) que se transforma em poupa volta a ser homem para seguir caminhando até desaparecer.
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Bernardo Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em 1960. Estreou com Aberração e desde então tem se destacado como um dos melhores escritores contemporâneos brasileiros, traduzido para diversos idiomas. É autor de Simpatia pelo demônio, Nove noites e Reprodução.