Um bravo guerreiro sem palavras

28/04/2017

No comecinho da criação do Bárbaro, Renato Moriconi não imaginava que esse seria um livro sem palavras – ou um livro imagem –, exceto por uma, apenas no título. Segundo o autor, essa é a palavra que faz a abertura poética para a leitura dos detalhes da obra, como num quadro, porém acrescido da dimensão do espaço e do tempo que a história oferece.

Neste livro-imagem, um viking corajoso, depois de enfrentar muitos perigos, cobras e águias, flechas e labaredas, encontra um inimigo ainda mais poderoso que todos os outros. Quem será esse tirano? Será ele capaz de arruinar a expedição do valente guerreiro? Essa história, que permite muitas leituras, foi premiada com o Jabuti de melhor ilustração.

Foram muitas tentativas e outros tantos experimentos até chegar à ideia de um bravo guerreiro. Dois ou três anos de trabalho na obra, que, por não conter palavras, não significa que careça de história. Justamente o contrário, eles trazem uma história consigo, mas que, ao invés de ser lida pela linguagem das palavras, é lida pela leitura das imagens.

“Sempre gostei dessa ideia de me comunicar com a imagem. É um caminho que eu não mudei, mas fui seguindo”, explica Moriconi, que é graduado em artes plásticas e tem pós-graduação em design gráfico. Conta com mais de 50 livros publicados, com suas ilustrações acompanhando o texto de outros autores ou em que ele o único autor, como em Bárbaro.

A história, segue explicando Moriconi, é contada não só pelas imagens, mas também pelo formato que o livro assume. “O livro-imagem também incorpora o formato do livro. Os autores trabalham com formatos que também são uma forma de comunicação. Então essa definição tem a ver com a escultura da obra. É como se estivesse vendo um quadro, mas num suporte diferente, com sequência e tridimensional”, define.

A verticalidade é um elemento predominante em Bárbaro, tanto no formato do livro quanto nos movimentos do herói no decorrer das páginas. Moriconi compartilhou os ingredientes que resultaram nessa bárbara criação. Leia mais sobre seu processo autoral a seguir.

Boneco feito à mão

É uma preferência do ilustrador fazer sempre seus trabalhos à mão, como foi feito o boneco de Bárbaro. “Já usei bastante digital, mas hoje quase cem por cento dos trabalhos que faço são manuais. Até mesmo os bonecos eu procuro fazê-los na mão. Uso também o digital para fazer um roteiro ou rascunho, mas as imagens finais prefiro ter no físico.”

 

Carrossel de lembranças

O autor conta que a ideia de fazer a história de Bárbaro nasceu em uma incursão que fez à Europa há alguns anos. “Estava numa viagem, em Florença, sozinho, com muitas saudades daqui e fui dar um passeio. Nas cidades europeias há muitos carrosséis. Comecei a pensar o que se passava na cabeça das crianças ao girar nesse brinquedo. A inspiração surgiu daí”, lembra o autor. Então começou a se recordar do que fazia quando era criança: “Ficava projetando imagens naquilo que estava fazendo – enquanto andava de ônibus imaginava que estava saltando prédios”, conta.

O carrossel, elemento de surpresa final, atiça o imaginário infantil. “A brincadeira no final é a de um guerreiro que enfrenta todos os desafios fantásticos, mas o único ser que causa medo nele é um ser barbado que vem de cima. Vem de questões do próprio espiritual, além do visual, do mundo mágico, da religião, do deus que tira a alegria, que faz chorar, o deus da cultura ocidental que, sem arma nenhuma, faz o bárbaro chorar e tira a criança do carrossel. É uma brincadeirinha que pode ser lida dessa maneira”, explica o artista.

 

Obra aberta

A imagem é um recurso que se aproxima da comunicação universal, em que todos compreendem a mesma coisa a partir da visualização. Moriconi, no entanto, afirma que o entendimento varia conforme o contexto histórico, mediador, à atenção do leitor. “A maioria das crianças para quem eu mostro a história se surpreendem, vêm com ideias próprias e trazem seus processos de referências individuais. Uma imagem pode ter um significado totalmente diferente em outros lugares do mundo. Prefiro pensar na comunicação poética, abertura para que referências culturais, etárias, sociais e geográficas venham à tona nessa leitura”. Portanto, não ter escrito a definição do que ou quem é aquele ser deixa aberto às interpretações dos leitores.

Uma literatura que inclui

Como o autor menciona, diferentes idades trazem diferentes interpretações. Por isso, na opinião de Moriconi, a leitura do Bárbaro é universal. “Acredito que a literatura infantil não exclui o adulto. A literatura infantil inclui a criança. É como se eu estivesse numa palestra e, se lá tivesse uma criança, eu tivesse o cuidado de me expressar claramente, não facilitando o conteúdo de maneira simplória, mas pensando no tipo de imagem ou determinado tipo de palavra que usaria. O que eu chamo de literatura infantil serve para adultos também”, define o autor.

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