Livros, remédio da alma?

06/02/2018
Por Fabíola Farias [caption id="attachment_3956" align="aligncenter" width="415"] "Conversa para pai dormir" / Ilan Brenman (texto) e Guilherme Karsten (ilustrações)[/caption] Dias atrás, um amigo me escreveu pedindo sugestões de livros para uma criança que perdera o avô, com quem tinha uma ligação muito forte. A busca por livros que tratem de temas relacionados a situações dolorosas ou delicadas é muito comum, acontece com frequência em livrarias e bibliotecas. Em um dia o bullying, no outro a pedofilia, depois a separação dos pais e sempre, de maneira bastante recorrente, a morte. Diante da dor e do desamparo, buscamos nos proteger,e especialmente às crianças, em um colo quente, macio e, de preferência, seguro. Esperamos que os livros consigam tratar de algo que nos escapa ou amedronta, quase sempre com expectativa de ludicidade – parece haver necessidade de tornar a dor e o incômodo mais palatáveis, como se isso fosse possível.

"A oferta mais generosa que podemos fazer às crianças são histórias, imagens e palavras que ampliem repertório para compreender e organizar o mundo, num exercício de autoconhecimento e de encontro com o outro"

  Não é necessária uma pesquisa muito complexa para descobrir que há livros, bons e ruins, sobre tudo e, por estranho que pareça, sob medida até mesmo para o que desconhecemos. Mas me pergunto se, por melhores que sejam, aplicados como remédio “funcionam” como esperado por quem os busca. Não tenho dúvidas de que narrativas – livros, filmes, canções – que tratem de algo que nos toca nos ajudam, muitas vezes, a compreender um pouquinho o que vivemos em momentos específicos. Nessas situações, entendemos que nosso sofrimento e nosso medo fazem parte da vida e são, em grande medida, o que nos liga às outras pessoas, que sofrem e temem como nós; ao saber do outro, sabemos um pouco mais de nós mesmos e isso nos permite voltar ao outro com menos fissuras. O importante é que, nesses casos, os livros se tornem uma abertura para a criança pensar, falar (se quiser) e elaborar a dor, a perda, e, assim, fazer a experiência da tristeza. Apesar de parecer pequena a oferta para quem, inconscientemente, busca uma solução imediata em um momento difícil, esse já é um grande convite. São muitos os caminhos que trilhamos na tentativa de aplacar a dor, especialmente a das crianças. Para elas, que nascem em um mundo velho e desigual e carregam o fardo de construir um futuro melhor, tentamos, amorosa e inutilmente, construir atalhos. Mas se pensamos fora da lógica produtiva, aquela que nos obriga a ganhar tempo em tudo para competir e a estar sempre bem, talvez não seja bom encurtar as distâncias. E onde digo “talvez”, certamente por delicadeza de linguagem, cabe uma daquelas poucas certezas que colocamos em marcha ao longo da vida: precisamos viver nossas experiências no tempo que elas exigem.

"Os livros nos oferecem tempo dilatado, em que vivemos cem anos em algumas horas ou um único dia em quinhentas páginas, subvertendo o tempo do tempo"

  Os livros nos oferecem e convidam a esse tempo dilatado, em que vivemos cem anos em algumas horas ou um único dia em quinhentas páginas, subvertendo o tempo do tempo. Para além de livros sobre morte quando alguém querido morre ou sobre separação quando o casamento dos pais chega ao fim, a oferta mais generosa que podemos fazer às crianças e a nós mesmos são histórias, imagens e palavras que ampliem seu repertório para compreender e organizar o mundo, num exercício de autoconhecimento e de encontro com o outro. (Em tempo: sobre esse tema, vale a leitura do belo ensaio Lendo na casa da guerra, de Marina Colasanti). --- Fabíola Farias é graduada em Letras, mestre e doutoranda em Ciência da Informação pela UFMG. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e coordena a rede de bibliotecas públicas da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.
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