Marie-Thérèse Kowalczyk, ou Maté, nasceu na França, em 1959. Na infância, tinha sonhos recorrentes com praias e paisagens ensolaradas. Aos 20 anos, chegou ao Brasil e não saiu mais. Costuma dizer que é mais brasileira que francesa, apesar do (pouco) sotaque que ainda persiste.
Apaixonada pela cultura e pela arte indígena e africana, esta artista plástica e aquarelista premiada, formou-se em Desenho Industrial em Lorena (SP), deu aulas de arte e, em 2003, estreou seu primeiro livro,
O menino e o jacaré, não à toa sobre uma lenda brasileira que ela compara à história da Chapeuzinho Vermelho.
Maté, 58 anos, empresta novamente seu traços leves, coloridos e ensolarados (como as paisagens oníricas de sua infância) a seu décimo segundo livro pela
Brinque-Book,
recém-lançado Poemas da minha terra tupi, que brinca com as palavras e tudo o que carregam de natureza, sonoridade, cultura.
Ela topou brincar com a gente neste
Brinque-Book Brinca e abrir mais um pouquinho desse universo incrível que povoa sua prosa, poesia, arte.
Quem é você?
Alguém que, aos 58 anos, se diverte costurando cuidadosamente palavras, cores, desenhos e possibilidades.
Quem faz livro é o quê?
Seja ele escritor, ilustrador ou editor, é alguém que tem algo a dizer.
Como é o lugar onde você trabalha?
É a sala da minha casa, que lembra um pouco a caverna de Ali Baba, só que melhor iluminada e mais bagunçada… Explico: para escrever, sento na frente do computador, pesquiso na internet e na minha biblioteca. Até aí, tudo muito normal.
Quando é poesia, costumo fazer anotações em papeizinhos espalhados pela casa (aprendi que as ideias surgem de repente e não costumam voltar). Depois junto tudo para ler e corrigir, deitada no sofá da sala. Já para ilustrar, preciso ter debaixo dos olhos (além do meu material) todas as coisas que podem me trazer inspiração para um novo projeto. Essas “coisas” podem ser as mais diversas: um postal, um livro de arte, um retalho colorido, uma moeda antiga, uma garrafinha PET com areia do Saara, um rascunho de desenho, uma pedra ou uma concha trazida de alguma viagem, uma pena que uma coruja deixou cair no quintal… Para ilustrar, costumo usar diversos pares de óculos (para perto, para longe) e até uma lupa!
A musicalidade das palavras indígenas que dá todo o seu sabor ao português falado no Brasil é um convite para brincar de poeta
Quais são suas técnicas prediletas para desenhar, escrever, ilustrar e imaginar?
Minha ilustração começa geralmente com um rascunho (às vezes com alguma indicação de cores) que depois é retrabalhado no papel vegetal. Transfiro a estrutura do desenho no vegetal para o papel aquarela e depois construo a imagem com aquarela. Às vezes acrescento colagens ou toques de lápis de cor, dependendo do efeito que eu quero dar. Mas outras vezes, o texto vai pedir uma técnica diferente, como bico de pena, canetinha, grafite etc.
Minha escrita em prosa nasce de uma pesquisa sobre um tema que me interessa. Mas a poesia acontece meio por acaso, em geral provocada por experiências pessoais.
Quanto a imaginar, acontece principalmente quando estou em casa. Cozinhando, cuidando da horta ou observando as lagartixas andando nas paredes.
Como é que você tem uma ideia para escrever ou desenhar? E como tira ela da cabeça e coloca no papel?
Gosto de pesquisar temas como a origem do homem, as lendas e as tradições antes da revolução industrial, a relação do homem com a natureza etc. Seleciono o que me chama mais atenção, seja atual ou inusitado, e começo a escrever. Depois meio que a história vai se desenvolvendo por conta própria, como uma trepadeira regada a informações e emoções. Para ilustrar, faço uma extensa pesquisa artística sobre o universo que quero retratar: a magia oriental das Mil e uma noites, as margens do Rio Níger, uma aldeia indígena… Além da pesquisa levo em conta vivências pessoais, lembranças de viagens e também a emoção do momento em que escrevo, porque de uma forma ou outra a gente escreve sobre o que a gente conhece e sente.
Qual foi a ideia mais brincante que você teve e que virou livro?
Mais do que uma brincadeira, cada livro que eu publiquei (seja como autora ou como ilustradora) foi um desafio prazeroso, do primeiro trabalho ao mais recente.
“O menino e o jacaré”, um conto indígena e meu primeiro livro como autora, nasceu de um trabalho de faculdade que visava divulgar as lendas indígenas brasileiras nas escolas e desfazer o estereótipo que vinha do índio norte-americano dos desenhos do Pica-pau. Esse conto dos povos de língua Jê é tão expressivo quanto a história do Chapeuzinho Vermelho, e eu achava uma pena ele ser praticamente desconhecido. Hoje o livro está presente em muitas bibliotecas escolares.
Escrever “O amuleto da chuva”, meu primeiro romance, foi uma experiência muito rica e desafiadora. Precisei pesquisar muito para recriar as condições de vida no Saara pré-histórico. Durante dois anos fiquei imersa nesse universo, dormindo e acordando com ele na cabeça. Criei até um mapa do lugar. Estava tão envolvida com as aventuras da menina Arinê e da velha Madih que me emocionei ao escrever o final.
“Poemas da minha terra tupi”, recém-lançado pela
Brinque-Book, é uma homenagem em versos à herança tupi que, 500 anos depois, ainda sobrevive na paisagem, no nome dos bichos, das plantas e no jeito de ser da gente daqui. A musicalidade das palavras indígenas que dá todo o seu sabor ao português falado no Brasil é um convite para brincar de poeta e resolvi me arriscar.
Seus lápis e cadernos brincam com você?
Às vezes, de esconde-esconde. O computador também, quando não quer ligar…
O fato de vir morar no Brasil mudou minha vida. Aprender uma outra língua é aprender uma outra forma de pensar
Quando não tem ninguém olhando, do que você brinca? E quando tem alguém olhando?Gosto de falar bobagens com as minhas cachorras e desenhá-las. Quando alguém olha, finjo que estou apontando meus lápis.
Em que momento, lugar, clima, hora do dia ou posição você mais gosta de ler, escrever ou desenhar?
LER: de noite na cama, antes de dormir.
ESCREVER: de tarde e à noite, sentada no computador da sala.
DESENHAR E PINTAR: na parte da manhã e à tarde, na minha mesa de desenho, na sala iluminada pela luz natural. Às vezes faço rascunhos ao ar livre quando viajo.
O que você mais gostava de ler quando criança? Mudou muito para os dias de hoje?
Ainda criança na França, eu lia de tudo, até mesmo coisas que não eram da minha faixa etária. Lia quadrinhos, romances, poesias, lendas, ficção científica etc. Mas o que eu mais gostava eram as histórias de exploradores e suas aventuras (reais ou não) no mar ou na selva.
O fato de vir morar no Brasil mudou minha vida. Aprender uma outra língua é aprender uma outra forma de pensar, e poder ler Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Manoel de Barros e Mia Couto no idioma original foi um privilégio. Acho que meu leque de opções abriu-se. Descobri recentemente autores israelitas como Isaac Bashevis Singer e seus contos maravilhosos e o historiador Yuval Noah Harari e seus instigantes “Sapiens” e “Homo Deus”. Amei também “Árvore de rios: a história da Amazônia”, do pesquisador inglês John Hemming, um relato histórico que mais parece uma obra de ficção de tão fascinante que é.