Um presente em forma de palavras

11/10/2018

 

Uma história de amor: esse foi o presente de Jorge Amado para o filho em 1948, quando ele comemorava o seu primeiro aniversário. Era o conto de um gato malhado que não se importava com os outros, mas se apaixonou por uma linda andorinha. Ficou desconhecido por décadas, sendo trazido a público apenas em 1976, quando o filho João Jorge, já crescido, convenceu o pai publicar o livro O gato Malhado e a andorinha Sinhá, obra que ganhou adaptação para o balé e para o teatro, além de ilustrações de Carybé e posfácio de Tatiana Belinky.

Mas Jorge Amado não foi o único a presentear seus filhos com palavras. Inspirados nos universos infantil ou familiar, diversos autores e ilustradores criam narrativas de presente. Uma delas é a de Stela Loducca, Dudu e a caixa e Dudu e o plástico bolha, escrita para seu filho, Gabriel. "Tudo começou quando recebi uma encomenda enorme que veio dentro de uma caixa”, conta a escritora. “E, claro, meu filho ficou enfeitiçado pela caixa, e não com o que veio dentro dela.

“Naquele instante, vi a vida do Gabriel se transformar completamente. Aquela caixa virou tudo o que a imaginação dele permitiu. Durante um mês, bem no meio da minha sala, ora a caixa foi a casa dele, ora um barco, uma cabana, seu esconderijo secreto e assim por diante deu asas a muitas aventuras", lembra sobre as descobertas de seu filho que viraram livro em 2015. Logo depois veio o plástico bolha, que originou o livro publicado em 2018. "Quanto mais eu observava o universo dele, mais rica era a minha inspiração para escrever. E para meu pequeno, perceber que ele dava vida a tantas histórias e reconhecer o seu universo ali em cada uma delas o fez também gostar de ler e escrever."

Há presentes para os filhos, mas há também presentes para os pais. É o caso de Kiara Terra e Ionit Zilberman, que juntas fizeram Hocus pocus, em homenagem às figuras paternas. A história é de uma menina que ganha um pai quando já é um tanto crescida. Ele aparece em sua vida e a enche de mágica. "Fazer esse livro com a Kiara, que conhece bem a mágica dos pais que chegam depois que a gente nasce, foi uma homenagem a ele. Um agradecimento. Um desejo de contar que o amor está além da família. Ao contrário, o amor cria novas famílias. Talvez isso seja totalmente mágico também", conta Ionit, que ilustrou o livro.

Seu pai apareceu em sua vida em circunstâncias parecidas com a da personagem, quando a artista ainda nem sabia escrever o nome dela. "Se a mágica existe, quem sabe meu pai possa ver, onde quer que sua alma agora esteja, o poder mágico das histórias que ele me contou, mesmo sem se dar conta, naquele momento, da importância que essas palavras teriam na minha vida."

Foi em uma conversa entre as duas que Kiara Terra, escritora da obra, percebeu o quanto suas histórias eram parecidas. "Éramos adultas mas dentro da gente viviam duas meninas pequenas com saudades dos seus pais. Partilhamos memórias, rimos juntas ao contar uma a outra como era ser cuidada por um pai de presente", lembra. "Esse livro é uma grande carta de amor a nossos pais, às crianças e seus pais padrastos e à Ionit Zilberman, que tornou o desenho irmão da palavra na cumplicidade bonita de escrever comigo esse livro."

Confira outras obras escritas de presente por talentosos e amorosos escritores.

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As crianças que mudam o mundo

 

Amoras, primeiro livro infantil do rapper Emicida, celebra a imaginação das crianças. Não por acaso, é dedicado à sua filha, Estela, "a primeira pessoa que viu salvar o mundo". A menina é uma grande fonte de inspiração para ele e o ajuda a ter uma relação diferente com o mundo, como ele contou em entrevista recente para o Blog da Letrinhas.

 

Histórias vividas em família

 

A aventureira Marina Klink é outra a escrever um livro inspirado nas histórias vividas com a filha. É o caso de Vamos dar a volta ao mundo?, que conta os gostos, preferências e viagens vividas com Tamara, Laura, Marininha e o marido Amyr. Ao final da obra ilustrada por Cárcamo, é possível conferir fotos da família em lugares como Mato Grosso, África do Sul e Antártica.

 

Da avó para as netas

 

Não é só de livros para os filhos que á feita a nossa lista. A escritora Lilia Schwarcz, por exemplo, escreveu em parceria com Heloisa Prieto uma história para as suas netas, O circo do amanhã. Com ilustrações de Thereza Rowe, a obra traz as peripécias de Maria Isabel, uma menina que está doente e conta com a sua melhor amiga, Alice, para saber das últimas novidades da escola. É quando coisas estranhas começam a acontecer, sobrando para as duas a missão de solucionar um grande mistério.

 

Uma história de amor para soprar as velinhas

 

O pequeno João Jorge, que na época completava um ano de idade, foi quem recebeu de presente O gato Malhado e a andorinha Sinhá, escrito por seu pai, Jorge Amado. A história é de amor, um gato que se apaixona por uma adorável andorinha. O grande escritor brasileiro nunca pensou em publicar a história, baseada em uma trova do poeta Estêvão da Escuna. O texto só foi encontrado em 1976, 28 anos depois de escrita, quando ganhou as ilustrações de Carybé.

 

Desafios da pré-adolescência

 

A história de O dia em que a minha vida mudou por causa de um chocolate comprado nas ilhas Maldivas, de Keka Reis, não aborda o universo pré-adolescente por coincidência. É a idade da filha de Keka, que inspirou a roteirista a escrever seu primeiro livro infantojuvenil. Com ilustrações de Vin Vogel, o livro traz algumas aflições dessa época em que meninos parecem agir diferente, ninguém mais quer brincar e os adultos só querem ter conversas sérias.

 

Um livro só de brincadeiras para o filho

Imagina uma pessoa que fez um livro inteiro só falando das brincadeiras com o filho. Essa pessoa é Estéfi Machado, autora de O livro da Estéfi, um verdadeiro manual de brincadeiras criativas para todas as ocasiões. A obra é até dividida em seções – para dias de chuva, dias de sol e até para as festas de aniversário mais descoladas.

 

De pai para filha

 

Ilan Brenman é outro autor que frequentemente escreve histórias inspiradas na sua filha. É o caso de obras como Pai, quem inventou?, Pai, não fui eu! e Hora do almoço, baseadas em histórias reais vividas por ela. São conversas vividas entre os dois, curiosidades sobre as descobertas do mundo à imaginação infantil, com muitas brincadeiras entre pai e filha.

 

Um relato de saudade e afeto

 

A quatro mãos, de Marilda Castanha, surgiu da saudade de seu pai Henrique. Foi pensado a partir da criança que foi em sua maior convivência com o homem afetuoso e generoso do qual se recorda com carinho. Surgiu também da infância em Minas Gerais. "Ela está lá, na jabuticabeira em flor, no quintal com horta, no cachorro, no galinheiro, nos passeios de trem para cidadezinhas próximas a Belo Horizonte, aos domingos", ela disse, em entrevista ao Blog da Letrinhas.

 

Conselhos a uma criança já crescida

 

Um dos grandes nomes da nossa literatura, João Ubaldo Ribeiro também escreveu um livro baseado em suas memórias paternas. É o Dez bons conselhos de meu pai, ilustrado por Bruna Assis Brasil. Ali ele lembra alguns valores paternos importantes em sua vida, como o amor pelos livros e pelo estudo e o combate à amargura e ao medo.  

 

Para um pai que surgiu como mágica

 

A história de um homem que acaba se tornando pai de uma menina aos pouquinhos, depois que se casa com a sua mãe. É a realidade da protagonista de Hocus pocus, mas é também a realidade de Kiara Terra e de Ionit Zilberman, autoras do livro. "Foi uma homenagem a ele. Um agradecimento. Um desejo de contar que o amor está além da família. Ao contrário, o amor cria novas famílias", diz Zilberman.

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