Será ficção ou fake news?

24/10/2018

 

Por Januária Cristina Alves

É o assunto momento. Não se fala em outra coisa aqui no Brasil e no planeta a não ser nessas tais “fake news”, que, de repente, se tornaram uma entidade capaz de decidir os rumos de uma nação, a relação que as pessoas estabelecem com sua família, com seus amigos e o que é pior: seriam capazes de definir o que pensamos e como vemos as coisas que acontecem ao nosso redor. Se é isso que está ocorrendo, precisamos, sim, mais do que falar sobre elas: é urgente compreender esse fenômeno e aprender a lidar com ele.

 

Foto Pixabay

 

Em 2017, o famoso dicionário inglês Collins elegeu “fake news” como a palavra do ano, esclarecendo que elas são “informações falsas e em alguns casos sensacionalistas apresentadas como um fato, publicadas e disseminadas na internet”. Cabe aqui uma ressalva sobre o que é “falso”: notícias que não têm provas, fatos que são distorcidos, em que são omitidos ou destacados determinados aspectos em detrimento de outros.

Não é difícil compreender o que são “fake news” simplesmente porque elas não são novidade. Notícias falsas,  o “quem conta um conto aumenta um ponto”, existem desde que o ser humano aprendeu a se comunicar por meio de palavras e gestos. Todos nós nos expressamos e organizamos nosso pensamento por meio de narrativas e, por termos uma maneira absolutamente particular de contá-las, elas sofrem alterações no modo como as compartilhamos. As notícias obedecem à estrutura das narrativas e procuram transmitir os fatos ocorridos da maneira mais objetiva possível. Porém há muito já se comprovou que não há objetividade total em nenhum tipo de narração, exatamente pelo fato de que só se pode contar uma história a partir do ponto de vista de quem a conta.

Nesse sentido, a prática de ouvir e narrar histórias é fundamental para educação de crianças e jovens desde a mais tenra idade. Quando a criança ouve uma mesma história contada pelo pai, pela mãe, pela avó e pela professora, ela começa a entender o mecanismo da narrativa, como ela se estrutura e como pode ser modificada pela pessoa que a conta, seja pelo seu tom de voz, pela ênfase que se dá em determinadas passagens e até mesmo pelos gestos que faz. É durante uma contação de histórias que a criança começa a perceber que o ser humano pode transitar entre o real e o imaginário por meio das palavras, e que esse ir e vir nos ajuda a compreender a nós mesmos e o mundo em que vivemos.

Isso é alfabetização literária, que é por onde principia a alfabetização midiática. Nos dias de hoje, é fundamental ensinar as crianças a conhecer e a lidar com a mídia. Vivemos todos mediados, e não apenas pelos livros, mais especialmente pelo que circula pela internet. Para nós, os livros ainda são um universo seguro e mais “controlado”, em que o conteúdo cabe em “x” páginas, ao contrário das redes, em que um clique nos leva a outros conteúdos e depois a outros e outros, fazendo com que nos percamos nesse mar de histórias e possibilidades, e com isso, saiamos dessa experiência mais confusos do que cheios de conhecimento.

Por isso, antes de mais nada, é preciso ensinar as crianças a pesquisar, a perguntar, a desconfiar, a checar as informações que ouvem, veem e leem. Se foram suficientemente expostas a diversas experiências que lhes permitiram transitar entre o real e o imaginário, o exercício de perguntar e se questionar sobre o que estão vendo/ouvindo/lendo será simples. 

Há uma experiência muito interessante de se fazer com as crianças que é pedir-lhes que contem uma história bastante conhecida sob outro ponto de vista, como a da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo. Como essa história seria narrada do ponto de vista do lobo? E do caçador? E da mãe da menina? E da vovozinha? O mesmo pode ser feito comparando-se duas ou três notícias sobre o mesmo assunto que saíram em diferentes jornais. Ao participarem desse exercício as crianças compreenderão a estrutura das notícias e, portanto, das notícias falsas. Perceberão como funciona o mecanismo de se contar uma história ou um fato, e/ou de inventá-lo. Isso é fundamental para se lidar com as “fake news”.

A novidade que tanto nos inquieta com relação a esse assunto é que no século XXI a capacidade de se compartilhar histórias se multiplicou. Se antes contávamos um “causo” ao redor de uma fogueira para os membros de uma tribo de 20 pessoas, hoje essa tribo contém milhões, e seus integrantes não vivem no mesmo lugar, não compartilham as mesmas ideias, nem a mesma língua ou cultura. As histórias são “contadas e aumentadas” em milhares de pontos, segundo múltiplas visões e interesses. E é essa escala que precisa ser compreendida no que se refere aos efeitos que causa.

A alfabetização midiática é mais do que necessária para que formemos cidadãos mais conscientes e participativos nos dias de hoje. Não apenas porque são leitores diários de histórias e notícias, mas também porque são produtores delas, quando as compartilham e comentam. Para combater a confusão e a desinformação só desenvolvendo a capacidade crítica de leitura, o gosto pela pesquisa, o incentivo à curiosidade e ao diálogo. E isso não só é possível de ser feito em casa e na escola como é fundamental para se preservar a democracia e o nosso bem mais precioso: a liberdade de pensar e criar.

Para saber mais

>> Programa de Alfabetização Midiática da Unesco (download gratuito do Currículo para a Formação de Professores)

>> Sobrevivendo nas redes: Guia do Cidadão (download gratuito – Fundação Santillana)

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Januária Cristina Alves é jornalista, infoeducadora e escritora, com mais de 50 livros publicados. Saiba mais no site www.entrepalavras.com.br

 

 

 

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