O topetinho alaranjado, emplastado de gel, é inconfundível. O repórter investigativo mais famoso do mundo, ele mesmo, o Tintim, em 2019, completou 90 anos. Em cronologia, já idoso, o personagem ainda se aventura pelos seis continentes e suas histórias alcançam até mesmo os leitores mais jovenzinhos. Inclusive aqueles que poderiam conhecer o mundo com cores e formas reais pelas imagens de satélite disponíveis na internet. Mas, ainda hoje, esses leitores se permitem visitar esses lugares pelos quadrinhos do desenhista belga Hergé (1907-1983).
As peripécias de Tintim e seu cachorro Milu começaram a ser contadas durante o período entre-guerras, mais especificamente, a partir de 10 de janeiro de 1929, quando a dupla apareceu pela primeira vez no suplemento juvenil do jornal belga “Le Vingtième Siècle”. Naquele primeiro episódio, os dois saíam de Bruxelas (Bélgica) e viajavam até a Rússia para desmascarar o regime soviético. Os desenhos ainda eram em preto e branco, mas o estilo de escrita de Hergé trazia uma inovação para o gênero narrativo. Os balões de fala eram incluídos dentro dos quadros, fugindo do habitual até então (desenhados do lado de fora).
Em 1940, o jornal por onde circulavam semanalmente as tirinhas de Tintim parou de ser publicado. Apesar disso, o garoto que viajava, seu cão fox terier branco e os outros personagens que foram adicionados aos poucos, como os detetives atrapalhados Dupond e Dupont, já tinham conquistado o público e se mantiveram fora do suporte do periódico. Ao todo, foram lançados 24 álbuns, editados pelo Studios Hergé, com compilações dessas histórias. Traduzidas para mais de 70 idiomas, ao longo dos anos, venderam mais de 200 milhões de cópias.
Animavam as crianças da época ter acesso a elementos culturais tão diferentes a partir de uma mesma fonte. Ora Tintim passeava por Marrocos ou Xangai, ora perambulava por lugares fictícios na Ásia e na América Latina, como Sondonésia e San Teodoro. A pesquisa era feita com avidez, logicamente, mas, para o autor, mais importava a riqueza da narrativa do que a veracidade das informações ali postas. Essa perspectiva, assim como outros posicionamentos dele, perceptíveis nas histórias, estão sujeitos à crítica (ainda bem!). Não há nada que esteja sob a justificativa da imaginação, como se essa fosse o aval para todas as permissões.
A exemplo disso temos o episódio inicial da série, Tintim no país dos Sovietes, que retrata os comunistas como vilões. E, o ainda mais debatido, episódio do Congo, “Tintim no Congo” (1931), que gerou polêmica pela representação dos congoleses. Os personagens nativos da terra africana tinham feições caricatas e exageradas e uma personalidade ingênua e primitiva.
Apesar de refletir alguns pensamentos passados, as aventuras de Tintim também prenunciavam o futuro. Enquanto os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin comemoravam o feito de serem os primeiros homens a pisarem na Lua apenas em 1969, no universo Tintinesco, isso já havia acontecido há mais de dez anos. Em 1953, no livro Rumo à Lua, o professor Girassol retorna à Sildávia e convida Tintim e o Capitão Haddock para uma expedição ao satélite. Então, no volume seguinte, Explorando a Lua, a viagem enfim acontece.
Essas são só algumas das viagens desse jovem aventureiro. O portal Nexo analisou cada um dos álbuns e traçou os itinerários do personagem. Além dessas expedições dos livros, o garoto e sua trupe já viajaram pela TV, com o desenho animado que foi ao ar em 1991 e hoje pode ser acessado em plataformas de streaming. E também, pelo cinema. O primeiro filme é de 1961 uma coprodução entre Bélgica e França, assim como o encontro de Tintim e Haddock. Depois, os quadrinhos ainda tiveram outras adaptações para a telona, sendo a última delas uma animação em 3D, de Steven Spielberg, lançada em 2011. E que, segundo o diretor da editora Casterman, Benoît Mouchart, contará com uma sequência.
É difícil dizer por que Tintim ainda continua enredando leituras mesmo depois de tantos anos. O mundo que ele apresenta parece antigo perto da magnitude do que se tem em uma tela ao alcance das mãos. Mas, ao contrário desse mundo mediado, Tintim pede por participação, aproxima, “nos coloca no seu lugar e nos convida a contemplar e explorar o mundo. Não é só ele, mas nós com ele, que vemos que o mundo é uma aventura”, como coloca Érico Assis em texto para o Blog da Companhia. É, talvez seja isso, em um presente com jovens cada vez mais curvados diante de um aparelho luminoso, Tintim, no auge dos seus 90 anos, endireita a coluna com a vivacidade de um garoto e nos convida a seguir viagem.