Como falar de racismo com as crianças

10/06/2020

Os acontecimentos recentes nos mostram que é cada vez mais urgente a pauta antirracista e que ainda temos um longo caminho pela frente. Mas qual nosso papel nessa jornada? Conversar sobre o assunto com as crianças e explicar como o racismo está presente de forma estrutural na nossa sociedade, permitir que elas circulem fora da "bolha" em que vivem ou que saibam como lidar com o preconceito em que estão inseridas, tratar bem e respeitar toda e qualquer pessoa para dar o exemplo - só assim criaremos uma geração de adultos mais empáticos, humanos e respeitosos.

"Devemos ensinar todas também a lutar contra o racismo, para que entendam que tratar a todos de maneira igual é a atitude correta, assim, se elas virem algum amigo desfazendo do outro, por exemplo, poderão intervir", diz a neuropsicóloga Aurélia Caetano, do @psicomaterna.  

Não sabe como começar a falar sobre racismo com seus filhos, sobrinhos ou alunos? Separamos algumas dicas que vão ajudar.

 

(Crédito: Foto de Chayene Rafaela, no Unsplash)

 

Exemplo no dia a dia

Mais do que simplesmente chamar a criança e dizer "precisamos falar sobre isso", mostre na prática o que é respeito. Você já sabe que é a principal referência de seu filho e que ele tem você como exemplo para tudo - neste caso não é diferente. Que tipo de comentários você faz, as pessoas com que convive e como o diferente é tratado pela família é que vão determinar as atitudes que seu filho vai ter fora de casa.

 

Amplie o repertório

Insira culturas diferentes no mundo da criança. Como? Com brinquedos, filmes, músicas, passeios, viagens, brincadeiras, livros e histórias que mostrem outras culturas e raças. Essas são excelentes oportunidades de estender a conversa de maneira mais lúdica e leve com elas. "Ampliar as referências da criança é importante para ela enriquecer e ser enriquecida pelas diferenças e não ter a visão de melhor ou pior, para que ela perceba que o grupo todo se beneficia quando lida com as diferenças", diz a psicóloga Andrea Macedo, especializada em terapia cognitivo-comportamental.

 

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Não brinque com coisa séria

Mesmo que na sua casa não role piadinhas racistas ou de mau gosto, sabemos que pode acontecer de o seu filho ouvir coisas do tipo na escola, na casa do amigo, na rua e por aí vai. E pode acontecer de ele acabar reproduzindo isso sem entender de fato o que significa. Neste momento, não releve ou dê risada: aproveite para explicar, com toda calma e acolhimento, o por quê esse tipo de discurso não é legal. 

 

Modelos a seguir

Não é legal reduzir a presença de pessoas de outras raças a uma visão de assistencialismo, de só conviver com o aluno bolsista da escola, por exemplo. Por isso, mostrar e falar de pessoas que você admira, como um ator, uma cantora ou aquele professor querido da escola, que sejam de diferentes raças, mostrando fotos e vídeos, é uma maneira muito boa de inserir isso no contexto da criança. "O ideal é abordar o assunto sem um olhar reducionista. Por exemplo, não falar em 'cor de pele' quando vai desenhar ou pintar. Se o seu filho adora essas atividades artísticas, por que não investir em uma caixa de lápis de cor daquelas que tem vários tons de pele?", diz Andrea.

 

Todos são diferentes

As crianças percebem as diferenças desde cedo, mas ainda sem segregar. Entre os três e cinco anos, ela começa a adquirir um senso estético e aí pode perguntar, ter curiosidade sobre essas diferenças. "Neste momento, o legal é pontuar todas as diferenças que existem entre os seres humanos, como 'meu cabelo é igual ao seu?', 'o nariz do papai é igual ao da mamãe?', e aí falar que com a cor da pele é a mesma coisa. Com o passar do tempo elas também entendem que não são só as características físicas que nos diferenciam, mas outras coisas, como modo de pensar, valores, crenças e religião", diz Aurélia.

 

Eu posso tudo!

Essa ideia da criança de que pode ser tudo que quiser e tem direito a ter opiniões próprias pode ser legal para várias coisas, mas nesse caso temos que mostrar que há, sim, uma coisa que não pode: desfazer dos outros indivíduos, seja pela cor da pele ou qualquer outra questão. "Vejo muitas crianças no consultório com essa mentalidade de 'tenho direito de ter minhas preferências'. Ok, mas muita calma nessa hora", conclui a psicóloga Andrea.

 

Mas e quando é meu filho que sofre o preconceito?

É importante que a criança comunique a alguém de sua confiança e que este valide esse sofrimento (pois dói e muito!), crie um ambiente acolhedor para sentir a tristeza e, no momento adequado, dê espaço a ações que visem lidar com o ocorrido, de maneira que seu impacto não seja minimizado. Dependendo de como ou onde foi, vale criar diálogos e chamar os envolvidos, pensando inclusive em ações que eduquem a todos.

Além disso, é preciso nomear, falar que foi racismo. "Muitos problemas emocionais tornam-se maiores do que aquilo que os originou, justamente por falta de nomeação. No consultório, atendo adultos que em sua idade madura ainda não conseguem nomear o que sofrem com o racismo. Haja vista que o racismo é estrutural e estruturante de subjetividades, é importante dizer que é racismo, ao passo que haja espaço para o choro, a dor, a escuta e o acolhimento dessa ferida", diz a psicóloga e ativista do movimento negro Samanta Fonseca.

Converse sempre com seu filho, mesmo que seja difícil. Ele precisa sentir que tem em você o apoio e a escuta que precisa. O racismo é uma sombra antiga, completamente infiltrado na sociedade e que precisa ser falado abertamente para ser combatido. "Homens e mulheres negros sofrem desde a barriga a partir de um racismo institucional que nega anestesias às parturientes negras por acreditar que são 'mais fortes' do que mulheres brancas. E quando envelhecem ainda carregam feridas abertas. Acredito que seja importante nomear, informar, pensar estratégias desde crianças, para que as gerações futuras tenham novas perspectivas de crescerem sem serem julgadas pelo tom de sua pele, mas pelo valor de seu caráter", conclui Samanta.

 

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