Ana Carol Thomé: inspiração para pensar natureza e crianças na escola

21/09/2020
Esse tem sido um momento muito oportuno para refletir sobre a natureza, não é  mesmo? Estamos atravessando uma crise sanitária, que pode estar de alguma forma vinculada ao avanço dos homens sobre o mundo selvagem.

Muitas formas de levar a natureza para a sala de aula, ainda que virtual. Imagem: O caracol e a baleia, de Julia Donaldson (texto) e Axel Scheffler (ilustrações)

Vivemos uma preocupante emergência climática; as notícias vindas da Amazônia e do Pantanal, importantes biomas brasileiros, são alarmantes; a quantidade de plástico nos oceanos deve ser maior do que a de peixes em 2050 e estamos todos em casa, impossibilitados de ter um contato mais próximo e frequente com o meio natural.

Natureza e infância

Já sabemos que, para as crianças, estar em natureza é fundamental. Por diversas razões, entre elas o fato de que a natureza oferece uma diversidade de espaços, texturas, desafios, convites para os pequenos explorarem física e intelectualmente. Se pensarmos, por exemplo, nos cinco campos de experiência da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), em todas elas estar na natureza pode ser enriquecedor. Contato com o meio natural para descobrir a si e ao outro, para explorar texturas e sons, para desenvolver noções de espaço, distância ou medida -- e mesmo para imaginar, explorar, brincar: bacana, néé "Nós nascemos natureza, mas parece que vamos nos esquecendo disso ao longo do tempo. Nossa essência é natureza. Conforme crescemos, recebemos uma carga de cultura que muitas vezes nos distancia dessa essência", nos conta Ana Carol Thomé, educadora, pesquisadora e criadora do Ser Criança é Natural. Para abordar esse tema, especialmente neste momento que estamos vivendo, trouxemos para cá:
  • Os principais trechos de uma conversa que tivemos com Ana Carol em 2018
  • Uma dica de experiência para fazer à distância com as crianças
  • Três livros para trabalhar à distância com os alunos

"Tudo o que fazemos em sala, podemos fazer fora"

  Conversamos com a educadora Ana Carol Thomé*, em 2018, numa entrevista exclusiva para o Blog da Brinque sobre esse tema. Aqui você lê a íntegra. Abaixo, trouxemos os trechos principais: [caption id="attachment_3918" align="aligncenter" width="3696"] "Nascemos natureza", diz Ana Carol Thomé, coordenadora do Ser Criança é Natural. Foto: Divulgação / Renata Stort[/caption] Blog da Brinque: Você pode, por favor, contar um pouco sobre sua experiência nas escolas da florestaa O que você trouxe de mais significativo dessa vivência e como isso transformou sua relação com a infância e com a naturezaa Ana Carol Thomé: Essa realmente foi uma experiência muito importante para mim. Trabalhei em duas escolas que funcionam em florestas. Elas não tem prédio, carteiras, paredes e tudo acontece na floresta. Antes de ir eu já acreditava que era possível a vida na escola ser mais intensa do lado de fora e em contato com a natureza. Lá eu descobri que tudo que fazemos dentro da sala de aula é possível fazer do lado de fora. Uma das lições que mais guardo comigo é que, aqui, nós criamos um mundo dentro da escola para que crianças aprendam e se desenvolvem. Nas escolas da floresta, elas realmente estão no mundo e aprendem e se desenvolvem de maneira única e plena! [caption id="attachment_3919" align="aligncenter" width="4288"] A natureza tem de ser um desafio, um estímulo, um prazer - jamais um obstáculo, defende Ana Carol. Foto: Fabi Lopes / Divulgação[/caption] BB: Por que é importante que a criança -e o adulto- tenham contato com a naturezaa E de que tipo de contato estamos falandoo Ana Carol: Definir o tipo de contato é muito importante. Não adianta estar em uma praça, mas com o olho no celular ou no tablet. Estamos falando de um contato direto e sensível. ---"

Possibilitar que a criança cresça em contato com a natureza, brincando com a natureza, é apenas deixar que ela se desenvolva em nosso habitat natural

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É estar no espaço natural sentindo e vivendo o agora. É estar presente! Isso vale muito para adultos. As crianças nascem natureza e vão recebendo nossa carga de humanidade com o passar do tempo. Possibilitar que a criança cresça em contato com a natureza, brincando com a natureza, é apenas deixar que ela se desenvolva em nosso habitat natural. Crianças que crescem em contato com a natureza são mais saudáveis, criativas, sensíveis, conseguem administrar os riscos em sua ações, resolvem problemas e têm alta capacidade de planejamento e estratégia. As crianças precisam estar do lado de fora, em contato com a natureza, com tempo livre para brincar. Se os adultos as acompanharem e se permitirem aprender com elas, com certeza vão ter percepções que há muito não sentiam. BB: Nos parece que, cada vez mais, as crianças estão desconectadas de si, de seus corpos, do potencial de suas mentes, da imensa criatividade de que são dotadas, dos movimentos, das brincadeiras. A sociedade tem respondido a isso medicando essas crianças e "patologizando" a resposta das crianças a um meio hostil à nossa natureza humana. Você acha que o contato com a natureza, o sujar-se de lama, explorar texturas naturais, brincar com água, o ócio ao ar livre são meios de resgatar a percepção do agora, da vida, do lúdico e até da concentração da mente infantilt Ana Carol: Eu não acho, eu tenho certeza, justamente porque tenho visto e vivido isso há alguns anos. A medicalização das crianças é uma maneira que a sociedade encontrou de colocar as crianças em uma forma de comportamentos. ---"

Manoel de Barros disse: "que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós

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Estar em contato com a natureza, com tempo livre para brincar, permite que a criança seja quem ela é e viva sua essência. Nós conseguimos citar algumas ações que acontecem na natureza, como vocês citaram acima, mas há um encantamento e uma relação mais profunda que acontece quando criança e natureza estão juntas. E isso não é possível de descrever com ações. Manoel de Barros disse: "que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós." É esse encantamento que tem que ser primordial. BB: Você pode dar algumas dicas para professores que nos leem sobre o que podem fazer com as crianças para apoiá-las em sua necessidade de estar mais na naturezau Como a natureza pode ir para a sala de aula Ana Carol: A primeira dica é: conheça o espaço da sua escola e descubra a área verde que existe nela. Ela é acessível às criançasa Já trabalhei em escolas em que tive de viver um processo de apropriação do espaço verde junto com as crianças. O que no início era "largado", depois se tornou a floresta das crianças. Outra dica é: repense sua rotina e perceba o que você pode fazer fora da sala. Eu sei que tudo é possível, mas muitas vezes essas mudanças precisam acontecer aos poucos. Consegue contar uma história, propor uma pintura, um desenho, uma conversav Mas a dica mais importante é sempre tenha mais motivos que desculpas para sair. Que o vento, a chuva, a areia, a terra, as folhas no chão sejam possibilidades e não impedimento para viver. BB: De onde veio a inspiração para o Ser Criança é Naturall Ana Carol: Em 2011, eu estava em busca de um tema para pesquisa acadêmica. Eu, então professora de educação infantil, comecei a perceber muitas mães me pedindo para as crianças não tomarem vento, não andarem descalças, não brincarem com água, sob o pressuposto de ficarem doentes. Passei a questionar será que eles estão doentes por que tomam vento ou por que não tomamt Por que andam descalços ou por que não andama Por que brincam com água ou por que não brincami Retomei memórias de infância e lembrei de momentos de encanto ao pular em poças d'água, fazer comidinha com terra, plantas e água, fazer castelos de areia, fazer expedições científicas no jardim da minha avó, rolar em barrancos e descê-los sobre caixas de papelão. Fiz tudo isso mesmo sendo criança de apartamento. A inspiração estava na infância que eu observava e na minha infância. Escrevi meu trabalho sobre a relação entre criança e natureza e ao terminar decidi que era preciso ir muito além da pesquisa. Era preciso mostrar que a relação entre criança e natureza é possível, era preciso fazer acontecer. Começamos com os encontros Ser Criança é Natural, para famílias brincarem com a natureza. Desde 2016 temos os encontros Ser Bebê é Natural, para crianças até 24 meses e suas famílias brincarem com a natureza. E desde 2017 temos as Caixas da Natureza, uma brincadeira para famílias e grupos de crianças brincarem com a natureza onde estiverem todos juntos e, compartilharem suas descoberta e experiências. Simultaneamente temos feito formação de professores, assessorias em escolas, rodas de conversas com pais, curso virtual para pais e educadores, e estamos iniciando um grupo de estudos e vivências sobre educação, infância e natureza. ---

Quem é Ana Carol Thomé:

Educadora, foi professora de Educação Infantil e é criadora do Ser Criança é Natural. Ela coordena esses encontros desde 2013. Dois anos depois, embarcou para a Inglaterra, onde trabalhou nas escolas da floresta - experiências educativas que literalmente acontecem na natureza, sem sala de aula. Pedagoga, educadora há 15 anos, especialista em psicomotricidade e em educação lúdica, pesquisadora da Cultura Popular e estudiosa da abordagem Pikler, está se certificando no nível 1 do Forest School Approach (abordagem inspirada nas escolas da floresta). Dá consultorias em escolas e cursos para formação de professores interessados em ampliar os espaços de ação, de brincadeira e de contato das crianças com a natureza. ---

Experiência à distância: plantando batatas

Se você tem dado uma olhada atenta pelas redes sociais, já percebeu que, nessa quarentena, tem muita gente literalmente plantando batatas ;-) Sim, na água, em casa mesmo. O sucesso dessa brincadeira / experiência é simples: plantar as batatas em casa se tornou um jeito interessante, fácil e barato de trazer a natureza -- e o movimento -- para dentro de casa nesses tempos de isolamento social. Que tal propor esse tipo de experiência com as crianças do seu grupos Cada uma pode plantar, observar a batata e compartilhar observações com a turma toda. Trouxemos um vídeo feito pela Ana Carol Thomé que dá um belo passo a passo. Mas, antes, algumas dicas:

1) Torne uma aventura

É uma emoção para os que pequenos acompanhar o nascimento de uma batata ;-) Incentive essa relação, antecipe o que vai acontecer  e ajude as crianças a se manterem interessadas no processo, não apenas na batatinha quando estiver brotada e cheia de folhas.

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2) Valorize o tipo de registro que fizerem

Há quem queira escrever sobre a planta. Outras crianças talvez preferiram desenhar o processo. E deve haver quem queira mesmo é fotografar. Aceite e valorize os tipos de registro propostos pelos seus alunos! Essa diversidade também é positiva.

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3) Abra espaço para as hipóteses

Que tal ouvir e valorizar os conhecimentos prévios e hipóteses das crianças sobre o que está acontecendo com a batatinha plantada na águaa Antes de explicar, contar, detalhar o processo de nascimento da planta a partir da "raiz" -- a batata em si --, vale ouvir as crianças e abrir espaço para que teorizem suas hipóteses provisórias.

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Lá vem o vídeo!

Abaixo, o vídeo com um tim tim por tim tim de como se planta uma batata! https://youtu.be/vRrrv-osxJk  

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E vocêc Conte para a gente como tem levado natureza para a vida das crianças nas aulas on-line.  
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