Saci ou Halloween? Dicas e livros para trabalhar cultura popular na escola

27/10/2020
Em 31 de outubro, você sabe, a gente comemora o Dia do Saci, uma das personagens mais importantes do nosso folclore. Também é data do Halloween, a festa de origem irlandesa popularizada mundo afora pelos EUA, aquela em que, vestidas de monstros, as crianças saem por aí trocando "travessuras" por "gostosuras".

Conhece esse personagem? É do nosso folclore, tão rico e diverso. Imagem: Quem matou o Saci, de Alexandre de Castro Gomes (texto) e Cris Alhadeff (imagem)

Qual das duas você comemora aí na sua escola?

Saci e Halloween têm coisas em comum?

O mais bacana é que a gente não precisa escolher entre elas! Dá pra curtir as duas! Apesar de serem histórias, regiões de origem e rituais  bem diferentes entre si, tanto o Saci quanto a festa do Halloween têm alguns pontos em comum. Ambas surgem da cultura popular de seus povos originais, da experiência da vida rural bem prática e trazem um tanto de místico e mítico, de ritualização e de enfrentamento daquilo que assusta. Como boa parte dos folclores ao redor do mundo! Foram também se misturando a outras culturas, se transformando e chegaram ao século XXI! A cultura é viva ;-)

Nosso Saci

A origem do Saci é, muito provavelmente, uma lenda indígena do sul do Brasil, da época do Brasil Colônia, entre o final do século XVIII e o começo do XIX. O nome "saci" é guarani e corresponde a um pássaro. Interessante dizer que Saci não é um único indivíduo, mas o nome de um grupo: há vários sacis floresta adentro. Sua lenda espalhou-se pelo Brasil, juntou influência indígena, portuguesa e africana e chegou até a América do Sul, onde há a figura do Yaci-Yateré. Saci é perito em chás, ervas, infusões e cura pelas plantas. Por isso, é tido como guardião das florestas. Nasce do broto de um bambu, onde vive por sete anos. Depois, fora dos brotos, vive por mais 77. Domina a floresta, conhece seus meandros e defende os seres que nela habitam. Essa característica faz dele parecido com outros seres fantásticos da mitologia popular, como a caipora (do centro-oeste) e o matintaperera (do norte). Da cultura popular, ele já foi pra erudita faz tempo: tem espaço na literatura desde Monteiro Lobato e foi celebrado até em música clássica. O post que deixamos aqui abaixo conta mais sobre isso: https://blog.brinquebook.com.br/brincar/folclore-e-cultura-cinco-curiosidades-e-um-livro-premiado-sobre-o-saci/

O Halloween deles

Já no caso do Halloween, sua provável origem é numa festa de Ano Novo celta, olha que legal. O Samhain era a celebração  irlandesa e escocesa para a chegada do inverno, que marcava a virada do ano também. Samhain quer dizer "fim do verão" em sua língua original. O festival começava em 31 de outubro e também celebrava a colheita, momento em que os celtas queimavam grãos em uma grande fogueira. Para esses povos, essa era uma época em que o "outro mundo" se dava a ver -- pelas névoas -- ao mundo dos vivos. Isso varia de acordo com o local e é um ponto de dúvida: no País de Gales a festa era um pouco diferente da que acontecia, seguindo os pesquisadores, na Irlanda e na Escócia. Nos dois países, acreditavam que os espíritos passavam pela Terra nesse momento para alcançar sua morada definitiva e, nesse momento, maus espíritos também ficavam vagando. Por isso, as pessoas se fantasiavam: não queriam ser reconhecidas para ficar a salvo. A tradição do Samhain, que tem perto de 3 mil anos (!), também era comemorada na região que hoje é Portugal, vejam só, mais um ponto que a aproxima com a nossa cultura. No começo da Idade Média, o Papa Gregório III trocou a data da festa cristã de Todos os Santos -- celebrada em maio -- para 31 de outubro, data do Samhain. O sucessor dele foi além e tornou obrigatória a celebração cristã, misturando a tradição original com a católica, numa tentativa de "cristianizar" os celtas, povo com outras crenças religiosas. Foi por causa disso, aliás, que o Samhain virou Halloween no nome: em inglês, a comemoração cristã ficou chamada, no fim da Idade Média, de All Hallows Eve, sendo all = todos; hallows = santos e eve = véspera. A comemoração chegou nos EUA -- e dele pro resto do mundo -- com a imigração em massa dos irlandeses para a América. Essa comemoração, que era inicialmente de um grupo étnico, isto é, os irlandeses expatriados nos EUA, se tornou mais popular no começo do século XX.

A potência do folclore e das festas populares

Essas duas histórias -- a da lenda do Saci e a origem do Halloween mostram, pelo menos, três coisas que podem render ótimas conversas aí na sua sala de aula: 1) A força das histórias orais, ligadas às origens dos povos, ao trabalho na terra. Repare no quanto elas são capazes de resistir ao tempo e sobreviver 2) Que há semelhanças nesta oposição aparente entre "as nossas festas" e "as festas deles", que estamos importando. Não precisamos ficar presos a esse "nós" x "eles", tampouco precisamos trabalhar esse tema de forma rasa, apenas fantasiando as crianças... 3) Boa parte das manifestações folclóricas ou de origem popular tratam de temas que ainda são muito importantes, como o medo, a necessidade de explicar fenômenos ou dar sentido às nossas experiências e nos conectar com "algo maior", transcender. O medo, tão presente na nossa vida e na das crianças, é trabalhado pela brincadeira, pelo riso, pelas fantasias, pela manipulação do fogo (a fogueira, nesse caso) e pela criação e repetida narração dessas histórias mais assustadoras ou com personagens fantásticos. https://blog.brinquebook.com.br/sala-de-leitura/bruxa-bruxa-venha-a-minha-festa-o-medo-pode-ser-divertido/

Conhecimento popular

Lembrando que folclore (ou "conhecimento popular") é o conjunto de tradições, festas, danças, lendas e crenças originárias -- de tradição oral -- de um povo ou grupo. Esse é um tema imenso, ném, porque há centenas de "folclores" possíveis por aí. Cada país, cada grupo étnico originário, cada região tem o seu. E se olharmos bem, ainda estamos produzindo cultura todos os dias. O que é uma lenda urbana -- a loira do banheiro, por exemplo -- se não uma lenda dos dias de hoje (ou do século XX), similar a outras um pouco mais antigas que conhecemos Como passamos a viver majoritariamente nas cidades, longe das manifestações da natureza, e como hoje temos a Ciência explicando fenômenos que antes desconhecíamos, não faz mais sentido acender fogueiras para celebrar colheitas. Mas criamos -- às vezes sem notar -- outras festas e rituais e mesmo histórias fantásticas para celebrar, unir, compartilhar, explicar, elaborar.

As cem linguagens

O folclore diz muito de nós e merece nosso maior respeito. Fala daquilo que é importante: a comunidade, a arte, as histórias, o ritual, festejar: tudo aquilo que nos ajuda a dar sentido à nossa experiência humana. Por isso, o folclore é tão potente na infância, no momento em que estruturamos nossa subjetividade e, ao mesmo tempo, estamos aprendendo e atribuindo sentidos. E repare que bacana: a cultura popular, assim como a infância descrita por mestres como Loris Malaguzzi (de Reggio Emilia) ou Picasso, é artística, múltipla em linguagens e formas de expressão. O folclore é literatura, é desenho, é oralidade, é música, é dança... Demais, né. Você pode levar tudo isso para dentro da sala, pesquisar com as crianças, dançar com elas. Que músicas você cantava na infânciaa Que lendas conhecee E elasn

3 dicas de atividades para explorar

Trouxemos para cá três ideias para você falar de folclore e cultura popular com os pequenos a partir das datas comemorativas do dia 31 de outubro.

1) Conte as histórias

Que tal começar pelo começor Além do que já relatamos por aqui sobre o Saci e o Halloween, que tal pesquisar um pouco mais e contar para as crianças as origens das duas datas comemorativas e de seus personagenss Vale trazer livros para ler com elas, compartilhar histórias suas de infância que esbarrem nesse tema, rememorar como o Saci e mesmo o Halloween -- ou manifestações similares -- estiveram presentes na sua vida. E a festa junina O que será que tem em comum com Halloween> Já pensou que essas festas, com sua fogueira e celebração da comida, também acontecem por aqui no começo do invernom ;-)

///

2) Traga música e dança

Selecione músicas folclóricas, aquelas cantigas de infância, as brincadeiras tradicionais -- aquelas que envolvem corpo, ritmo, movimento e diversão. Traga tudo isso para sua turma! Para você começar, separamos duas playlists do Spotify: uma com as brincadeiras coletadas pela mestra Lydia Hortélio, outra com canções tradicionais interpretadas pelo grupo Palavra Cantada. É só dar o play aqui embaixo: https://open.spotify.com/album/2rxfFaGhaXC2OpTp3zJL4kGsi=QwHPe0sYQ3Gu1owsoD5gdw https://open.spotify.com/album/0tbzWkKlAoptqnKvDYvnmxKsi=xHVL1vB5SI-u5Su_aRR6fA

///

3) Ouça as histórias

Pergunte para as crianças o que elas sabem sobre o Saci. O que já ouviram contar delei E sobre o Halloweenm Elas comemoram? Como brincama Pergunte a elas de que outras festas participam ou quais histórias curiosas as famílias contam. Que livros já leram que podem ser parecidos com esses temas Abra a conversa, a partir das experiências que você acha que a turma pode ter para narrar...

///

Para ampliar suas referências

O folclore nacional é imenso e foi documentado por muitos autores e pesquisadores. Para nós, que mediamos esse tema com as crianças, é super importante um repertório vasto. Que tarefa mais linda saber mais das histórias do nosso povo, néo :-) Quer começar- Olha só essas dicas de 3 livros essenciais sobre o tema:

1) Dicionário do folclore brasileiro

Luís da Câmara Cascudo Global Editora Obra sem similar na língua portuguesa, esta obra referência reúne milhares de verbetes sobre as superstições, crendices, mitos, danças, lendas, práticas mágicas adotadas e vividas pelo povo brasileiro em seu cotidiano. Indispensável para estudiosos, escolas, bibliotecas, leitores e professores. Câmara Cascudo foi professor, etnólogo, historiador e jornalista. Além desse, escreveu diversos outros livros sobre o tema, assim como obras de referência sobre a alimentação e os hábitos do povo brasileiro.

///

2) O que é folcloreO

Carlos Rodrigues Brandão Editora Brasiliense O que estuda e a que se liga o folclore Maneiras curiosas e pitorescas de o povo ser, criar, cantar e dançar Ou o próprio significado da cultura, através do trabalho criativo dos muitos tipos de povos de cada era da história, de cada sociedadee Quais as diferenças entre o folclórico e o popularr O que uma cultura diz através do folclorea A função do pesquisador do fato folclórico é justamente buscar compreender o próprio sentido dos significados da cultura. Do homem e seu mundo, portanto.

///

3) Folclore em questão

Florestan Fernandes WMF Martins Fontes Essa obra preocupa-se em mostrar que o folclore pode ser estudado e deve ser analisado de forma crítica. O livro está dividido em três partes. A primeira discute o folclore nas ciências sociais, seu campo e objetivos, enfim as questões necessárias a uma primeira tomada de pé no assunto. A segunda contém o clássico 'Os estudos folclóricos em São Paulo', um estudo sobre Amadeu Amaral e outro sobre Mário de Andrade. A terceira parte é uma coletânea de pequenos trabalhos. A reflexão crítica aqui apresentada constitui uma forma de enriquecer os debates sobre a cultura brasileira, além de permitir às novas gerações acesso aos trabalhos deste importante sociólogo paulista.

///

3 livros para ler com as crianças

Ah, sua ideia é sentar com os pequenos e ler com eless Ótimo! Selecionamos algumas obras bem bacanas para essa ocasião. Dá uma olhada na nossa lista de livros para curtir o Saci, o Halloween, as bruxas...

1) Bruxa, bruxa, venha à minha festa

Autor: Arden Druce Ilustradora: Pat Ludlow Tradutora: Gilda de Aquino Temas: Leitor personagem / História cumulativa ou repetitiva / Bruxas / Seres fantásticos / Brincadeiras / Dia das Bruxas / Halloween (31 de Outubro) Faixa Etária: A partir de 2 anos Uma garota pede que toda sorte de seres assustadores compareça à sua festa. E lá vão: bruxa, gato, espantalho, coruja, árvore, duende, dragão, pirata, tubarão, cobra, unicórnio, fantasma, babuíno, lobo e, epa!, Chapeuzinho Vermelhoe Todo rimado, esse livro é um conto de repetição, que as crianças adoram! E as ilustras super realistas garantem -- junto com o finalzinho -- que a obra acabe se tornando um espaço seguro para elaborar medos. Já conhece a históriac Aqui embaixo você pode conhecer (ou rever) um dos livros mais amados da Brinque-Book. https://youtu.be/Eh1h6azqmIw

///

2) Carona na vassoura

Autora: Julia Donaldson Ilustrador: Axel Scheffler Tradutora: Gilda de Aquino Temas: Poesia / Rima / Animais / Bruxas / Dia das Bruxas / Halloween (31 de Outubro) / Amizade / Solidariedade Faixa Etária: A partir de 3 anos Uma bruxa com o coração grande demais para sua vassoura. Uma aventura em que a amizade é a mais poderosa bruxaria. Dos premiados Julia Donaldson (texto) e Axel Scheffler, essa divertida obra virou filme indicado ao Oscar, olha só! Delicioso conto de acumulação, oferece rimas e ainda risadas certeiras!

///

3) Quem matou o Saci

Autor: Alexandre de Castro Gomes Ilustradora: Cris Alhadeff Temas: Folclore / Suspense / Humor / Dia do Folclore (22 de Agosto) Faixa Etária: A partir de 8 anos A detetive Billy Conrado e o detetive Joaquim de Jeremias colhem pistas e não poupam esforços para solucionar o misterioso assassinato de um conhecidíssimo personagem do folclore brasileiro. Quem teria motivos para matar o Saci Perereirar Muitos personagens são suspeitos, mas quem seria o verdadeiro culpadov De forma bem-humorada e original, Alexandre de Castro Gomes cria uma história de detetive instigante ao mesmo tempo em que faz um surpreendente passeio pelo folclore brasileiro. Ganhador do selo Seleção Cátedra 10 em qualidade infantojuvenil.

///

      E vocêr Nos conte depois como leva esses temas para os pequenos.    
Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog