Faixa etária e autonomia leitora: tem idade certa para cada tipo de livro?

11/12/2020
Que critérios você usa para escolher quais obras vai apresentar para os seus filhos? Idade? Gênero? Gosto dos pequenos? Será que livro tem idade? Será que bebês podem “ler”, por exemplo, poesia? Conversamos com especialistas sobre esse tema -- que é complexo -- e uma das conclusões é que livro não tem idade!

Livro -- e leitor -- não tem idade! Imagem: A princesa e o gigante, de Caryl Hart (texto) e Sarah Warburton (ilustrações)

A escolha da obra aí na sua casa não precisa ser vinculada a uma faixa etária específica. O mais importante na hora de oferecer um livro para seu filho ou sua filha é o gosto pessoal dele ou dela! ;-)

Livro sem idade

Renata Nakano, especialista em literatura para crianças e jovens, uma das fundadoras e diretora geral do Quindim, clube de leitura especializado em infantojuvenis, explica que "nosso mundo categoriza a criança por faixa etária e ciclos de ensino". Isso acontece até para facilitar a escolha coletiva de obras, como numa escola, por exemplo. E também porque ainda vinculamos muito a leitura da criança à sua alfabetização, como se o livro tivesse função educativa -- e apenas ou principalmente a de alfabetizar.

Muitas infâncias

Pensar a faixa etária como uma orientação de escolha não é um problema em si, mas pode não dar conta da complexidade e das potencialidades do leitor. "A referência de faixa etária pode ser pouco conclusiva se pensamos que não existe uma única infância nem faixas etárias estanques. existem muitas (infinitas) experiências de infância, e cada uma delas traz uma relação diferente com a leitura", explica a editora da Companhia das Letrinhas, Mell Brites. "Portanto", diz ela, "uma criança de, por exemplo, 5 anos de idade, pode estar começando a conhecer as letras ou pode estar já totalmente alfabetizada, e são muitos os fatores que contribuem para um ou outro caso". Mell complementa: "pensando nisso, o conceito de autonomia leitora, quando se trata da relação de uma criança com um texto, parece dar mais conta dessa diversidade de experiências que não estão necessariamente contempladas pela "medida" de faixa etária".

Leitura compartilhada

"Como sempre enfatizamos no Clube Quindim, ler é mais do que decodificar o alfabeto, é decodificar o mundo", diz Renata. Mas quando falamos em livro e literatura como formas de contato com essa arte, de fruição, de diversão e bons momentos em família, esse critério de livro por gênero ou idade pode não fazer lá muito sentido. "E, nesse sentido, a leitura compartilhada ganha um protagonismo importantíssimo na formação leitora que extrapola a leitura solitária, em especial na primeira infância", completa ela. Ou seja, se vamos ler juntos com os pequenos, mesmo um leitor não alfabetizado pode ser um grande leitor!

3 dicas para escolher

Se a faixa etária não for o critério principal, como saber se a obra vai agradar, se vai ser adequada para a criança?

1) Conheça bem a criança

"O melhor critério é conhecer a fundo a criança, suas competências linguísticas, experiência de mundo, vivências e interesses atuais. Generalizar a criança por gênero ou faixa etária é como generalizar o adulto: existe livro perfeito para um adulto de 38 anos,do gênero masculino? Colocada assim, compreendemos como essa pergunta é absurda", explica Renata.

2) Leia e experimente com ela

Sabendo os gostos e possibilidades leitoras do pequeno e da pequena, fica mais fácil de você escolher. Leia antes a obra e avalie: a obra emociona você? Vai gostar de ler e compartilhar com a criança? Experimente com a criança. Se você gostou de um livro, mas não sabe se vai agradar, apresente, mostre, leia e releia junto. Não tem problema se o leitor não gostar agora. Os livros têm a estranha capacidade de irem mudando junto com seus leitores: uma obra que hoje não fez muito sucesso, amanhã pode virar a preferida.

3) Não subestime a capacidade leitora

Bebês são ótimos leitores de poesia, pois amam ritmo! A criança pode até não entender todas as palavras que lemos para elas, mas gostam do momento de ler junto e se divertem com a sonoridade da leitura. Não troque as palavras por outras mais "fáceis", não compre só livros "fáceis" de ler. Livro é também obra de arte, complexo, que traz camadas de compreensão, tanto no texto quando nas imagens. Acredite no potencial do seu leitor! Tenha em mente algumas peculiaridades do desenvolvimento da faixa etária para se guiar, mas não se limite a isso. Pense mais em termos de autonomia leitora que faixa etária.

Autonomia leitora?

Conversamos por e-mail com Renata Nakano e trouxemos, aqui embaixo, os principais trechos dessa conversa, em que ela fala sobre autonomia leitora e a leitura para além da alfabetização: Blog da Brinque: Em geral, na hora de escolher uma obra para as crianças, a gente ainda pensa muito em termos de idade e gênero do leitor. Esses são bons critérios para selecionar as obras para os pequenos? Renata Nakano: O melhor critério é conhecer a fundo a criança, suas competências linguísticas, experiência de mundo, vivências e interesses atuais. Generalizar a criança por gênero ou faixa etária é como generalizar o adulto: existe livro perfeito para um adulto de 38 anos,do gênero masculino? Colocada assim, compreendemos como essa pergunta é absurda. Porém, conhecer a criança a fundo para uma seleção específica para ela nem sempre é possível, em especial quando se fala em seleção para um grupo de crianças, como em uma sala de aula ou um clube de leitura. Além disso, nosso mundo categoriza a criança por faixa etária e ciclos de ensino. Assim, quando uma família chega à livraria, por exemplo, a primeira informação que passam é: preciso de um livro para uma “menina de 5 anos”. O que há por trás dessa pergunta é a associação exclusiva da leitura com a alfabetização e com repertório linguístico. Porém, como sempre enfatizamos no Clube Quindim, ler é mais do que decodificar o alfabeto, é decodificar o mundo. E nesse sentido a leitura compartilhada ganha um protagonismo importantíssimo na formação leitora que extrapola a leitura solitária, em especial na primeira infância. BB: Como perceber a autonomia leitora do meu filho, do meu aluno? O que observar? Renata: O conjunto é bastante amplo, mas podemos resumir alguns pontos importantes: vocabulário, fluência na leitura de textos e imagens com estruturas mais ou menos complexas, repertório de mundo – que se relaciona a compreensão de figuras de linguagens e a capacidade de abstrações de maneira geral. BB: Como classificar a autonomia leitora? Leitor iniciante? Fluente? Quais são essas faixas e qual é o nível de autonomia leitora esperado em cada uma delas? Renata: A ideia de desmembrar competência leitora de faixa etária é justamente não fechar associando uma à outra. Porém, isso acaba acontecendo na prática, até porque, como falamos, nosso mundo está dividido em faixas etárias e ciclos de ensino. Mesmo a obra que foi a maior responsável por disseminar o conceito de competência leitora, a Literatura infantil: teoria, análise, didática, de Nelly Novaes Coelho, acabou associando as idades às competências leitoras em suas últimas edições (nas primeiras edições, ela deixava em aberto). No Clube Quindim, para nos aproximar dos pais e público geral, optamos por manter uma divisão de desenvolvimento leitor por idade, uma vez que as categorias de leitor se tornam nebulosas para aqueles não familiarizados com o universo da leitura, a quem desejamos nos aproximar. Por isso, desmembramos da seguinte maneira: 0-2 anos (pré-leitor) - leitura compartilhada com um adulto. 3-5 anos (leitor iniciante) - leitura compartilhada com um adulto e início de autonomia leitora. 6-8 anos (leitor em processo) - livros para quem tem já começa a decodificar o alfabeto de maneira autônoma, desenvolvendo uma fluência linguística inicial e um vocabulário mais recorrente. A partir de 9 anos (leitor fluente e leitor crítico) - livros para quem tem autonomia leitora, com fôlego para textos mais densos e longos. BB: Mas um bebê leitor pode ouvir um livro de aventura, um de poesia?  Renata: Claro! Ele pode não compreender o significado das palavras num primeiro momento, mas estará aprendendo os tons, ritmos, o movimento facial de quem está lendo para ele, o olhar, o movimento da cabeça. E aos poucos vai construindo repertório e significados. Ele também começa a construir o valor simbólico do livro, assim como o faz com a chupeta, o boneco de pelúcia, o paninho. Em pouco tempo, o bebê começa a criar conexões entre ficção e realidade, realiza o simulacro e a catarse, brinca de se tornar os mais diferentes personagens, vivencia essas experiências.

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E você? Como tem escolhido as obras por aí?
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