Propósito de vida e persistência: realizar sonhos e conhecer a si mesmo

14/08/2023

Qual é o seu propósito de vida? Ou quais, já que dá para ter mais de um? Você pode ainda ter um grande propósito, formado por vários propósitos menores - como cada degrau de uma longa escada. Estabelecer um objetivo e traçar o caminho para alcançá-lo é uma ótima maneira de tirar nossos desejos e ideais do papel. Mesmo que ele possa parecer distante, ter um propósito e persistir nele é importante para fomentar sonhos e ajudar a nos tornar quem somos, sendo condição fundamental para a construção de nossa subjetividade e identidade - e isso começa desde a infância.

Ajudar as crianças a persistir em seus desejos e a ter objetivos maiores, mesmo que tenham de enfrentar a frustração de não conseguir rapidamente, é benéfico para o desenvolvimento cognitivo e o processo de conhecerem a si mesmas - e há muitas maneiras de auxiliá-las nesse aprendizado de vida, inclusive com a literatura.

 

A menina que ouvia que não conseguiria mudar o mundo mas que decidiu ouvir a si mesma em Talvez você consiga

A protagonista desta história ouviu que não conseguiria mudar o mundo, mas decidiu ouvir a si mesma em Talvez você consiga

 

Todo propósito começa com uma vontade, uma aspiração. E mesmo que o primeiro passo seja pequeno, como uma semente, a exemplo do livro Talvez você consiga, de Imogen Foxell e Anna Cunha (Pequena Zahar), o importante é exercitar a persistência e acreditar em si mesmo. Quando parecia impossível mudar o mundo, a protagonista, que é "apenas" uma menina, acreditou na voz interior que soprava em seu ouvido: "talvez você consiga". E conseguiu. Foi com paciência e cuidado que a menina foi driblando a aridez e a tempestade, fazendo o desejo crescer e se tornar realidade. 

É verdade que nem sempre nossos ideais se concretizam. Pelo menos não na primeira tentativa. Que o diga a turma do Clube do Pepezinho, de Dav Pilkey . No terceiro volume da série, Nanda, Melvin e seus irmãos tentam descobrir um propósito e têm algumas ideias.... No entanto, nem tudo sai como planejado e eles precisam lidar com uma palavra difícil de ouvir quando temos expectativas construídas: “não”

Mas não é apenas o Clube do Pepezinho que busca um “propósito". Essa palavra tem aparecido com cada vez mais frequência,  não apenas nos livros, mas também nas conversas, na escola, nas redes sociais - sem esquecer dos coachs, discursos good vibes e todo tipo de conteúdo motivacional. Colocando de lado o uso indiscriminado de "propósito" - que ignora a existência de tanta gente que não tem direito a condições mínimas que lhes permitam sonhar ou desejar algo -, ter um propósito é importante porque está intimamente ligado à felicidade.

Quando temos um objetivo definido, temos um norte e motivação para seguir em determinada direção - ou como diria o sábio gato de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll: "Se você não saber aonde quer chegar, qualquer caminho serve". Ter um propósito dá sentido à vida. Ajuda a tomar decisões, a persistir e também a se conhecer - e aprender! - no caminho.

Importância do propósito - Capa do livro infantil Talvez você consiga, da Companhia das Letrinhas, que fala sobre persistência

No livro Talvez você consiga, de Imogen Foxell e Anna Cunha, uma menina acredita que pode mudar o mundo

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E não estamos falando apenas de grandes desejos: viajar o mundo, comprar uma casa, ser presidente, construir uma família. Nem de desejos como algo imutável. “Um propósito não é único, nem universal. Precisa ser pensando a partir da perspectiva comportamental, já que é altamente flexível e depende tanto do coletivo, ou seja, do ambiente no qual a pessoa está inserida e que molda seus comportamentos, como das crenças particulares”, explica a psicóloga infantil Luana Neves, da Lumos Cultural (SP). Isso significa que hoje você pode ter um propósito e amanhã ter outro, conforme a vida se desenrola. Saber ajustar os rumos - e repensar se aquilo que deseja ainda faz sentido - também é parte do processo.

Capa do livro Clube do Pepezinho com propósito, de Dav Pilkey

No terceiro volume de Clube do Pepezinho, de Dav Pilkey, Nanda, Melvin e seus irmãos vão descobrir a importância de persistir nos seus objetivos

Segundo a especialista, um propósito pode ser constituído por pequenos propósitos. Assim, fica mais fácil dar um passo de cada vez e ter mais motivação. Ao cumprir pequenos objetivos, vamos nos sentindo realizados e capazes - e isso nos dá força e ânimo para continuar! Esse princípio pode ser aplicado ainda na infância, com o apoio de adultos, como pais e professores. Auxiliar a criança a descobrir seu propósito e comemorar com ela as pequenas conquistas desse caminho pode ajudá-la a desenvolver habilidades como resiliência e persistência. 

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Como ajudar uma criança a descobrir seu propósito de vida - ou criar um? 

Os propósitos (ou os minipropósitos que formam um objetivo maior), em geral, se desenvolvem a partir das habilidades de cada um - e isso vale inclusive para as crianças. Os pais ou professores podem conduzir os pequenos nessas reflexões sobre o que querem alcançar e quais são os possíveis caminhos para chegar lá, apoiando a criança a identificar seus próprios gostos e habilidades. O que ela sabe fazer? Quais são as atividades preferidas dela? O que pode aprender com elas? Quais habilidades ela já tem? Quais ainda precisa desenvolver? 

Ter um propósito também é uma forma de estimular a curiosidade, o planejamento e até o desenvolvimento de habilidades. A pergunta clássica que toda criança escuta, sobre o que vai ser quando crescer, é uma forma de pensar em um propósito. Não apenas como profissão, mas no sentido de realização: “O que você gostaria de mudar no mundo? O que gostaria que fosse diferente? O que você pode fazer para que isso aconteça?”. São perguntas que geram conversas e reflexões e que, aos poucos, podem ajudar na formação de um propósito maior. 

 

Ilustração do livro Talvez você consiga, que fala sobre propósito e persistência

Ilustração do livro Talvez você consiga, que fala sobre propósito e persistência

 

No entanto, é preciso certo cuidado para não forçar a criança a criar um propósito ou acabar moldando as escolhas dela. É mais importante ajudá-la a ouvir a si mesma. “Devemos nos preocupar em não destruir os desejos intrínsecos que as crianças têm, porque o propósito pode ser colocado - por empresas, propagandas, religiões e adultos - em substituição aos desejos próprios”, alerta o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, especialista em psiquiatria infantil pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-FMUSP) e presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina. “Por exemplo, historicamente, as mulheres eram obrigadas a ter filhos para fornecer mão de obra para a guerra dos senhores feudais, dos poderosos; as pessoas eram manipuladas a morrerem na guerra em nome do outro. Eram criados propósitos artificiais”, exemplifica. 

É importante prestar atenção e ajudar a criança a descobrir se ela está fazendo o que deseja ou se busca seguir esse caminho para mostrar ou provar algo aos outros - inclusive para os pais e professores, que costumam ser os adultos de referência. Ajudar os pequenos a descobrirem seus própios propósitos não pode se tornar uma pressão ou uma moeda de troca por afeto. E, muitas vezes, esses limites são tênues.

“O propósito é um substituto de algo maior que se chama self [termo da psicanálise que designa o indivíduo como ele se vê, representado em sua própria consciência], ou seja, a pessoa que tem desejo próprio, que tem os seus próprios planos para a vida. Só que o propósito, muitas vezes, é um desejo emprestado a ela”, alerta. Somos influenciados por muitos fatores: nosso trabalho, os meios de comunicação, nossos relaciomentos. Reconhecer o que é nosso e que vem de fora é importante para estabelecer propósitos que possam nos trazer felicidade legítima - e não nos perdermos com a realização de expectativas alheias.

Segundo o especialista, é muito fácil também confundir o propósito com metas - algo perigoso especialmente em um mundo onde o sucesso é ligado à produtividade. “Uma vez, atendi a uma paciente adulta, que já era muito bem-sucedida na vida, tinha conquistado tudo o que queria e não tinha mais motivação para viver”, conta o psiquiatra. Ela tinha cumprido todas as suas metas - o que não quer dizer que ela tinha um propósito. Era preciso ajudá-la a reconhecer os próprios desejos, e a consolidar uma forma de encontrar motivação além das metas. “O propósito é útil, mas é secundário. A felicidade, o êxito, não é aquilo que se vai alcançar no fim da viagem. É o que está ali, ao longo da viagem”, define. 

 

Frustração e obstáculos fazem parte - e mudar propósito também! 

No Clube do Pepezinho, Nanda tem uma ideia para ficar milionária e comprar uma máquina de sorvete: escrever um livro! Ela envia a obra para uma editora com a certeza de que seu plano vai dar certo... Mas recebe uma negativa e precisa aprender a lidar com isso. Soa como a vida real?

Ter um propósito - ou mesmo estabelecer metas - não é garantia de que o caminho será mais fácil. Lidar com a frustração - e talvez até precisar ajustar a rota ou o destino final - faz parte dos processos de crescimento de todos nós. Estabelecer um propósito, persistir, falhar, corrigir são ações de um ciclo sem fim. “É ter avaliação e jogo de cintura constantes, ainda mais quando se trata de pequenos indivíduos”, diz a psicóloga Luana. “Todo esse processo de descoberta do propósito pode ser gradual e envolver exploração, tentativa e erro", aponta. 

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Também é preciso prestar atenção para que a busca pela realização de um propósito também não passe a atrapalhar, mais do que ajudar. “Deve-se ter todo cuidado para que esses propósitos não se tornem uma busca excessiva e tenham um impacto negativo, fazendo com que outras importantes áreas da vida sejam negligenciadas”, recomenda a psicóloga. “Para isso, precisamos sempre considerar inicialmente como mensurar e avaliar a evolução desses pequenos propósitos escolhidos como metas”, acrescenta. Equilíbrio é a chave. 

 

Procurar um propósito pode ajudar as crianças a entenderem quem elas são, de onde vieram e para onde vão. Mas o importante mesmo é aproveitar a jornada para aprender e se divertir - conhecendo mais sobre si mesmo, sobre o mundo e colecionando erros - que, com sorte, serão sempre novos!

 

Histórias inspiradoras que podem ajudar a refletir com as crianças

Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença, Jeanette Winter (Companhia das Letrinhas)

Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença

Quer propósito mais nobre do que salvar o planeta? Um livro ideal para os pequenos e grandes leitores que querem saber mais sobre a luta de Greta Thunberg para mudar o mundo – e sobre como é importante participar dessa batalha!

Eu medito e me conheço, Sophie Raynal (Companhia das Letras)

Eu medito e me conheço

O melhor modo de conhecer a si mesmo e entender quais são seus propósitos na vida é olhar para dentro - e a meditação pode ser um ótimo caminho para isso. Esse guia pode ajudar os pequenos a desenvolverem - e gostarem! - dessa prática.

Nina, Tracey N. Todd (Companhia das Letrinhas)

Nina

A história, repleta de batalhas da cantora e compositora norte-americana Nina Simone, é inspiradora e mostra que nem sempre é fácil chegar onde se quer. A partir da trajetória de uma das maiores artistas da música mundial é possível entender que a luta não termina nunca.

Bem lá no alto, Susanne Strasser (Companhia das Letrinhas)

Bem lá no alto

Um urso faz de tudo para alcançar um bolo que parece delicioso. São várias tentativas, até que, felizmente, aparecem alguns amigos para ajudá-lo. O texto cheio de repetições e as ilustrações cheia de animais prendem a atenção dos menores.

Quem sou eu?, Philip Bunting (Brinque-Book)

Quem sou eu?

Três palavrinhas que formam uma pergunta nada fácil de responder. Mas quando a gente consegue, entende mesmo muita coisa sobre nós mesmos - e sobre o mundo. O livro analisa o que faz de cada um de nós seres únicos, mas também o que nos torna iguais.

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