Como uma religião excêntrica como Cristianismo tornou-se a síntese da cultura ocidental? Eis a pergunta chave que motivou o debate entre os renomados intelectuais franceses Luc Ferry e Lucien Jerphagnon num encontro com a equipe do Collège de Philosophie (Colégio de Filosofia) na Sorbonne em 2008. O material, compilado e editado para o livro A Tentação do Cristianismo, chega agora às livrarias brasileiras em lançamento pela editora Objetiva. A improbabilidade da fé cristã diante do panorama político-cultural da época é ponto de partida para levantar, entre outros questionamentos, como esse "escândalo" e essa "loucura", nas palavras dos autores, puderam se desenvolver, conquistar e, finalmente, se impor no Império Romano a partir de Constantino. Os autores buscam investigar em que contexto intelectual e social uma nova religião, nascida em Jerusalém, prosperou no mundo romano e politeísta. "Templos, estátuas, sarcófagos ornamentados, textos de todos os gêneros, tudo isso mostra que deuses, semideuses, deusas, ninfas nunca faltaram em Roma em momento algum de sua história. Segundo os especialistas, o número seria mesmo assustador, ainda mais do ponto de vista religioso, Roma era cidade aberta.", descreve Jerphagnon. Na sequência, o autor - especialista em filosofia antiga e medieval - afirma que para o cidadão romano era insustentável a ideia de um único deus, "precipitando com um só golpe todo o Panteão no nada". Em sua explanação intitulada "Por que a vitória do Cristianismo sobre a filosofia grega?", o filósofo e ex-ministro da educação na França Luc Ferry argumenta que o aparecimento do pensamento filosófico na Grécia em VI a.C., chamado de "milagre grego", nada tem de milagroso. Seria, na verdade, a versão leiga ou racionalista da mitologia grega. Em contraponto à cosmologia clássica, Ferry, que se refere ao advento do Cristianismo como "revolução cristã", defende que a abordagem de mundo proposta pela "nova" religião buscou preencher vazios do pensamento clássico e foi nesse vácuo que encontrou o terreno fértil para prosperar e tornar-se, não sem conflitos, a religião dominante do mundo Ocidental. "É, de fato, em razão das insuficiências da filosofia grega, em todo caso, em grande parte, da dimensão de suas lacunas na resposta à questão da salvação, que o pensamento cristão vai vencer, porque ele vai justamente tentar preencher esses vazios", pondera o filósofo.