1. Embora o pai tivesse imaginado para ele um brilhante futuro no exército, Hervé Joncour acabou por ganhar a vida com um ofício insólito, ao qual não era estranha, por singular ironia, uma característica doce a ponto de trair vaga entonação feminina. Para viver, Hervé Joncour comprava e vendia bichos-da-seda. Era o ano de 1861. Flaubert escrevia Salammbô, a iluminação elétrica ainda era hipótese, e Abraham Lincoln, do outro lado do oceano, combatia uma guerra cujo fim nunca veria. Hervé Joncour tinha trinta e dois anos. Comprava e vendia. Bichos-da-seda. 2. Para ser mais preciso: Hervé Joncour comprava e vendia bichos-da-seda quando a essência dos bichos-da-seda consistia em serem eles minúsculos ovos, de cor amarela ou cinza, imóveis e aparentemente mortos. A palma de uma mão podia conter milhares deles. "Isso é o que se chama ter uma fortuna na mão." No início de maio os ovos se abriam e liberavam uma larva que, depois de trinta dias de sôfrega alimentação à base de folhas de amoreira, fechava-se de novo num casulo, para dali sair de maneira definitiva duas semanas mais tarde, deixando atrás de si um patrimônio que em seda fazia mil metros de fio cru e em dinheiro uma bela soma em francos franceses: admitindo-se que tudo corresse conforme as regras e, como no caso de Hervé Joncour, numa região qualquer do sul da França. Lavilledieu era o nome da cidade onde Hervé Joncour vivia. Hélène, o nome da mulher dele. Não tinham filhos.