Trecho do livro A ECONOMIA LATINO-AMERICANA (EDIÇÃO COMEMORATIVA)

1. Introdução, quadro físico e evolução demográfica DA EXPRESSÃO GEOGRÁFICA À REALIDADE HISTÓRICA LATINO-AMERICANA A expressão América Latina, vulgarizada nos Estados Unidos, durante muito tempo foi utilizada apenas com um sentido geográfico, para designar os países situados ao sul do Rio Grande. Longe de interessar-se pelo que existia de comum entre elas, as nações surgidas nas terras de colonização ibérica das Américas procuravam dar ênfase ao que era traço próprio de cada uma, num esforço de definição das personalidades nacionais respectivas. À parte o Brasil, de colonização portuguesa, e o Haiti, de colonização francesa, as demais repúblicas possuem uma história colonial em grande parte comum e têm no espanhol uma língua comum. Contudo, o fato de que a herança cultural pré-colombiana haja contribuído de forma tão desigual para a formação dos perfis nacionais atuais faz que as dissimilitudes entre países como a Argentina e o México sejam, possivelmente, tão grandes quanto as similitudes. O mesmo se pode dizer com respeito à contribuição étnico-cultural africana, que se distribui de forma não menos desigual. Mesmo sem considerar o caso do Haiti, cujas origens africano-francesas o singularizam, as diferenças entre os países da região do Caribe, de forte influência africana, e os países andinos, nos quais predominam os elementos étnico-culturais indígenas, são tão grandes quanto as que possa haver entre países que tenham uma parte de sua história em comum. Ainda assim, a ênfase que se dava às dissimilitudes refletia menos a extensão real destas que a consciência da origem comum, como se as novas nacionalidades se sentissem ameaçadas em seu processo formativo por forças superiores que as levariam, mais cedo ou mais tarde, a reintegrar-se no leito de uma história comum interrompida pelas circunstâncias em que se efetuou a ruptura do império colonial espanhol. A formação de uma consciência latino-americana é fenômeno recente, decorrência dos novos problemas colocados pelo desenvolvimento econômico e social da região a partir da Segunda Guerra Mundial. O desenvolvimento tradicional, apoiado na expansão das exportações, transformara os países da região em economias, em grande medida, concorrentes. Exportando as mesmas matérias-primas e importando produtos manufaturados de fora da região, nenhum vínculo econômico se formava entre esses países. Assim, a forma tradicional de desenvolvimento, no quadro da divisão internacional do trabalho surgida na época do Pacto Colonial e ampliada na primeira fase da Revolução Industrial, contribuiu para consolidar a fragmentação regional. A desorganização do comércio internacional que se seguiu à crise de 1929 teve conseqüências profundas na região. Foram os problemas surgidos a partir de então que abriram o caminho à formação da atual consciência latino-americana. As dificuldades de abastecimento de produtos tradicionalmente importados, que se agudizaram durante o segundo conflito mundial, deram origem a um comércio mais diversificado dentro da região, o qual veio modificar os padrões tradicionais de intercâmbio entre países exportadores de produtos de clima temperado, como a Argentina, e países exportadores de produtos tropicais, como o Brasil. Se bem que, terminada a guerra e restabelecidas as linhas tradicionais de abastecimento, se hajam manifestado fortes pressões no sentido de restabelecer os antigos padrões de intercâmbio, a experiência serviu para que se criassem os contatos e se explicitassem possibilidades. A partir da segunda metade dos anos 50, quando a industrialização apoiada na "substituição de importações" começou a evidenciar suas limitações, abrir-se-ia pela primeira vez na América Latina ampla discussão em torno dos obstáculos criados ao desenvolvimento regional pela estreiteza dos mercados nacionais; essa discussão projetaria luz sobre as similitudes e contribuiria para formar uma consciência regional. Não menos importante na formação dessa consciência regional tem sido a evolução das relações com os Estados Unidos. O controle de grande parte das fontes de matérias-primas regionais, de serviços públicos e de atividades comerciais por firmas norte-americanas criara vínculos de estreita dependência, com respeito aos Estados Unidos, dos países latino-americanos, particularmente dos da área do Caribe. Desde a Primeira Guerra Mundial intensificou-se a penetração dos capitais norte-americanos, tanto sob a forma tradicional de investimentos de carteira como sob a forma de controle de empresas. Esta segunda forma de penetração ganhou grande impulso, a partir dos anos 30, no setor manufatureiro, exatamente aquele em mais rápida expansão. Assim configurou-se uma clara situação de dominação econômica do conjunto regional pelos Estados Unidos, o que vinha ampliar e aprofundar a tradicional dominação política, institucionalizada no conjunto de órgãos pan-americanos. Essa institucionalização contribuía, evidentemente, para consolidar o regime de tutela, mas também serviria para precipitar a tomada de consciência de que somente um estreitamento dos vínculos latino-americanos permitiria modificar de forma significativa as condições do diálogo com os Estados Unidos. Processo similar ocorreria no quadro das Nações Unidas, onde os países latino-americanos foram amplamente utilizados pelos Estados Unidos como massa de manobra submissa nos anos da Guerra Fria, época em que representavam cerca de um terço dos votos na Assembléia Geral. O disciplinado bloco latino-americano não tardaria, entretanto, a apresentar reivindicações próprias, como no caso da criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), instituída em 1948 contra forte oposição dos Estados Unidos. Instalando sua sede em Santiago do Chile, em aberto contraste com os órgãos pan-americanos situados em Washington, a CEPAL viria a desempenhar papel de relevo na formação da nova consciência latino-americana. Em síntese: América Latina deixou de ser uma expressão geográfica para transformar-se em realidade histórica como decorrência da ruptura do quadro tradicional de divisão internacional do trabalho, dos problemas criados por uma industrialização tardia e da evolução de suas relações com os Estados Unidos, que, ao se transformarem em potência hegemônica mundial, conceberam para a região um estatuto próprio envolvendo um controle mais direto e ostensivo, e ao mesmo tempo requerendo crescente cooperação entre os países dessa área. CARACTERÍSTICAS FÍSICAS As repúblicas latino-americanas formam um conjunto geográfico de mais de 20 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, de dimensões equivalentes às da União Soviética ou às do conjunto Estados Unidos-Canadá. Atravessada pelo equador, a América Latina se estende mais no hemisfério sul do que no norte. Seu ponto extremo meridional se situa a 56 graus, ao passo que seu ponto extremo setentrional alcança apenas 32 graus de latitude. Três subconjuntos configuram a região, do ponto de vista geográfico: a) o México setentrional, no qual se prolongam os elementos de base do relevo dos Estados Unidos; b) o istmo americano, que se estende por mais de 2 mil quilômetros, estreitando-se na sua parte sul até alcançar setenta quilômetros de largura no Panamá; c) o continente sul-americano, cujo relevo está dominado pela cordilheira dos Andes, por grandes planícies aluvionais, pelos maciços guiano e brasileiro e pelo platô patagônio. A frente ocidental de toda a América Latina, estendendo-se por mais de 12 mil quilômetros, está moldada pelas cordilheiras andina e mesoamericana. Na Colômbia, a cordilheira dos Andes se divide em três ramos orográficos, separados pelos grandes vales meridianos do Madalena e do Cauca. À diferença do que ocorre na Colômbia, no Peru e na Bolívia, as altas superfícies planas ocupam grande parte da cordilheira, cuja largura se estende de 250 a quatrocentos quilômetros, e a altura geralmente supera os 4 mil metros. Tanto na região colombiano-equatoriana como na peruano-boliviana, os pontos mais altos da cordilheira alcançam ou superam os 6 mil metros; mas é na região argentino-chilena, onde ela se apresenta como um relevo monoclinal, que se encontra o ponto mais alto: o Aconcágua (7 mil metros). A região oriental do continente sul-americano está ocupada pelos maciços brasileiro e guiano, fragmentos do continente Gondwana, separados de elementos similares africanos pela abertura do oceano Atlântico. O maciço brasileiro, que se estende por 3500 quilômetros ao sul, de 6 graus de latitude sul, e por aproximadamente 4 mil quilômetros de nordeste a sudeste, de longe é o mais vasto. Entre os dois maciços citados e a cordilheira andina existem grandes bacias sedimentares que servem de suporte às planícies aluvionais constituídas pelos rios Orinoco, Amazonas e Paraná-Paraguai. A existência de condições gerais extremamente diversas e freqüentemente condições particulares de muita significação permitem que se apresentem nos países latino-americanos, considerados em conjunto, as formas mais variadas de clima. A linha equatorial, que corta a região bem próximo à sua largura máxima, e a importância da cordilheira dos Andes e da Sierra Madre do México, graças às quais várias grandes cidades latino-americanas se situam a mais de 2 mil metros de altura (México, 2240 metros; Bogotá, 2591 metros), constituem os dois fatores de maior significação na determinação do quadro climático. O clima tropical úmido predomina em amplas regiões, que são, entretanto, as menos povoadas. O clima tropical, com estação seca, e o clima semi-árido quente predominam em regiões não menos extensas e de maior densidade demográfica. Finalmente, os climas de montanha, os subtropicais e os temperados caracterizam as regiões em que se aglomeram os maiores contingentes populacionais. [..]