Trecho do livro 40 NOVELAS DE LUIGI PIRANDELLO

Limões da Sicília - Teresina está? O criado, ainda em mangas de camisa, mas já enforcado num colarinho altíssimo, esquadrinhou da cabeça aos pés o rapaz à sua frente, no patamar da escada: camponês no aspecto, com a gola do casaco grosseiro erguida até as orelhas e as mãos arroxeadas, enrugadas de frio, carregando uma sacola suja de um lado, uma velha maleta do outro, em contrapeso. - Teresina? Quem é? - indagou por sua vez o criado, arqueando os sobrolhos densos e colados, como dois bigodes raspados acima dos lábios e colados ali, para não perdê-los. Antes de responder, o rapaz sacudiu a cabeça e fez saltar da ponta do nariz uma gotinha de frio: - Teresina, a cantora. - Ah - exclamou o criado, com um sorriso irônico e surpreso. - Chama-se simplesmente Teresina, sem mais? E o senhor quem é? - Está ou não está? - perguntou o rapaz, fechando o cenho e fungando. - Diga a ela que é o Micuccio e me deixe entrar. - Mas não tem ninguém a esta hora - respondeu o criado, com o sorriso coagulado nos lábios. - A senhora Sina Marnis ainda está no teatro e... - Tia Marta também? - interrompeu Micuccio. - Ah, vossa senhoria é o sobrinho? O criado fez-se imediatamente cerimonioso. - Por favor, pode entrar, entre. Não há ninguém. Ela também está no teatro, a tia. Não voltarão antes da uma hora. É a noite de gala de sua... o que ela é mesmo sua? É prima? Micuccio ficou um instante sem ação. - Não... não sou propriamente primo dela. Sou... Micuccio Bonavino; ela sabe. Vim do interior só para isso. Diante dessa resposta, o criado achou mais conveniente retirar o vossa senhoria e retomar o senhor; conduziu Micuccio a uma saleta escura, próxima à cozinha, onde alguém roncava estrepitosamente, e disse: - Sente-se aqui. Já trago uma lamparina. Micuccio olhou primeiramente para o lado de onde vinha o ronco, mas não conseguiu discernir nada; depois olhou para a cozinha, onde o cozinheiro, auxiliado por um ajudante, preparava o jantar. O cheiro misturado das iguarias em preparo o venceu: viu-se quase arrebatado por uma embriaguez vertiginosa, pois estava praticamente em jejum desde a manhã; chegava da província de Messina; uma noite e um dia inteiro de trem. O criado trouxe a lamparina, e a pessoa que roncava na sala, atrás de uma cortina suspensa por um cordão de uma parede a outra, murmurou no meio do sono: - Quem é? - Ei, Dorina, levante-se! - chamou o criado. - Não vê que está aqui o senhor Bonvicino? - Bonavino - corrigiu Micuccio, que estava soprando os dedos. - Bonavino, Bonavino, um conhecido da senhora. Mas que sono de pedra: batem na porta, e você não escuta. Tenho de pôr a mesa, não posso fazer tudo sozinho, entende?, me ocupar do cozinheiro inexperiente, das pessoas que chegam. Um amplo e sonoro bocejo, prolongado no espreguiçar dos membros e arrematado por um relincho vindo de um calafrio repentino, acolheu os protestos do criado, que se afastou exclamando: - Tudo bem! Micuccio sorriu e o acompanhou com os olhos através de uma outra sala em penumbra, até um vasto salão ao fundo, todo iluminado, onde surgia a mesa esplêndida, e ficou maravilhado, contemplando, até que um outro ronco o fez se virar mais uma vez para a cortina. Com o guardanapo sob o braço, o criado passava para lá e para cá, queixando-se ora de Dorina, que continuava a dormir, ora do cozinheiro, que devia ser novo ali, chamado especialmente para aquela noite, e o incomodava a todo momento com perguntas. Micuccio, evitando importuná-lo ainda mais, achou prudente guardar para si todas as questões que gostaria de fazer. Ele deveria ter dito ou dado a entender que era o noivo de Teresina, mas não o fez, mesmo sem saber o porquê da sua discrição; o fato é que, a partir de então, o criado deveria passar a tratá-lo, a ele, Micuccio, de patrão; e ele, vendo-o tão desenvolto e elegante, conquanto ainda não envergasse a libré, não conseguia superar o constrangimento que já experimentava só de pensar. No entanto, a certa altura, vendo-o passar de novo, não se conteve e perguntou: - Desculpe... esta casa é de quem? - Nossa, que eu saiba - respondeu-lhe apressado o criado. E Micuccio ficou balançando a cabeça. Minha nossa, então era verdade! A sorte caíra do céu. Grandes negócios. Aquele criado que mais parecia um nobre, o cozinheiro, o ajudante e aquela Dorina que roncava do outro lado: toda uma criadagem às ordens de Teresina. Quem diria! Ria ao pensar no sótão esquálido, lá longe, em Messina, onde ela morava com a mãe. Cinco anos atrás, se não fosse por ele, mãe e filha teriam morrido de fome. E foi ele quem a descobriu, ele, aquela fortuna na garganta de Teresina! Na época ela sempre cantava, como um pássaro dos telhados, sem saber de seu tesouro; cantava por desfastio, cantava para não pensar na miséria que ele tentava atenuar como podia, apesar da guerra que os pais moviam contra ela, especialmente a mãe. Mas como abandonar Teresina naquele estado, depois da morte do pai? Abandoná-la só porque não tinha nada, ao passo que ele, bem ou mal, tinha um empreguinho de flautista na orquestra municipal? Bela razão! E o coração? Ah, foi uma verdadeira inspiração do céu, um bafejo da sorte ter reparado na voz dela quando ninguém prestava atenção, naquele belíssimo dia de abril, junto à janela da água furtada que emoldurava o vivo azul do céu. Teresina cantarolava uma apaixonada arieta siciliana, cujas ternas palavras Micuccio ainda lembrava. Teresina estava triste naquele dia, pela morte recente do pai e pela obstinada oposição da família dele; e também ele - recordava - estava triste, tanto que lhe brotaram lágrimas ao ouvi-la cantar. E quantas outras vezes ele a ouvira cantando aquela ária; mas, cantada daquele modo, nunca. Ficara tão impressionado que, no dia seguinte, sem comunicar nada a ela nem à mãe, levara ao sótão o diretor da orquestra, amigo seu. E assim começaram as primeiras lições de canto; e, durante dois anos seguidos, gastara com ela quase todo o seu salário: alugara-lhe um piano, comprara partituras e até ajudara o maestro em sinal de amizade. Foram belos dias! Teresina ardia toda no desejo de alçar vôo, de lançar-se no futuro luminoso que o maestro lhe prometia; e, enquanto isso, acumulava-o de carícias para lhe demonstrar toda a sua gratidão, sonhando uma felicidade a dois! Já tia Marta balançava a cabeça com amargura: a pobre velha tinha visto tantas na vida que agora não acreditava mais no futuro; temia pela filha e não queria que ela pensasse nem mesmo na possibilidade de sair daquela resignada miséria; além disso, sabia, sabia quanto custava a ele a loucura daquele sonho perigoso. Mas nem ele nem Teresina lhe davam ouvidos, e em vão ela se rebelou quando um jovem maestro compositor, tendo escutado Teresina em um concerto, declarou que seria um verdadeiro crime se não lhe dessem melhores professores e uma com pleta educação artística: Nápoles, era preciso mandá-la para o conservatório de Nápoles a qualquer custo. Então ele, Micuccio, sem pensar duas vezes, rompeu com os parentes, vendeu uma pequena propriedade deixada em herança pelo tio padre e mandou Teresina a Nápoles, a fim de completar os estudos. Nunca mais a viu desde então. Cartas, sim... recebia suas cartas do conservatório e depois as de tia Marta, quando Teresina já se lançara na vida artística, sendo disputada pelos principais teatros depois da estréia triunfal no San Carlo. Ao pé das letras trêmulas e incertas, garatujadas no papel pela pobre velhinha, havia sempre duas linhas dela, Teresina, que nunca tinha tempo para escrever: "Querido Micuccio, confirmo tudo que mamãe lhe diz. Fique bem e continue me amando". Haviam combinado que ele lhe daria cinco, seis anos de tempo, para que ela trilhasse livremente seu caminho: ambos eram jovens e podiam esperar. E, durante os cinco anos transcorridos, ele sempre mostrou aquelas cartas a quem quisesse ver, a fim de rechaçar as calúnias que seus parentes despejavam sobre Teresina e a mãe. Depois adoeceu, esteve a ponto de morrer; e, naquela ocasião, sem que ele soubesse, tia Marta e Teresina enviaram ao seu endereço uma boa soma em dinheiro; parte foi gasta com a doença, mas o resto ele conseguiu arrancar à força das mãos rapaces dos parentes e agora, finalmente, vinha devolvê-lo a Teresina. Porque dinheiro - nada! -, ele não queria. Não porque lhe parecesse esmola, uma vez que ele já gastara tanto com ela; mas... nada! Ele mesmo não sabia dizer por quê, ainda mais agora, ali, naquela casa... - dinheiro, nada! Como já esperara tantos anos, podia continuar esperando. De resto, se Teresina tinha dinheiro sobrando, era sinal de que o futuro se abrira para ela, e sendo assim já era tempo de que a antiga promessa se concretizasse, para despeito de quem não queria acreditar. Micuccio pôs-se de pé, franzindo o cenho como para se certificar daquela conclusão; soprou de novo as mãos geladas e calcou os pés no chão. - Frio? - perguntou-lhe o criado, passando. - Agora falta pouco. Venha aqui, na cozinha. Ficará melhor. Micuccio não quis seguir o conselho do criado que, com um ar de grande senhor, o deixava desconcertado e despeitado. Voltou a se sentar e a cismar, consternado. Pouco depois, uma forte campainha o sacudiu. - Dorina, a senhora! - gritou o criado, enfiando às pressas a libré enquanto corria para abrir a porta; mas, ao ver que Micuccio pretendia segui-lo, parou de repente e o interpelou: - O senhor espere aqui; antes preciso anunciá-lo a ela. - Ai, ai, ai... - lamentou-se uma voz sonolenta atrás da cortina; e, logo em seguida, apareceu uma mulherona atarracada, embrulhada em panos, que arrastava uma perna e ainda não conseguia abrir os olhos, cujo xale de lã chegava até acima do nariz, os cabelos tingidos de dourado. Micuccio a observou admirado. Também ela, surpresa, arregalou os olhos para o estranho. - A senhora - repetiu Micuccio. Então Dorina recobrou subitamente a consciência: - Já vou, já vou... - disse, tirando e jogando o xale atrás da cortina e tentando mover seu corpo pesado em direção à entrada. A aparição daquela bruxa pintada e a intimação do criado inspiraram de repente em Micuccio, aviltado, um mau pressentimento. Ouviu a voz estrídula de tia Marta: - Para lá, para a sala! Vamos, Dorina! O criado e Dorina passaram na frente dele carregando magníficos buquêsde flores. Espichou a cabeça para observar, ao fundo, a sala iluminada e viu muitos senhores de fraque, falando confusamente. A vista se anuviou: o espanto era tanto, tão grande a comoção, que nem ele mesmo percebeu que seus olhos se encheram de lágrimas; fechou-os e, naquele canto escuro, encolheu-se todo, quase para resistir à dor que lhe provocava uma longa e estridente risada. Era de Teresina? Oh, meu Deus, mas por que ria assim? Um grito contido o fez reabrir os olhos, e viu diante de si, irreconhecível, tia Marta, com chapéu na cabeça - coitada! - e afundada numa rica, esplêndida mantilha de veludo. - Como! Micuccio... você aqui! - Tia Marta... - exclamou Micuccio quase amedrontado, os olhos fixos nela. - Mas como! - continuou a velha, perturbada. - Sem avisar? O que houve? Quando você chegou? Justamente esta noite... Oh, meu Deus, meu Deus... - Vim para... - balbuciou Micuccio, sem saber o que falar. - Espere! - interrompeu-o tia Marta. - Como vamos fazer? Como vamos fazer? Está vendo quanta gente, meu filho? Hoje é a festa de Teresina, sua grande noite... Espere, espere um pouco aqui... - Se a senhora - tentou dizer Micuccio, sufocado pela angústia -, se a senhora acha que é melhor eu ir embora... - Não, espere um pouco, por favor - apressou-se em responder a boa velhinha, toda embaraçada. - Mas eu - completou Micuccio - não saberia aonde ir nesta cidade... a esta hora... Tia Marta o deixou, fazendo um gesto com a mão enluvada para que ele esperasse, e entrou no salão, onde pouco depois Micuccio teve a impressão de se abrir uma voragem; fizera-se ali um silêncio repentino. Depois ouviu, claras e distintas, estas palavras de Teresina: - Um momento, senhores. E de novo a vista se anuviou à espera de que ela aparecesse. Mas Teresina não apareceu, e a conversa foi retomada no salão. No entanto, quem voltou poucos minutos depois, instantes que lhe pareceram eternos, foi tia Marta, agora sem chapéu, sem mantilha, sem luvas, mais à vontade. - Vamos esperar um pouco aqui; está bem? - disse-lhe. - Ficarei com você... Agora o jantar será servido... Nós ficaremos aqui. Dorina vai pôr esta mesinha para nós, e jantaremos juntos, lembrando os velhos tempos, hein?... Nem me parece verdade que estou aqui com você, meu filho; aqui, afastados... Lá, como vê, há muitos cavalheiros... Ela, coitadinha, não pode evitar... É a carreira, entende? Ah, o que se há de fazer? Você viu os jornais? Coisas importantes, meu filho! Mas eu, eu sempre feito um peixe fora d'água... Nem me parece verdade que estou aqui, nesta noite, na sua companhia. E a boa velha, que falou e falou instintivamente, para não dar tempo a Micuccio de pensar, por fim sorriu e esfregou as mãos, olhando-o com ternura. Dorina se aproximou para arrumar a mesa depressa, porque lá, no salão, o jantar começava a ser servido. - Ela virá? - perguntou Micuccio com voz triste, angustiada. - Queria pelo menos poder vê-la. - Claro que virá - respondeu a velha de pronto, esforçando-se para superar o constrangimento. - Assim que tiver um momentinho de folga, ela mesma me disse. Os dois se olharam e sorriram, como se finalmente se reconhecessem. Superando o constrangimento e a comoção, suas almas haviam encontrado o caminho para se saudar com aquele sorriso. "A senhora é tia Marta", diziam os olhos de Micuccio; "E você, Micuccio, é meu bom filho querido, o mesmo de sempre, coitadinho!", diziam os de tia Marta. Mas logo em seguida a boa velha baixou os seus, para que Micuccio não lesse neles mais nada. Esfregou de novo as mãos e disse: - Vamos comer, né? - Estou com uma fome! - exclamou Micuccio, agora alegre e confiante. - Antes, o sinal-da-cruz: aqui, na sua frente, posso fazer isso - acrescentou a velha com ar esperto, piscando um olho, e se persignou. O criado trouxe o primeiro prato. Micuccio ficou bem atento, observando como tia Marta manipulava os talheres ao se servir. Mas, quando chegou a sua vez, ao erguer as mãos, pensou que elas estavam sujas da longa viagem; enrubesceu, confundiu-se e levantou os olhos para o criado que, agora compenetradíssimo, fez uma mesura e deu um leve sorriso, como que o convidando a se servir. Felizmente tia Marta o tirou do embaraço. - Dê-me aqui, Micuccio, eu mesma lhe sirvo. Teve ímpeto de beijá-la, de tanta gratidão! Depois de servido, assim que o criado se retirou, persignou-se também, rapidamente. - Muito bem, meu filho! - disse tia Marta. E ele se sentiu feliz, pleno, e começou a comer como nunca havia comido na vida, sem mais pensar nas mãos nem no criado. Porém, toda vez que o criado, entrando na sala ou saindo de lá, abria a porta de vidro e deixava passar uma onda de palavras confusas ou alguma risada mais alta, ele se virava perturbado e depois fixava os olhos sofridos e afetuosos da velha, quase para ler neles uma explicação. No entanto, o que ele lia ali era um pedido para que não perguntasse nada por enquanto, um adiamento das explicações. E ambos se sorriam de novo e voltavam a comer e a falar da cidade distante, dos amigos e conhecidos, dos quais tia Marta lhe pedia notícias sem fim. - Não bebe nada? Micuccio estendeu a mão para pegar a garrafa; mas, nesse instante, a porta que dava para a sala se abriu; um farfalhar de seda entre passos apressados, um revérbero, quase como se a saleta fosse violentamente iluminada, de chofre, para cegá-lo. - Teresina... E a voz morreu-lhe nos lábios, de espanto. Ah, que rainha! Com o rosto em brasa e os olhos arregalados, a boca aberta, ele a contemplava assombrado. Como é que ela... assim? Os seios nus, os ombros nus, os braços nus... toda fulgurante de jóias e de panos... Não a via, não a via mais como uma pessoa viva e real diante de si. O que ela lhe dizia? Nem a voz, nem os olhos, nem o riso: nada, não reconhecia mais nada nela, naquela aparição de sonho. - Como vai? Você está bem agora, Micuccio? Ótimo, ótimo... Você esteve doente, se não me engano... Vamos nos ver daqui a pouco. Enquanto isso, mamãe lhe faz companhia... Combinado, hein? E Teresina voou de novo para a sala, toda farfalhante. - Não come mais? - perguntou temerosa tia Marta, logo em seguida, para romper o estupor de Micuccio. Ele mal se virou para olhá-la. - Coma - insistiu a velha, apontando-lhe o prato. Micuccio levou dois dedos ao colarinho encardido e amarfanhado e o folgou, tentando respirar profundamente. - Comer? E agitou várias vezes os dedos perto do queixo, como se dissesse em despedida: não me desce mais, não posso. Ficou mais um tempo silencioso, abatido, absorto na recente visão, e murmurou: - Como está mudada... E viu que tia Marta balançava amargamente a cabeça, parando também de comer, como se esperasse. - Quem imaginaria... - acrescentou para si, fechando os olhos. Agora via, naquele escuro, o abismo que se abrira entre os dois. Não, aquela lá não era mais ela, a sua Teresina. Estava tudo acabado... fazia tempo, fazia tempo, e ele, tolo, ele, estúpido, só se dava conta agora. O povo da cidade havia avisado, e ele se obstinara em não acreditar... E agora, que papel fazia ali, naquela casa? Se todos aqueles senhores e se o próprio criado soubessem que ele, Micuccio Bonavino, moera os ossos para vir de tão longe, trinta e seis horas de trem, ainda seriamente se acreditando o noivo daquela rainha, quanta risada dariam os senhores e o criado e o cozinheiro e o ajudante e Dorina! Quanta risada, se Teresina o arrastasse diante deles, ali na sala, dizendo: "Olhem, este pobre coitado, tocador de flauta, diz que quer ser meu marido!". Ela mesma lhe prometera, é verdade; mas como podia supor que um dia chegaria a tal ponto? E era também verdade, sim, que ele mesmo lhe abrira aquele caminho e a incentivara a trilhá-lo; mas, aí está, ela fora tão longe, tão longe, que ele, parado ali, sempre o mesmo, tocando flauta aos domingos na praça da cidade, como ele poderia alcançá-la? Nem em sonho... E o que eram aqueles trocadinhos que gastara com ela, agora transformada numa grande senhora? Envergonhava-se só de pensar que alguém pudesse suspeitar que ele, com a sua chegada, quisesse reivindicar algum direito por causa daqueles trocados miseráveis. Naquele momento lembrou que trazia no bolso o dinheiro enviado por Teresina durante a doença dele. Enrubesceu: sentiu o opróbrio e meteu a mão no bolso do casaco onde estava a carteira. - Vim aqui, tia Marta - disse depressa -, também para devolver o dinheiro que vocês me mandaram. O que seria? Um pagamento? Uma restituição? Vejo que Teresina se tornou uma... sim, me parece uma rainha! Vejo que... nada! Melhor não pensar mais nisso! Mas este dinheiro, não: não merecia isso dela... Acabou, e não se fala mais nisso... mas nada de dinheiro! Só lamento que não esteja todo... - O que você está dizendo, meu filho? - tentou interrompê-lo tia Marta, aflita e com lágrimas nos olhos. Micuccio fez um gesto para que ela se calasse. - Não fui eu que o gastei: foram meus parentes, durante a doença, sem que eu soubesse de nada. Mas ficam por aquela miséria que gastei faz uns anos... lembra? Vamos esquecer isso. Aqui está o resto. Vou embora. - Mas como! Assim, de repente? - exclamou tia Marta, tentando detê-lo. - Espere ao menos Teresina voltar. Não viu que ela quer falar com você? Vou dizer a ela... - Não, não adianta - respondeu Micuccio, decidido. - Deixe-a lá, com aqueles senhores; ela está bem ali, é o lugar dela. Eu, coitado... Já a vi; e me bastou... Ou melhor, vá também... vá também para lá... Está ouvindo como riem? Não quero que riam de mim... Vou embora. Tia Marta interpretou no pior sentido aquela decisão repentina de Micuccio: como um ato de desprezo, um impulso de ciúme. Parecia-lhe agora, pobrezinha, que todos, ao verem sua filha, deviam imediatamente conceber a mais abominável das suspeitas, aquela pela qual chorava inconsolável, arrastando sem descanso a sua dor secreta entre os tumultos daquela vida de luxo odioso, que desonrava grotescamente a sua cansada velhice. - Mas eu - ela deixou escapar -, eu não posso mais vigiá-la a esta altura, meu filho... - Por quê? - indagou Micuccio, lendo de repente em seus olhos a suspeita que ainda não lhe ocorrera; e seu rosto se tornou sombrio. A velha perdeu-se em seus sofrimentos e escondeu o rosto nas mãos trêmulas, sem conseguir frear o ímpeto das lágrimas que jorravam. - Sim, sim, vá embora, meu filho, vá - disse, sufocada pelos soluços. - Ela não é mais para você, tem razão... Se tivesse ouvido meus conselhos! - Então - prorrompeu Micuccio, inclinando-se sobre ela e tirando-lhe à força uma das mãos do rosto. Mas o olhar com que ela lhe suplicou piedade, levando um dedo aos lábios, foi tão pungente e miserável que ele se deteve e acrescentou em outro tom, esforçando-se para falar baixo: - Ah, então ela, ela... não é mais digna de mim. Chega, chega, vou embora assim mesmo... aliás, principalmente agora... Que imbecil, tia Marta: eu não tinha entendido! Não chore... Afinal, que importa? É o destino, dizem... o destino... Pegou a maleta e a sacola debaixo da mesa e já se encaminhava para a saída quando lhe ocorreu que ali, dentro da sacola, estavam os belos limões que ele trouxera de sua terra para Teresina. - Oh, veja, tia Marta - retomou. Afrouxou a boca da sacola e, fazendo uma barreira com o braço, despejou aqueles frutos frescos e fragrantes sobre a mesa. - E se eu começasse a atirar todos estes limões - acrescentou - na cabeça daqueles cavalheiros ali? - Tenha piedade - gemeu a velha entre lágrimas, fazendo novo gesto suplicante para que ele se calasse. - Não, nada - emendou Micuccio, rindo com acidez e metendo no bolso a sacola vazia. - Eu os tinha trazido para ela; mas agora os deixo só para você, tia Marta. Pegou um e o aproximou do nariz de tia Marta. - Cheire, tia Marta, sinta o cheiro da nossa terra... E dizer que até paguei imposto por eles... Chega. Só para você, veja bem... E a ela, diga isto em meu nome: "Boa sorte!". Apanhou a maleta e foi embora. Mas, descendo a escada, um imenso abatimento o venceu: só, abandonado, de noite, numa grande cidade desconhecida, longe de sua terra; desiludido, aviltado, humilhado. Chegou ao portão, viu que chovia a cântaros. Não teve coragem de se aventurar por aquelas ruas estranhas, debaixo daquela chuva. Retornou devagar, subiu um lance de escada, sentou-se no primeiro degrau e então, apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos, começou a chorar silenciosamente. Quase no final do jantar, Sina Marnis fez outra visita à saleta. Encontrou a mãe, que também chorava, sozinha, enquanto do outro lado os cavalheiros se exaltavam e riam. - Foi embora? - perguntou, surpresa. Tia Marta fez que sim com a cabeça, sem olhar para ela. Sina fixou os olhos no vazio, absorta, e enfim suspirou: - Coitadinho... Mas logo em seguida esboçou um sorriso. - Olhe - disse-lhe a mãe, sem conter mais as lágrimas com o guardanapo. - Ele lhe trouxe estes limões... - Oh, que lindos! - exclamou Sina, com um salto. Apoiou um braço na cintura e, com a outra mão, pegou tantos quantos conseguia carregar. - Não, para lá, não! - protestou vivamente a mãe. Mas Sina deu de ombros e correu para a sala, gritando: - Limões da Sicília! Limões da Sicília! "Lumie di Sicilia", 1900