Trecho do livro DANUZA LEÃO FAZENDO AS MALAS

AS MALAS Viajar é das melhores coisas que existem; mas, como tudo na vida, tem seus momentos de felicidade absoluta e outros de tortura total. Eu vou para onde quer que seja, embora tenha minhas preferências. Prefiro, por exemplo, viajar em pleno verão ou no mais rigoroso inverno, e sabe por quê? Pela mala. Não sei se é carma, mas a chamada demi-saison para mim é trágica. Como não dá para saber se vai fazer frio ou calor, levo roupa para todas as estações; agora só viajo no inverno, com dois jeans, três camisas, dois suéteres, duas botas e vários, vários casacos de pele. As autorizadas, claro. Ou no verão, só com meus jeans, minhas camisetas, minhas sandálias. Uma vez viajei numa sexta-feira para passar um fm de semana em Nova York e levei uma sacola com os dois jeans, os dois suéteres etc. A intenção era ficar dois dias de cara lavada, batendo pernas. Eis que no avião encontro um amigo que me convida para um jantar desses bem chiques no sábado. Passei o dia inteiro procurando um vestido, um sapato, as meias, a bolsa, o que nem em Nova York é fácil de encontrar. E a maquiagem? E os cabelos? Praticamente perdi o fm de semana, e jurei que nunca mais. Não adianta, não consigo: mesmo que vá para a Sibéria, levo um biquíni. E se de lá resolver ir até o Caribe? E biquíni lembra sandália, saída-de-praia, filtro solar etc. etc. etc., um problema. Não sei mesmo viajar com pouca bagagem. Há muitos anos, quando a Vuitton não era mais que uma pequena butique na Avenue Marceau, em Paris, eu gostei da marca. As bolsas e malas não eram tão caras, pois eu, que nem tinha tanto dinheiro, comprei - e tenho ainda - três malas maravilhosas da LV. São aquelas grandes, com cantoneiras e fechaduras douradas, cheias de tachas também douradas (o dourado parece ouro), e que, mesmo vazias, pesam toneladas. Tenho também um grande saco daqueles que os marinheiros (e o homem do anúncio do óleo de fígado de bacalhau) carregavam nas costas, e uma sacola banal, dessas que todo mundo tem. Fora isso, só a carteira de dinheiro e as trousses de maquiagem. Porque os produtos Vuitton são de uma qualidade fantástica e não acabam nunca: minhas malas estão como se tivessem sido compradas semana passada, sem um arranhão, e assim vão durar ainda cem anos, cada dia mais bonitas. Mas já não dá para usar a marca. Além de as malas serem extremamente pesadas, o excesso de divulgação fez com que elas se popularizassem mais do que é permitido suportar. Você vê uma esteira no aeroporto, e elas aparecem, todas faceiras (e em geral pertencem a pessoas de gosto mais que duvidoso). Resultado: as malas foram colocadas uma em cima da outra - por felicidade eram de três tamanhos -, e agora enfeitam lindamente minha sala. Resumo da história: fiquei sem uma só mala, e, como me recuso a comprar uma de náilon preto, fiquei também impossibilitada de viajar, o que considero trágico. AfInal, o que é uma mulher sem malas? Além de tudo, as minhas precisam ser enormes, porque, se levo tanta coisa para passar meras 24 horas em São Paulo, imagine o que não carrego para uma viagem de três semanas. É um absurdo, eu sei, mas é tarde para mudar. Já me aconselharam a levar o mínimo e comprar roupas nas viagens, no entanto, quando eu quero aquele suéter preto, é aquele que eu quero. E onde vou encontrar um igual? A situação seria catastrófica, mas aconteceu o milagre: descobri umas malas sensacionais, alemãs, da marca Rimowa, de alumínio e com quatro rodinhas, levíssimas, que posso carregar com o dedo mínimo. Essa minha próxima viagem vai ser um arraso de conforto e elegância (porque elas são lindas também). Mas viajar já foi melhor. Um dia você acordava e recebia um telefonema de um amigo de alguma parte do mundo que dizia: "Vem pra cá". No dia seguinte, você comprava a passagem e ia. Agora, para conseguir um preço mais razoável, é preciso reservar com uma antecedência enorme, idem com os hotéis, se não quiser dormir debaixo da ponte; e, se desejar ir a um restaurante - um daqueles da moda -, tem que agendar três meses antes; quanto aos museus, se não quiser ficar numa fila gigantesca, a mesma coisa. E o imprevisível? E a aventura? Como dizia um autor cujo nome não lembro mais: "Voyager c'est prendre un chemin sans jamais savoir où on va". Viajar é tomar um caminho sem saber aonde ele vai nos levar. Sei que é um erro, coisa de outros tempos, falta de civilidade, mas este é apenas um dos meus defeitos: a bagagem excessiva. E, como a viagem seria em abril, pior, pois a previsão era de sol e calor em Sevilha, e Paris um pouco frio ainda, excelente desculpa para levar todo tipo de roupa. Foram três malas - que remédio -, todas grandes, e cheias, claro. Mas, como não pretendia comprar nada - nunca pretendo -, levei, segundo meus critérios, o mínimo possível. Devo confessar que meus critérios são sempre exagerados.