O DIA EM QUE O ARCO-ÍRIS ESTANCOU A CHUVA Quando havia escravidão em nosso país, milhares de africanos que pertenciam aos povos iorubás foram caçados e trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos. Assim como outros africanos aqui escravizados, os iorubás, que também são chamados nagôs, trouxeram seus costumes, suas tradições, seus deuses, os orixás. E, até hoje, muitas dessas tradições dos antigos nagôs estão vivas, tanto no Brasil como na própria África. Fazem parte delas as histórias de Ifá. Ifá, o Adivinho, aquele que conhece todas as histórias já acontecidas e as que ainda vão acontecer, conta que na antiga África negra, em tempos imemoriais, vivia a mais velha das mulheres, a mais antiga de todas. Ela era tão arcaica que até ajudou Oxalá a criar a humanidade, emprestando-lhe a lama do fundo do lago onde ela vive para que ele moldasse o primeiro ser humano. Apesar de velha, era mulher bela e formosa, era uma deusa, e Nanã era seu nome. Teve dois filhos, um muito bonito, o outro feio. O filho feio é conhecido pelo nome de Omulu, o outro, o belo, nós o chamamos de Oxumarê. O príncipe Oxumarê usava roupas vistosas tingidas de todas as cores, que realçavam ainda mais sua beleza e o faziam invejado por todos. Onde quer que fosse, era sempre admirado por sua formosura e pelo luxo de seus trajes. Esse gosto pelas roupas alegres herdara do pai, conhecido como o homem da capa multicolorida. Contam muitas histórias sobre Oxumarê e dizem que ele costuma aparecer ora na forma de uma cobra, ora como o próprio arco-íris enfeitando o céu. Pois bem, dizem que houve um tempo em que a Terra foi quase destruída pela Chuva. Chovia o tempo todo, o solo ficou todo encharcado, os rios pularam fora de seus leitos, de tanta água. As plantas e os animais morriam afogados, a umidade e o mofo se alastravam por todos os lugares, a doença e a morte prosperavam. A chuva é benfazeja, mas não pode durar para sempre, sabia muito bem Oxumarê. Então, o jovem filho de Nanã, que nunca tinha tido simpatia pela Chuva, apontou seu punhal de bronze para o alto e com ele fez um grande corte em arco no céu, ferindo a Chuva e interrompendo sua ação. A Chuva parou de cair e alagar tudo aqui embaixo, e o Sol pôde brilhar de novo, refazendo a vida. Desde então, quando chove em demasia, Oxumarê risca o céu com seu punhal de bronze para estancar as águas que caem das alturas. Quando isso acontece, todos podem ver o belo príncipe no céu vestido com suas roupas multicoloridas. Todos podem vê-lo na forma do arco-íris. Na língua africana de Oxumarê, aliás, seu nome quer dizer exatamente isso: o Arco-Íris. Quando não está chovendo, Oxumarê vive na Terra. Muitos dizem que Oxumarê foi posto no firmamento por sua própria mãe Nanã, a Sábia, para que, de lá do alto, todos pudessem admirar sua beleza. Dizem também que foi por causa de sua formosura que Oxumarê acabou transformado numa cobra. Tudo porque Xangô, o Trovão, rei da cidade de Oió, encantou-se com as cores do Arco-Íris. Para poder admirar Oxumarê quando bem quisesse, Xangô planejou aprisioná-lo para sempre. O rei Trovão chamou Oxumarê em seu palácio e, quando o jovem príncipe entrou na sala do trono, os soldados do rei fecharam todas as portas e janelas. O príncipe das cores não podia fugir de Xangô, estava encurralado, preso, impedido de subir ao firmamento. Oxumarê ficou desesperado. Quem estancaria a Chuva, se ele permanecesse preso? Quem salvaria a humanidade da fúria das águas? Quem impediria as enchentes, as enxurradas destruidoras, as avalanches de terra encharcada? Quem frearia a destruição das colheitas por excesso de água? Quem livraria o homem da fome, da morte? Oxumarê, o Arco-Íris, implorou a Olorum. Olorum, o Senhor Supremo, ouviu o prisioneiro e, com pena dele, transformou-o numa cobra. A cobra então deslizou pelo chão da sala do palácio e, com facilidade, escapou pela fresta sob a porta. Ficou livre para sempre. Por isso Oxumarê vive no firmamento e vive no solo. Vive no Céu e na Terra. Ele é ambíguo, é misterioso. Temos medo quando o vemos rastejar pelo chão feito um réptil asqueroso, e nos encantamos com suas cores luxuosas esparramadas em arco no horizonte. Ele é o príncipe-serpente, a cobra que rasga o céu. É o Senhor do Arco-Íris.