MEDO DE DENTISTA O dentista Orin Scrivello, mal-humorado e com cara de bravo, veste seu casaco de couro preto, liga a moto e sai pelas ruas a toda a velocidade cantando: "Quando jovem, eu era um menino muito mau, minha mãe percebeu que eu fazia coisas estranhas, como torturar cachorrinhos, gatos e peixinhos. Foi quando ela me falou: - Orin, você tem um dom para machucar os outros, as pessoas vão te pagar para você fazer isso, meu filho: você vai ser um grande sucesso, quando crescer, você vai ser dentista!" Essa cena é do filme A pequena loja dos horrores, que foi adaptado de um musical nos anos 80 e fez muito sucesso na época. O dentista era interpretado por Steve Martin, que, numa outra cena, aparece "machucando" os pacientes no consultório, com instrumentos afiados e cortantes. Além de Steve Martin, os Três Patetas, o Gordo e o Magro, Bob Hope e uma infinidade de outros comediantes brincaram com a imagem do dentista. E a profissão foi lembrada também em filmes que nada têm de engraçado: por exemplo, em Maratona da morte, dos anos 70, o renomado ator Laurence Olivier, no papel de um torturador nazista, fura um dente do personagem interpretado por Dustin Hoffman para obter informações secretas. Pois é, por brincadeira ou não, o fato é que o cinema, os desenhos animados, as revistas e a televisão contribuíram muito para que a profissão fosse sempre associada à dor, criando medo em muita gente - principalmente em crianças. Ora, essa associação fazia sentido muito tempo atrás, quando os problemas dos dentes eram tratados por amadores (barbeiros, por exemplo) e não havia nem os conhecimentos nem os recursos que os dentistas de hoje têm. Mas, apesar de já sabermos trabalhar sem deixar o paciente sofrer, ainda temos de lutar dia a dia para apagar a imagem incômoda e negativa que, sem razão, ainda nos é atribuída. Muitos amigos e pacientes me fazem perguntas interessantes a respeito da minha profissão, como: Você gosta de ser dentista? Quando era criança, você já queria ser dentista? Por que você precisa de tantos instrumentos? Para que serve cada um deles?. Mas às vezes sou surpreendido com perguntas chatas e até um pouco embaraçosas: Você gosta de mexer na boca dos outros? Você não tem nojo da saliva? Você gosta de fazer os outros sofrerem? E é comum a pergunta vir acompanhada do fatídico comentário: Odeio dentista... Eu, para ser sincero, nunca tive medo de dentista. Quando era pequeno, não gostava muito que tratassem minhas cáries, nem gostei muito de usar aparelho, mas medo eu não tinha. Por isso, logicamente, não odiava dentistas - o que não significa que eu sonhasse um dia me tornar um deles... É que a vida dá voltas! Não sou brasileiro. Nasci, cresci e estudei no Uruguai, um país bonito que faz fronteira com o Brasil. Depois de algum tempo de formado, resolvi estudar mais alguns anos para ser odontopediatra, ou seja, um dentista especializado em tratar de crianças e adolescentes. Para mim, evitar que eles se tornassem adultos com medo de dentista seria um bom jeito de contribuir para melhorar a imagem da profissão. Escolhi ser dentista e estou muito feliz com essa escolha. É claro que, como qualquer profissão, a minha não é perfeita, tem seus altos e baixos. Além disso, existem atividades que são melhores para determinadas pessoas, assim como pessoas que são melhores para determinadas atividades. Este livro tem a ver com a vontade de ter uma profissão. Vou contar a vocês o que me levou a ser dentista e algumas coisas interessantes sobre bocas, dentes e... dentistas. Quem sabe, com a leitura, vocês até queiram saber um pouco mais ou até descubram a sua vocação.