A imensa duna de areia branca, com alguns coqueiros espetados, entre a praia e a cidadezinha, escondia um antigo vilarejo. Quando os ventos sopravam mais agitados, descascando a areia do alto da duna, a ponta da torre da antiga igreja se revelava como o mastro de um navio naufragado. A história do lento soterramento, que se estendeu por cerca de dez anos, e da vida deixada para trás acompanhava já duas gerações de moradores nascidos depois do desaparecimento do vilarejo. A areia foi cobrindo tudo até alcançar a torre da igreja, a construção mais alta do lugar. Com o passar do tempo, as lendas e os mistérios em torno do desaparecimento do vilarejo se multiplicaram, ainda mais com o crescimento da nova povoação, a poucas centenas de metros da antiga, que se tornara uma disputada praia de verão. Entre as histórias que circulavam, uma em especial tinha ocupado a imaginação de crianças e adultos já desde os últimos dias do soterramento: a lenda do tesouro perdido. Conta-se que, quando os últimos habitantes, os mais relutantes, deixavam a cidade, já quase totalmente coberta pela duna, um navio naufragou bem próximo da praia, após vários dias de uma tempestade tão furiosa que os moradores chegaram a temer que, além da areia, a água do mar também encobriria tudo por ali. Os destroços do navio foram lançados sobre o cemitério. O mastro ficou enterrado e a âncora, sobre um coqueiro. Alguns cadáveres de marinheiros meio afundados na praia formavam um cenário sinistro, e os moradores evitaram o local durante meses, desistindo até de retirar os pertences que haviam deixado próximo das casas mais afastadas, nas beiradas da duna. A imagem desoladora do naufrágio e dos destroços esparramados sobre os túmulos reforçou a versão de que o vilarejo fora castigado por causa de uma disputa ancestral entre dois grupos devotos de santos diferentes, são Sebastião e são Benedito. A disputa tinha até originado uma festa na qual os "verdes" da terra, devotos de são Benedito, e os "azuis" do mar, devotos de são Sebastião, se enfrentavam em uma dança que simulava o roubo do estandarte com a imagem do santo do grupo adversário. Os "verdes" se fantasiavam com motivos de frutos e animais da região, lembrando os caçadores que se embrenhavam na mata; os "azuis", com peixes e outros seres aquáticos, celebrando os pescadores que saíam para o mar. Moradores mais antigos lembravam uma ou outra vez em que os festeiros se exaltaram com as disputas e a festa acabara em briga. Em geral, uma certa tensão servia para animar a comemoração e pacificar um pouco os ânimos ao longo do ano. Mas, desde que os moradores da vila alta, os "verdes", se desentenderam com os moradores da vila baixa, os "azuis", por causa de uma promessa de casamento não cumprida, a rivalidade foi aumentando até se transformar em um conflito sobre o santo que deveria ser colocado no altar principal da igreja. Volta e meia os santos mudavam de lugar: às vezes um santo saía do altar lateral e ia para o principal sem que o responsável fosse identificado. Quando a areia começou a cobrir a vila, o padre sentenciou que era um castigo e profetizou que a destruição completa viria se os grupos não interrompessem a disputa. Naquele dia, o sino badalou mais forte do que nunca. [...]