Se você é fã de romance e de fantasia, Um encantamento delicado, da autora best-seller do New York Times Allison Saft, vai te encantar. Nesta história envolvente, Niamh, uma talentosa costureira, é convocada para a corte de Avaland para criar o guarda-roupa real do príncipe Kit. Suas peças manifestam seu dom especial: ela consegue confeccionar trajes com as emoções de quem as veste. Só que o ambiente da corte é hostil para alguém vinda de um reino pobre como Machland. E Kit, o príncipe temperamental, não facilita sua vida.
Ainda assim, contra todas as expectativas, algo especial surge entre eles, desafiando o dever do príncipe e as responsabilidades de Niamh com sua família. Será que esse amor tem uma chance em meio às intrigas e obrigações?
* * *
Os criados haviam estocado o ateliê com tudo de que ela poderia precisar e ainda mais um pouco. Havia uma roda de fiar no canto — até um tear — e uma bela mesa de trabalho bem abaixo das janelas salientes. As estantes de livros tinham sido esvaziadas e preenchidas com suntuosos rolos de tecido, tudo muito mais refinado do que ela poderia ter sonhado em comprar.
Ela parou no meio do cômodo com as mãos unidas junto ao peito. Não queria deixar aquele lugar nunca mais. Não podia acreditar que, embora apenas por um mês, tudo aquilo era dela. Ao menos por um mês, ela poderia imaginar que realmente pertencia a um lugar tão belo quanto aquele. Que talvez até mesmo merecesse.
Niamh juntou as saias nas mãos e girou pelo espaço. Ela nunca tinha aprendido a dançar, mas quase podia ouvir o som do quarteto de cordas. O leve um-dois-três dos passos, o toque firme da mão de seu parceiro em sua cintura, e…
— O que você está fazendo?
Ela soltou um gritinho, surpresa. Quando virou na direção da voz, viu Kit parado na porta. Ela largou as saias e se estabilizou antes de pisar na barra.
— Você bateu?
Por um instante, ele apenas ficou olhando para ela. Tinha uma expressão peculiar, algo entre a perplexidade e a irritação.
— Sim. Eu bati.
— Bem, por favor, bata mais forte da próxima vez! — O sangue correu por suas orelhas e seu rosto queimou de vergonha. Era precisamente por isso que ela não podia se entregar a seus voos de fantasia, como sua avó gostava de chamá-los. Sempre que parava para desfrutar alguma coisa, sempre que cedia a seus desejos, algo terrível acontecia. Ela tinha passado muitas tardes desenhando vestidos impraticáveis, que nunca poderiam ser vendidos, ou sonhando acordada enquanto um pão queimava no forno. E agora havia sido pega dançando sozinha pelo homem mais crítico de Avaland. — Você me assustou.
— Você estava perdida em seu próprio mundo. Não sei como isso pode ser minha culpa.
Niamh resistiu ao ímpeto de resmungar alto. Certamente, ele tinha coisas mais importantes para fazer do que zombar dela. Ele tinha sorte por sua voz ser tão bonita quanto seus olhos, ou ninguém o suportaria. Tinha uma aspereza agradável, como a maré sobre uma costa rochosa.
Ela forçou um sorriso educado.
— Como posso ajudá-lo, Vossa Alteza?
— Não me chame assim. Vossa Alteza é meu irmão.
Então ele e Sinclair tinham alguma coisa em comum. Nenhum dos dois se importava muito com títulos ou outras formalidades. Ainda assim, Kit não conseguia esconder sua verdadeira natureza. Todo o orgulho que irradiava dele — o nariz para cima, a expressão desdenhosa em seus lábios — era prova suficiente de sua condição de príncipe.
— Meu lorde, então? — tentou ela.
Ele suspirou, exasperado.
— Apenas Kit.
— Muito bem, meu… — Ela se conteve antes que as lamentáveis palavras meu Kit saíssem de sua boca. Não, era íntimo demais. Ela não poderia chamá-lo pelo primeiro nome, então simplesmente não o chamaria de nada. — Err… desculpe. O que o senhor desejava mesmo?
— Deveriam tirar minhas medidas para um casaco novo. — Ele disse tirar minhas medidas como se fosse um método de tortura e casaco como se fosse um instrumento para esse fim.
De uma vez, a lembrança de seu insulto veio na memória. Prefiro não usar nada no meu casamento do que qualquer coisa para a qual ela sequer tenha olhado. A mágoa formou um nó apertado dentro dela, mas Niamh respirou fundo e se recompôs. Todos mereciam uma segunda chance. Sinclair tinha sugerido isso, a seu modo.
— Mudou de ideia, então? — E ela logo desejou poder devolver as palavras para sua boca. Quis parecer brincalhona, mas todas as suas mágoas se desenrolaram como o fio de um carretel.
Kit endireitou o corpo e estreitou os olhos, desconfiado.
— Em relação a quê?
Você sabe muito bem em relação a quê. Ela engoliu o orgulho ferido. Se ele quisesse acreditar que ela não era nada além de uma tola exibida e fútil, problema dele. Com o sorriso mais doce possível, ela disse:
— Não pretende mais ir nu para o casamento?
— Estou aqui, não estou? — retrucou ele, inabalável, para a decepção dela. — Vamos acabar logo com isso.
— Como desejar, senhor.
Ela ainda não estava tão familiarizada com o novo ateliê, mas não podia ser tão difícil encontrar o que precisava. Niamh abriu as gavetas da mesa de trabalho e ficou desestabilizada ao ver tudo organizado por cor, todas as ferramentas alinhadas em perfeitas fileiras. A pessoa responsável por aquilo era mesmo meticulosa. Seu próprio método de organização era… Bem, ela mesma acreditava que chamá-lo de método seria um delírio.
Depois de procurar por alguns momentos, ela pegou um caderno, colocou um lápis atrás da orelha e pendurou uma fita métrica no pescoço. Kit permaneceu no mesmo lugar onde ela o havia deixado: braços cruzados, no meio da porta, pronto para dar no pé à mínima provocação.
Ela apontou para o espelho.
— Fique aqui, por favor.
Para sua surpresa, ele obedeceu sem reclamar. O príncipe entrou sorrateiramente na sala, como se um dos manequins fosse pular sobre ele, ou um corte de seda colorida pudesse voar da bobina e o estrangular. É certo que ela se sentia nervosa por ficarem tão próximos, com ele olhando-a de cima. Ele era magro e compacto como um lobo durante o inverno e mais baixo do que a maioria dos homens que ela conhecia. Por mais esguio que ele fosse, porém, ela era menor. Havia alguns centímetros de altura entre eles. Aquilo dificultaria as coisas.
— Um momento.
Niamh foi até o canto da sala e arrastou uma banqueta. Desenrolou a fita métrica do pescoço antes de subir nela. Suas pernas vacilaram, e Niamh jurou que viu Kit hesitar, como se pretendesse segurá-la, mas tivesse se contido no último instante. Ela ficou tão surpresa que quase se desequilibrou novamente. Talvez ele ainda tivesse algum instinto de cavalheiro. Ou talvez ela tivesse imaginado toda a cena. Ele olhava para a parede, resoluto, com um músculo de seu maxilar se contraindo.
Os cabelos de Niamh ainda caíam soltos sobre os ombros, então ela os prendeu em um coque. Uma olhada no espelho revelou que ela estava completamente desarrumada, mas não podia se importar com isso naquele momento. Até parece que poderia impressioná-lo, mesmo que tentasse.
Começou a tirar as medidas: a altura, a largura dos ombros, o comprimento do braço… Por algum milagre, o príncipe permitiu que ela o manipulasse como um boneco e ficou com uma expressão apenas um pouco martirizada. Mas ela havia chegado no limite do que era seguro. Seguro. Que ridículo. Ela era uma profissional tarimbada. Ele é que sem dúvida ficaria inquieto e constrangido com o que viria a seguir, então só o avisaria e acabaria logo com aquilo.
— Então… — Um início nada promissor. Ela pigarreou e tentou novamente. — Eu vou precisar chegar um pouco mais perto para as próximas medidas. Se isso o incomodar…
— Apenas faça logo.
— Certo — ela respondeu com uma falsa alegria. — Levante os braços para mim, por favor.
O silêncio se instaurou, terrivelmente. Os braços dela eram curtos demais para poupá-los do desconforto da proximidade. Niamh chegou mais perto dele, até quase pressionar o corpo nas costas dele. O príncipe irradiava calor, e um cheiro de plantas — e tabaco. Se ao menos ela pudesse parar de reparar nele. Nunca em sua vida ela sentiu que se sabotava tanto. Ao passar a fita métrica ao redor do peito dele, ela viu e sentiu seus músculos se contraírem. Quando roçou o cotovelo em suas costas, ele prendeu a respiração. O tecido de sua camisa respirava contra a pele dela e…
— Tem alguma coisa que você queira me dizer? — perguntou Kit.
Sua franqueza praticamente esmagou todos os pensamentos indomáveis dela.
— Hã?
— Você está arisca e estranha desde o momento em que entrei por aquela porta. Se tem algo a me dizer, pode falar.
Arisca e estranha. Ah, como ele ousava? O que restava da paciência dela se esgotou.
— Bem — rebateu lentamente —, já que perguntou com tanta educação, acredito que o senhor poderia considerar se desculpar.
O rosto de Kit relaxou com a surpresa. Ela o viu se recompor peça por peça, e sua expressão se tornou mais sombria ao compreender a situação.
— Desculpe.
“Desculpe”, cuspido como um dente quebrado. Como se ela tivesse extraído uma confissão dele sob tortura. Se ela não estivesse tão furiosa com ele, poderia ter rido.
— É só isso?
Os olhos dele piscaram com uma frustração cheia de rancor.
— O que mais você quer que eu diga?
— Eu não sei. — Seu coração batia com tanta força que ela mal conseguia ouvir as próprias palavras em meio a todo aquele estrondo. Lá no fundo, uma parte de Niamh sabia que deveria desconversar, sorrir ou deixar aquele assunto para lá, que não deveria falar com o príncipe daquela forma. Talvez sua coragem tivesse vindo do fato de que ficaria naquele lugar somente por um período, ou talvez fosse a costureira que havia nela. Niamh nunca conseguia resistir a puxar os fios soltos. — Que o senhor se arrepende de ter chamado meu trabalho de truque?
Ele fixou o olhar na parede atrás dela.
— Eu estava zangado quando disse aquilo.
— Eu estou zangada agora. Meu trabalho… — Sou eu, ela quase confessou. — É uma questão pessoal!
— Não vou me desculpar por não cair aos seus pés de admiração. Não fui eu que pedi que viesse para cá.
— Não foi isso que eu quis dizer. — Sua voz vacilou. Se ela chorasse agora, nunca se perdoaria. — Foi cruel, e o senhor sabe disso.
— Eu sei disso. — Ele se enfureceu. — E pedi desculpas.
E aquele, ela imaginou, era todo o pedido de desculpas que ela poderia esperar dele. Ele devia considerá-la muito pouco mesmo para acreditar que isso era tudo o que ela merecia. Uma garota machlesa, afinal, merecia menos do que nada. No silêncio que se seguiu, o abismo entre eles aumentou ainda mais.
— Preciso terminar minhas medidas. — Foi tudo o que ela conseguiu pensar em dizer.
Ao continuar o trabalho, ela ficou taciturna. Sinclair havia lhe dito que ela seria pega no fogo cruzado da guerra que Kit tivesse escolhido travar. Agora, Niamh conseguia ver nitidamente o campo de batalha, com duas bandeiras vermelhas dos Carmine fincadas na terra. O casamento dele com a infanta Rosa seria uma união por dever, não por amor.
Não fui eu que pedi que viesse para cá.
Estou sob seu comando.
Jack tinha arranjado esse casamento. E, embora Kit tivesse concordado com ele, claramente pretendia irritar a todos até o final infeliz.
De repente, Niamh se sentiu profundamente triste. Ela sempre havia amado o amor. Embora não conseguisse contemplar algo tão cheio de luz e vida, ela ansiava por aquele sentimento. Isso a queimaria como lenha. A vida era muito curta. Ela não podia sobrecarregar alguém com a intimidade daquele conhecimento, que ela carregava consigo desde que notou pela primeira vez seus dedos ficando mortalmente brancos no frio. Mas, embora o amor não fosse para garotas como ela, a romântica desesperançosa dentro dela não podia ser ignorada. Ela não sabia ao certo de onde isso viera. A mitologia machlesa, afinal, não era tão espirituosa e gentil para prometer o amor eterno. Na verdade, aquela de quem recebeu o nome talvez tenha tido o romance mais trágico de todos.
Há muito tempo, a rainha Niamh teve um amante mortal e o levou a seu castelo na Terra da Juventude Eterna, onde a primavera reinava perpetuamente. Ali, nada morria e nada mudava. Depois de muitos anos juntos, o amante ficou com saudade de casa e desejou ver todas as pessoas que havia deixado para trás. Niamh o alertou de que a família e os amigos dele não mais viviam, no entanto sabia que não podia mantê-lo como um prisioneiro. Ela sabia que a solidão dele era mais poderosa do que o amor dos dois.
Com relutância, ela concordou que ele voltasse, mas apenas se prometesse nunca deixar os pés tocarem a terra. Enquanto cavalgava pelo campo, em busca de rostos familiares, ele percebeu que Niamh estava certa. Todos que ele conhecia e todos que já havia amado tinham morrido havia muito tempo. Ao se afastar do vilarejo que costumava chamar de casa, seu cavalo se assustou com um barulho na grama e o derrubou da sela. Assim que tocou o chão, suas centenas de anos tomaram conta dele, e o homem se transformou em um ancião debilitado.
Não havia vantagem em amar coisas frágeis.