Para onde a gente vai depois que morre? Como nascem os bebês? Por que aquela pessoa mora na rua? Para onde vai a comida? Essas são apenas algumas das perguntas que pegam adultos desprevenidos e deixam muitas vezes grandes profissionais, professores e pais sem resposta. Para além de não saber realmente o que responder, há outros fatores que nos deixam sem ação, especialmente quando a questão envolve temas fraturantes, tabus, valores ou assuntos delicados, para os quais não sabemos até que ponto avançar na explicação.
Não é mesmo fácil encontrar o equilíbrio para cada fase, que ganha cada vez mais complexidade e sensibilidade, mas felizmente há algumas dicas e muitos livros para ajudar a abordar ou a ter essas conversas difíceis e a desdobrar a curiosidade das crianças.
No livro Aqui e aqui, que aborda uma importante realidade social, o garoto tenta resolver um mistério que o intriga e sai à procura da resposta
Segundo a professora e neuropsicopedagoga Carolina Corrêa, o diálogo é, ainda, um importante pilar de apoio e prevenção, mas é preciso estar atento a esse processo. “Manter um canal de comunicação acessível e agradável com nossas crianças e adolescentes é fundamental para garantir uma relação saudável nas diferentes fases da vida. Alguns temas às vezes são complexos até mesmo para adultos, por isso, é preciso bom senso sobre o que falar ou não nessa conversa”, alerta.
Quando morre, vira estrelinha mesmo?
A morte com certeza é um dos temas que constam na lista de assuntos delicados. Como explicar de forma natural, sem impressionar nem criar medos? “Conversas sobre a morte, o luto, as perdas precisam acontecer, mas devemos considerar a forma de falar e o momento para abordar o assunto. Geralmente as crianças trazem perguntas baseadas no que vivenciam, no que veem ou ouvem nos espaços que frequentam. Quando não temos certeza da origem da dúvida, vale a pena perguntar para entender o que realmente está causando a curiosidade”, explica Carolina.
Ilustração do livro O pato, a morte e a tulipa, de Wolf Erlbruch, que subverte estereótipos e trata a morte com delicadeza
Ainda, segundo ela, a dica é considerar a idade para trazer uma linguagem apropriada, além de se ater a respostas práticas, evitando tornar o assunto algo muito dramático ou ameaçador.
Na literatura para crianças, o tema não é novo, existe desde o século XVIII, nos contos de fadas, mas o enfoque atual é completamente diferente. Se antes elas continham ensinamentos, com a introdução do conceito de infância e da fragilidade associada à ela, falar de morte na literatura virou um tabu. O tema volta a ter relevância na temática de livros infantis a partir dos anos 1990, muitas vezes com uma perspectiva de consolo.
Meu corpo, minhas regras
A descoberta do corpo humano - e das diferenças anatômicas ou de como os bebês nascem, por exemplo - é um dos processos mais naturais do desenvolvimento e amadurecimento do ser humano. Essa é uma etapa que não deve ser ignorada nem invisibilizada, afinal, é só conhecendo o próprio corpo que se entende situações importantes.
“Por volta dos 5 anos as crianças podem demonstrar comportamentos que indicam a descoberta dos órgãos sexuais e a exploração do corpo, cujo único objetivo é obter uma experiência sensorial que nada tem a ver com erotismo ou atos sexuais. Ao perceber que a criança está nessa fase, é importante respeitar a etapa sem fazer julgamentos ou recriminar algo que é natural e precisa apenas ser orientado, no sentido de esclarecer que trata-se de um comportamento íntimo de conhecimento do próprio corpo mas, que não é adequado fazê-lo em qualquer lugar”.
Em Corpo, corpinho, corpão, a menina vai descobrindo para que serve cada parte de seu corpo
Segundo Carolina, ao naturalizar e evitar confusão por meio de invenção de histórias, permite-se o acesso a informações que podem auxiliar na prevenção de abusos, por exemplo.
LEIA MAIS: A importância da consciência corporal para as crianças
Por que a gente tem casa e essa criança não?
As questões sociais apresentam muitas camadas, que até mesmo para os adultos são complexas. Imagina responder a um pequeno curioso. A complexidade da sociedade envolve não só sensibilidade, mas, sobretudo, bom senso. “Falar sobre aspectos sociais exige muito bom senso, de forma a esclarecer apenas o que foi perguntado. É preciso evitar palestras sobre o tema, uma vez que é possível preservar determinadas reações sem trazer um grau de complexidade desnecessário”, diz a psicopedagoga.
Ainda, segundo ela, uma das formas de abordar o assunto é incentivar ações positivas, que estimulam o entendimento de que pequenos gestos são importantes na construção de uma sociedade mais justa e feliz.
LEIA MAIS: Precisamos falar sobre desigualdade social com as crianças
O corpo humano e suas possibilidades
Processos complexos que envolvem uma das máquinas mais perfeitas do mundo: o corpo humano. Nem sempre é fácil explicar aos pequenos sobre o funcionamento do corpo, que realiza coisas surpreendentes e que precisa de cuidado e respeito.
“Quando conversamos sobre o funcionamento desse corpo utilizando uma linguagem acessível e verdadeira, temos a chance de ensinar hábitos saudáveis e o cuidado para a manutenção da saúde. Para ajudar, recomendamos o uso de livros, desenhos ou vídeos ilustrados para facilitar o diálogo”, reforça Carolina.
Para os mais crescidos e muito curiosos, Como funciona o incrível corpo humano promete não deixar nenhuma pergunta sem resposta
Senso crítico e respeito à natureza
A natureza é uma das experiências mais instigantes para os pequenos. Quem nunca viu a admiração de uma criança ao olhar uma formiga carregando alimentos, ou ainda, admirou por horas o mar imaginando diversas possibilidades? “A curiosidade das crianças é algo saudável e necessário para construir saberes, estimular hipóteses, desenvolver senso crítico, etc. Por isso, é importante sempre tratar os assuntos da natureza de forma séria e sem perder a naturalidade e a segurança ao transmitir as informações”, garante ela.
LEIA MAIS: O futuro das crianças (e da humanidade) é ancestral e acontece agora
Mas, e quando eu não sei as respostas?
Ninguém sabe tudo e, como disse a psicopedagoga, muitos temas são complexos até mesmo para os adultos. Quando isso acontecer, é importante, de novo ser sincero com as crianças e jovens, mostrando que o conhecimento sobre a vida, o corpo, a sociedade, é infinito, e que quanto mais se aprende, mais se questiona.
Uma das formas de trabalhar temas sensíveis com as crianças, é oferecer a ela repertório diversificado. Consumir arte, cultura, entretenimento qualificado com certeza é um dos caminhos para promover cidadãos críticos e conscientes da diversidade e da pluralidade da sociedade. É preciso estimular a formação de um senso crítico para que cada vez mais tenhamos pessoas com bom senso, e isso deve iniciar na infância.
Pensando nisso, separamos alguns livros que poderão ajudar a abordar estes temas, que exigem reflexão e sensibilidade.
Livros que tratam sobre temas delicados e podem ajudar nas conversas difíceis
LIVROS SOBRE MORTE
O Pato, a morte e a tulipa (2023), de Wolf Erlbruch
O livro do famoso autor e ilustrador alemão, publicado originalmente em 2007, já chega com honraria de clássicos da literatura. Na história, um pato se dá conta da presença da morte atrás dele. Mas, de repente, tudo muda e os dois aprendem a desfrutar da companhia um do outro, abordando de maneira tão sensível – como uma tulipa – os momentos delicados que cercam o fim de uma vida. Além de todo o lirismo da narrativa, o livro traz uma perspectiva diferente para a morte, fazendo o leitor olhar para ela sem tanto medo e com certo grau de humanização.
A costura (2023), de Isol
Este é outro lançamento de 2023 que conta a história de Lila, uma menina sonhadora e distraída, que perde tudo. Lila imagina que as coisas somem em um buraco, a quem ela chama de Lado de Trás do bordado da vida. A menina então se propõe a fechar esses buracos, costurando-os, e impedindo que coisas e pessoas sumam de sua vida. Mas ela descobre que essa também não é uma solução, já que os dois lados da vida precisam se comunicar. O livro faz parte de um projeto que reconta a história da arte palestina e os bordados são inspirados nos bordados tradicionais da cultura palestina.
A morte da lagarta (2022), de André Rodrigues, Larissa Ribeiro, Paula Desgualdo e Pedro Markun
A lagarta, amiga muito querida e presente no dia a dia de todos, morreu. E é essa a história que vai conduzir a obra, que fala de um assunto do qual dificilmente estamos preparados: a morte de uma pessoa querida. Por meio das perguntas dos amigos da lagarta, o livro propõe uma reflexão sobre a morte e como ela se relaciona com a vida, com a natureza e com os nossos sentimentos. Sem dar respostas, a obra passeia por todas as explicações possíveis para o pós-morte, e dialoga com diferentes crenças ou possibilidades, sem tomar partido por nenhuma.
Pode chorar coração, mas fique inteiro (2020), de Glenn Ringtved e Charlotte Pardi
O livro fala sobre a importância e a beleza da despedida das pessoas que amamos. E quem conduz a história são quatro crianças que conhecem a Morte quando ela visita a casa da avó. A figura antes assustadora se mostra uma gentil admiradora da vida e trabalha de forma poética a chegada inevitável do fim da vida. Como diz o título, o livro acolhe a tristeza e o luto, mas fala da importância de seguirmos em frente.
O caderno de Liliana (2011), de Livia Garcia-Roza e Taline Schubach
O livro conta a história de uma criança que, de repente, se vê sem a mãe. E, por meio de escritos, a menina vai colocando para fora suas angústias, percepções, histórias, questionamentos e, com isso, reorganiza seus sentimentos - por meio de seus escritos, ela conversa com a mãe. A história ainda tem pitadas de humor e reforça que o processo de luto inclui cotidianidades, crescimento e novas experiências.
LIVROS SOBRE CRESCIMENTO E DIVERSIDADE
Loba (2023), de Roberta Malta e Paula Schiavon
Este livro conta a história de uma menina que, a pedido da mãe, vai levar flores para sua avó. Isso mesmo, Loba cria uma alegoria sobre as representações do feminino em suas múltiplas camadas, inspirada no clássico da Chapeuzinho Vermelho. Fala sobre meninas que buscam crescimento, força interior e assumir riscos, questionando o estigma da culpabilização das mulheres presente em muitas histórias.
Ser o que se é (2022), de Daniel Kondo e Pedroca Monteiro
Um livro interativo que possibilita ao leitor enxergar as diferenças e imaginar novas possibilidades quando se respeita habilidades e interesses diversificados. Contando a história de uma turma em que cada um tem um interesse – música, canto, dança –, a obra mostra que diferenças podem unir - e, de forma divertida, ainda é possível “misturar” personagens.
Menino, menina (2021), de Joana Estrela
Esta é uma obra poética, que se dedica a enaltecer a multiplicidade de indivíduos por meio da exploração das cores e tons e do questionamento de rótulos e etiquetas redutoras, que apenas existem em um mundo preto e branco. Registro realizado em forma de rimas e paralelismos apresentados de modo simples, que estimulam o respeito e a empatia para todos com humor e sensibilidade.
Princesa Kevin (2020), de Michaël Escoffier e Roland Garrigue
Kevin quer ir vestido de princesa para a escola. E qual o mal nisso? Essa é uma história para pequenos e grandes leitores e mostra a coragem, criatividade e irreverência de um menino que no dia da fantasia da escola decide ir de princesa, pois o importante é estar bem consigo mesmo.
LIVROS SOBRE QUESTÕES SOCIAIS
Aqui e aqui (2023), de Caio Zero
Todas as noites, um menino vai dormir na própria cama, mas acorda na casa da vizinha. E é tentando desvendar esse mistério que o livro retrata de forma muito única a curiosidade e o encanto típicos da infância, com um pano de fundo de uma realidade social pouco representada nos livros infantis. Um livro que traz descobertas valiosas e que, muitas vezes, transformam para sempre.
Óculos de cor (2022), de Lilia Moritz Schwarcz
O livro conta a jornada de Alvo e Ebony, duas crianças que, ao se conhecerem começam a perceber que é possível se colocar no lugar do outro e ver e enxergar além da nossa própria existência e com muito mais cores. Uma excelente história para falar de diversidade e do quanto é preciso falar das diferenças e entender a branquitude para então lutar por mais justiça e pelo fim da desigualdade.
A melhor mãe do mundo (2022), de Nina Rizzi e Veridiana Scarpelli
A melhor mãe do mundo é a minha! Quem é que discorda? Este livro cheio de afeto e delicadeza conta a história de uma criança explicando o que torna a sua genitora uma boa mãe e o quanto o amor é o que realmente importa - na história, o leitor descobre somente no final que a mãe do menino está encarcerada. O livro reforça o quanto certas relações são fundamentais para manter a esperança na vida.
Os invisíveis (2021), de Tino Freitas e Odilon Moraes
Um menino com um superpoder especial: ver pessoas invisíveis. Uma narrativa em que palavras e imagens se complementam e surpreendem, trazendo a necessidade de se olhar para o cotidiano e refletir sobre a realidade, muitas vezes invisibilizada pelos adultos. E quando o menino cresce? Será que seu superpoder também desaparece?
Da minha janela (2019), de Otávio Júnior e Vanina Starkoff
Abrir a janela pode parecer simples, mas o quanto de coisas podemos descobrir ao darmos atenção àquilo que se vê? O livro, vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria infantil, traz uma narrativa sensível e ilustrações cheias de vida e movimento na comunidade e faz um convite para abrir a janela e olhar para as cores, traços, gestos, objetos e bichos, entendendo que todos podem ensinar algo.
LIVROS SOBRE O CORPO HUMANO
Corpo, corpinho, corpão (2023), de Mey Clerici e Ivanke
Uma obra interativa que mostra, por meio da apresentação da família de uma menina animada e divertida, como os corpos são diferentes, vão se modificando ao longo da vida e carregam histórias pessoais. Ainda, ao final da obra, é possível brincar e aprender sobre o corpo em fase de crescimento.
Como funciona o incrível corpo humano (2022), de Richard Walker e Lisa Swerling e Ralph Lazar
O livro conta as grandes ideias dos Ideias-Brilhantes, pessoas pequenininhas que traçam um panorama leve e informativo sobre os mais diversos aspectos do corpo humano. Anatomia, DNA, processo digestivo, sangue e muitos outros assuntos são explicados por textos curtos e envolventes que mostram a máquina que o corpo humano é.
Samira e os esqueletos (2022), de Camilla Kuhn
Depois de uma aula sobre anatomia do corpo, Samira passa a enxergar todos como um esqueleto. Com isso, passa a evitar seus colegas mas, ainda assim, se enxerga cheia de ossos. Com a ajuda da mãe, a menina passa a entender que isso não é nada ruim. Indicado para leitores a partir de 6 anos.
Eu sou assim e vou te mostrar (2017), de Heinz Janisch e Birgit Antoni
Um livro com texto rimado e muita diversão que apresenta o corpo humano aos pequenos leitores. Por meio de um paralelo com os animais, ressalta diferenças e semelhanças de todos, mostrando que cada um é especial à sua maneira.
É assim que eu sou (2011), de Pierre Winters e Eline van Lindenhuizen
Você quer saber tudo sobre seu corpo por dentro e por fora? Neste livro, você terá muitas informações sobre as partes que o compõem. Onde fica o nariz? O que podemos fazer com os braços e as pernas? Para essas e muitas outras dúvidas, o leitor terá respostas e se transformará em um sabe-tudo.
LIVROS SOBRE NATUREZA E ESPAÇO
As maravilhas da água (2023), de Philip Bunting
Uma obra informativa, que explora de diferentes ângulos toda a nossa conexão com a água. Um livro para ser tomado de um gole só e que valoriza, por meio de uma linguagem divertida, um dos mais importantes bens naturais. O lançamento de 2023 mostra os mais variados estados da água e que cada molécula carrega uma história. Indicado para leitores a partir de 6 anos.
Implacáveis: como nós conquistamos o mundo (2022), de Yuval Noah Harari
O consagrado autor de Sapiens, Yuval Noah Harari, apresenta para os jovens a história da humanidade, a aventura mais fantástica de todos os tempos. Um convite para que os jovens consigam ter ideia da resposta de famosas perguntas como: de onde viemos? Para onde vamos? Quem somos nós? Questões complexas abordadas com linguagem simples.
Árvores geniais (2022), de Philip Bunting
Como o próprio título informa, a obra mostra o quanto as árvores são geniais, trazendo informações curiosas e surpreendentes de forma muito divertida sobre a vegetação. O livro explica processos como a fotossíntese, além de mostrar a importância das plantas na nossa vida. Foi eleito um dos melhores livros infantis em 2022 pelo Children’s Book Council da Austrália.
Preciso de espaço! (2022), de Philip Bunting
O livro conta a história da Uma, uma menina esperta e fascinada pelo espaço que constrói um traje espacial e um foguete e, numa viagem intergaláctica, descobre a principal missão dos homens: preservar o planeta Terra.
Como eu cheguei aqui? (2020), de Philip Bunting
De forma simples e graciosa, o livro reconta a trajetória da humanidade desde o Big Bang até os dias atuais. O leitor, que também faz as vezes de personagem, descobre que todos têm a mesma origem e que devem se unir para preservar a espécie e o planeta.