A alemã Susanne Strasser é uma das principais autoras infantis contemporâneas e se consagrou como referência de obras para a primeira infância ao narrar contos acumulativos com plot twists surpreendentes. Uma fórmula que se tornou uma espécie de assinatura de seu trabalho. Mas nem ela poderia imaginar quão longe essa encantada estrutura narrativa de livros para bebês e crianças pequenas poderia levá-la. "Não planejei nada disso, foi uma abordagem muito intuitiva.”, revela a autora em entrevista ao Blog Letrinhas.
O guaxinim ajuda os amigos a deixarem as roupas bem limpinhas no mais novo lançamento de Susanne Strasser: Oi, guaxinim, pode lavar pra mim? (Companhia das Letrinhas, 2024)
Seu primeiro livro nesse formato foi Bem lá no alto (Companhia das Letrinhas, 2016), uma história escrita para seu filho, Alexandre. Depois, vieram: Muito cansado e bem acordado (Companhia das Letrinhas, 2017), Baleia na banheira (Companhia das Letrinhas, 2020), A raposa vai de carro (Companhia das Letrinhas, 2022), Posso ficar no meio? (Companhia das Letrinhas, 2022) e, mais recentemente, A sopa está pronta! (Companhia das Letrinhas, 2024) e Oi, guaxinim, pode lavar para mim? (Companhia das Letrinhas, 2024).
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A inspiração para A sopa está pronta! nada tem a ver com a sopa favorita da autora - que é a de tomates que sua mãe prepara - nem com a beleza de cozinhar e compartilhar uma refeição em família. Foi mais sobre a experiência de preparar comidinhas de lama na caixa de areia, algo que fez parte da infância de Susanne. "Quando eu era criança, adorava misturar galhos, folhas e areia com água fazia, sopas de lama e fingia que cozinhava", conta. Na história, a hora do almoço se aproxima - e cada personagem vai trazendo ingredientes para jogar na panela.
Já em Oi, guaxinim, pode lavar pra mim?, a ideia era pensar em um conto acumulativo com peças de roupas simples, que têm a ver com a rotina e o vocabulário das crianças pequenas. Foi procurando animais que pudessem participar da brincadeira que a autora encontrou o guaxinim - e aproveitou o trocadilho. Em alemão, guaxinim se traduz como Waschbär, que quer dizer "urso lavador". Mas a brincadeira vai ainda mais longe. O título da obra em alemão é Waschbär wäscht Wäsche, que acaba formando "uma grande aliteração", como explica a autora - ou um belo trava-línguas. Os termos traduzidos significam:
Waschbär = guaxinim
wäscht = está lavando
Wäsche = a roupa
Susanne Strasser com leitores-fãs em sua passagem pelo Brasil
Susanne tem obras traduzidas para mais de 20 idiomas e considera “uma benção e uma maldição” ter criado essa espécie de assinatura autoral, que aconteceu meio por acaso. Ela já foi destaque na Bienal de Ilustrações de Bratislava e recebeu reconhecimentos importantes por suas publicações. Hoje vive em Munique, Alemanha, junto com seus dois filhos, Alexander, 14, e David, 11.
A autora esteve no Brasil recentemente. Visitou Pomerode (SC), um município de origem alemã localizado no vale do Itajaí, e participou da FLIPomerode, o Festival Literário Internacional de Pomerode . Ela passou também por São Paulo, onde marcou presença na Bienal do Livro, visitou a Casa Cosmos e pôde vivenciar um pouco da cena literária brasileira. Ao voltar de viagem, Susanne conversou com o Blog Letrinhas sobre as dores e delícias de ter encontrado um formato de livro que se tornou um fenômeno para a primeira infancia, seus últimos lançamentos no Brasil, seu processo criativo e as inspirações para suas obras.
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Confira a entrevista com Susanne Strasser
Blog Letrinhas: Este ano você passou pelo Brasil, visitando duas localidades bem diferentes: Pomerode (SC) e São Paulo (SP). Quais foram suas impressões de cada uma?
Susanne Strasser: Primeiro de tudo, gostaria de enfatizar que não importa em qual dos dois lugares, Pomerode ou São Paulo, as pessoas foram incrivelmente gentis e calorosas comigo. Fui recebida de braços abertos! A cordialidade e a hospitalidade do povo brasileiro, o entusiasmo de vocês, foi o melhor de toda a viagem. Sou muito grata por esta experiência maravilhosa e gostaria de agradecer ao Festival Literário Internacional de Pomerode e à Companhia das Letrinhas pelo convite.
Pomerode é uma cidade menor cercada por muito verde. Lembro que fiquei muito surpresa ao ler todos aqueles nomes de ruas alemãs e ver as influências alemãs por todo o lado. Foi um tanto surreal viajar a milhares de quilômetros de Munique e me encontrar em um café chamado “Tortenparadies” ["Paraíso dos Bolos", em tradução livre. É o nome também de uma rede de confeitarias em Munique]. Mas os bolos eram muito bons! O FLIPomerode, o festival literário de lá, foi muito bem organizado, o público foi incrível e as pessoas fizeram um trabalho muito profissional para fazer um evento desses nessa região do Brasil.
São Paulo é enorme se comparada às cidades que conheço da Alemanha. Só pude ver um pouco! Mas acompanhada da Gabriela [Tonelli, editora das Companhias das Letrinhas], melhor guia de turismo de todos os tempos, conheci os lugares mais lindos de São Paulo e participei de eventos maravilhosos de leitura. No entanto, estou bem consciente do abismo entre ricos e pobres, o que é óbvio! Isso me torna humilde e grata pelas oportunidades que me foram dadas.
Susanne Strasser na Bienal do Livro de São Paulo com a editora Gabriela Tonelli
Blog Letrinhas: Você consome livros infantis brasileiros? Quais são os autores que você admira e por quê?
Susanne Strasser: Que vergonha, meu primeiro contato real com os livros infantis brasileiros foi só agora durante minha viagem ao Brasil! Infelizmente, não falo português e não tenho certeza de quantos livros brasileiros chegam traduzidos ao mercado alemão de livros infantis. Tive a grande sorte de conhecer colegas brasileiros maravilhosos e inspiradores como Renato Moriconi e Marcelo Tolentino, para citar apenas dois.
Blog Letrinhas: Os contos acumulativos com animais (e com a criança!) tornaram-se uma espécie de assinatura do seu trabalho. Essa fórmula ajuda ou atrapalha quando você começa a pensar em um novo livro?
Susanne Strasser: É uma bênção e uma maldição. Bem lá no alto (Companhia das Letrinhas, 2026) foi o primeiro livro desse tipo, com esse padrão acumulativo, um enredo crescente, o texto onomatopeico e a criança. Não planejei nada disso, foi uma abordagem muito intuitiva. Eu só queria criar um livro para meu filho Alexander. Isso foi há mais de 10 anos e agora essas obras estão traduzidas para quase 20 idiomas. Quem poderia ter previsto isso?
Hoje, é claro que a abordagem é diferente. Existe uma estrutura muito familiar, que as pessoas conhecem e as crianças adoram, é o que, de alguma forma, esperam dos meus livros infantis. A estrutura é uma espécie de assinatura e os livros viraram uma série.
Os elementos dessas histórias são como os ingredientes de uma receita. Eles estão definidos, e eu os aproveito e tento reorganizá-los em uma história divertida e sempre surpreendente para os menores. Às vezes é mais fácil, outras vezes, não.
Blog Letrinhas: Você pensa em explorar outros formatos?
SusanneStrasser: Em primeiro lugar, sou ilustradora e ainda ilustro histórias de outros autores. Portanto, estou explorando outros formatos o tempo todo. Ilustro livros ilustrados, livros infantis, poemas, antologias de poesia… Me considero uma contadora de histórias, seja com imagens, seja com palavras.
Como autora acabei de escrever (e ilustrar) uma pequena história em rimas para Pixi, uma marca da editora alemã Carlsen. E há alguns anos escrevi um livro ilustrado para crianças mais velhas que se tornou um filme live-action.
Mas ainda tenho coisas na gaveta... e quem sabe um dia escreverei uma história mais longa para crianças maiores. No momento, ainda me divirto com meus livros infantis e com muitos outros tópicos temas que precisam ser contados.
O que tem para o almoço? Sopa! Ilustração de A sopa está pronta (Companhia das Letrinhas, 2024)
Blog Letrinhas: E como começa o seu processo de criação?
Susanne Strasser: Meu ponto de partida para os meus livros infantis é sempre o horizonte de experiência de uma criança de 2 anos. O que é importante para as crianças desta idade? O que elas experimentam? Com que assuntos eles estão lidando e o que já podem fazer e entender?
E embrulho tudo isso em uma pequena história divertida.
Normalmente, começo a escrever primeiro (no meu computador) e depois faço esboços rápidos à mão com lápis para ver se as coisas que tenho em mente funcionam visualmente. Às vezes é o contrário, e o meu ponto de partida é uma imagem, um esboço. Normalmente escrever, desenhar, pensar (pensar muito!), tudo isso anda de mãos dadas, é um processo fluido.
Eu desenho um storyboard rascunhado que também contém o texto para discutir o enredo com meu editor e ver como ele se desenvolve em 12 páginas duplas. Discutimos muito e pensamos de novo e de novo. Cada palavrinha é cuidadosamente escolhida.
Depois, desenho os animais (e as cenas) da história propriamente ditas. E mais tarde, começo a fazer as monotipias [uma técnica de gravação que resulta em uma impressão única], pois os contornos pretos dos livros não são apenas desenhos, mas monotipias feitas à mão.
Essas impressões em preto e branco (cerca de 70 folhas A4) eu digitalizo, organizo como páginas espelhadas e pinto digitalmente com o Photoshop.
Blog Letrinhas: Gênero é um assunto que tem sido exaustivamente discutido no Brasil ultimamente. Nos seus livros, “a criança” não tem gênero - foi algo intencional?
Sim, isso é intencional. Mas publiquei o meu primeiro livro desse tipo, que é Bem lá no alto, há 10 anos. Naquela época, gênero não era uma questão tão importante na Alemanha - ou em qualquer outro lugar - como é hoje.
Eu simplesmente queria criar um personagem humano que pudesse ser uma figura de identificação para todas as crianças. E que fosse, portanto, “neutro em termos de gênero”, sem ter um nome, como os diferentes animais nos livros, que só são nomeados de acordo com sua espécie. Naquela época, eu não poderia ter percebido que estava à frente do meu tempo.
Os livros infantis são sempre documentos contemporâneos e refletem questões ou tendências sociais. Gênero e também diversidade são temas importantes que hoje se refletem nos livros infantis alemães. Acho que isso é certo e importante, desde que não se torne restrito e artificial ou um meio para um fim, sem fazer sentido para a história.
Blog Letrinhas: Você contou em uma entrevista passada, que seus filhos inspiraram Posso ficar no meio? Há mais algum livro que surgiu da sua experiência como mãe?
Muito cansado e bem acordado também foi inspirado por nossa vida familiar. Meu segundo filho, David (o livro é dedicado a ele), aos três anos de idade, tinha as ideias mais criativas sobre por que ele não poderia ir para a cama na hora de dormir, e foi assim que surgiu a ideia deste livro.
Blog Letrinhas: E a inspiração para seus dois últimos lançamentos, qual foi?
A sopa está pronta! é sobre preparar e compartilhar comida junto, comer em comunidade… Mas a ideia original deriva das poções mágicas e sopas de mentirinha que as crianças misturam na caixa de areia. Quando eu era criança, adorava misturar galhos, folhas e areia com água fazia sopas de lama e fingia que cozinhava!
Com Oi, guaxinim, pode lavar pra mim?, queria criar um livro com peças de roupa simples e os primeiros termos para roupas como calças, saia, chapéu... pois isso é algo com que as crianças pequenas lidam todos os dias e vem diretamente do seu dia a dia. Procurei protagonistas animais que se enquadrassem nessa ideia e me deparei com o guaxinim (em alemão Waschbär = urso lavador). E como lavar e brincar com água também é um tema familiar para crianças pequenas, assim como as cores, tentei colocar tudo isso junto em uma história!
Blog Letrinhas: A maternidade foi seu primeiro estímulo para escrever histórias. Seus filhos ainda participam dos seus processos de criação?
Susanne Strasser: Sim, eles fizeram e fazem parte dos meus processos de criação. Quando eles eram muito mais novos, testei os livros com eles. Uma vez até mudei o final de um livro, Baleia na banheira, porque ambos acharam que o final não era convincente [Susanne conta mais sobre o episódio nesta entrevista]. Eles estavam certos! Agora eles têm 14 e 11 anos, são muitos grandes para o público-alvo, mas ambos são muito criativos, então sempre peço a opinião deles.
(Texto: Naíma Saleh)
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