Por que os quadrinhos são importantes para a autonomia leitora?

11/03/2022

As histórias em quadrinhos são um tipo de texto que tem muito apelo entre as crianças. É comum que sejam carregadas de humor, como é o caso das séries do Capitão Cueca e do Homem-Cão, de Dav Pilkey. Esse recurso, somado às ilustrações, ao texto curto, à linguagem coloquial, ao uso de balões para representar a fala e ao recurso das onomatopeias, dá origem a um gênero que pode ser um grande aliado para que os pequenos leitores desenvolvam sua autonomia leitora.

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Volume mais recente do Homem-Cão, o herói que é um sucesso entre as crianças

Primeiramente, pelo simples fato de que as crianças gostam de ler quadrinhos, então a aproximação é quase garantida. A educadora e mediadora de leitura Celinha Nascimento aponta algumas características do gênero que contribuem para que a criança passe a ler sozinha, como “a aliança entre texto e imagem, em que a imagem auxilia a leitura, as onomatopeias também, o próprio encadeamento de ações, as cores”. 

O formato também pode funcionar como porta de entrada para os clássicos da literatura, como George Orwell, Guimarães Rosa, Machado de Assis, entre muitos outros, que já têm diversas adaptações para os quadrinhos. "Não são todos bons, algumas adaptações não dão certo e empobrecem a obra, mas algumas são incríveis. É um exercício de síntese e de narrativa muito bacana. A criança pode ler quando pequena a adaptação e, quando crescer, lê o livro original", defende Celinha.

As histórias da menina mais forte do mundo, Píppi Meailonga, adaptadas para os quadrinhos

No caso da literatura infantil, um clássico que foi adaptado para os quadrinhos pela própria autora é Píppi Meialonga. Astrid Lindgren selecionou algumas histórias da menina e, com ilustrações de Ingrid Vang Nyman, criou Píppi Meialonga vai ao circo e outras histórias em quadrinhos, que acaba de ser lançado pela Companhia das Letrinhas.

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Um gênero que nasceu para adultos

Ela lembra que os quadrinhos nasceram como um formato adulto, muito ligado à crítica social, o que teve início, no Brasil, com Angelo Agostini no século 19 e segue até hoje com cartunistas como Laerte e Angeli.  A autora e pesquisadora de livros infantis Ana Garralón, em seu livro Ler e saber (Pulo do gato, 2017), vai mais longe e explica que o "uso de imagens em sequência é tão antigo quanto a humanidade: desenhos de cavernas pré-históricas, vasilhas egípcias com hieróglifos pintados ou livros manuscritos em que o símbolo e o signo figurado serviam para relatar algum acontecimento". 

Noite vira dia, do premiado quadrinista norte-americano Richard McGuire

Como o conhecemos hoje, “o quadrinho é um exercício de síntese com a palavra e com a imagem e pede que o leitor se aproprie de outras questões, que preste atenção a outros detalhes e tenha outros conhecimentos do mundo para entendê-lo”, explica Celinha. A aparência de simplicidade, que se obtém por pouco texto e desenhos, condensa mensagens sofisticadas, que exigem do leitor outras competências, como a leitura de expressões dos personagens, de ironias, de enquadramentos, de perspectiva e de distribuição dos elementos gráficos na página.

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Uma das ferramentas para desenvolver a autonomia leitora

“Se a gente pensa em apresentar quadrinhos mais simples, nos quais essa síntese é mais tranquila de acessar, eu posso pensar que as crianças vão aprender a ler sozinhas. Quando a gente pensa nos gibis - e hoje a gente nem usa mais essa palavra -, quantas crianças adoravam ler Mônica, Cebolinha, Pato Donald. Havia muitas em que não havia texto, só a sequência de imagens me dava uma história. E também as onomatopeias, tão importantes para as crianças brincarem com o texto”.

É o caso, por exemplo, da série O Elefante e a Porquinha, que não têm os quadrinhos propriamente, mas apresenta diversos recursos do gênero, como as falas curtas em balões, ilustrações e personagens muito expressivos, além do humor. São livros que inclusive podem ser uma porta de entrada para o gênero e, de acordo com o autor, há muitos relatos de crianças que dizem que seus livros foram os primeiros que conseguiram ler sozinhas.

Série de Mo Willems traz elementos da linguagem dos quadrinhos para as crianças

Celinha lembra também dos trabalhos do início da carreira da Eva Furnari. “Aquela bruxinha era muito minimalista, só a carinha dela dava toda a dica pro leitor do que acontecia nos quadrinhos”, comenta.

Ela esclarece que os quadrinhos são esses textos mais simples e mais curtos que ajudam as crianças a ler sozinhas como um dos gêneros que, associados, são essenciais para se obter a autonomia leitora. “Todos os gêneros do discurso são importantes para a autonomia leitora: um poema, um conto, uma notícia. São vários formatos de texto que exigem do leitor aprendizados diferentes. Os quadrinhos são uma das ferramentas para se obter autonomia leitora”, diz Celinha.

Ela propõe que as crianças sejam apresentadas a uma quantidade de gêneros bem variada. “Quanto maior a diversidade de textos, para que possam manusear e para que façam pequenos mergulhos, maior será a autonomia. Esses gêneros se associam uns aos outros para fazer com que as crianças circulem entre tantas maneiras de pensar a palavra escrita, isso é importante”, argumenta Celinha.

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A função social e informativa dos quadrinhos

A especialista traz ainda outro uso do formato que tem muito apelo: a produção de quadrinhos com a função de levar um recado que é importante para as crianças, sobre a questão ambiental, sobre a covid, sobre saúde, sobre economia de água, sobre tomar banho. “É uma produção muito grande para essa função um pouco didática e social, e não tem importância, isso não é uma perda, é um ganho. Eles têm um apelo para esse uso, e as crianças ganham porque têm a chance de ter contato com esses textos.”

Tayó conversa sobre temas como racismo e machismo nestas tirinhas de Kiusam de Oliveira

Em geral, os quadrinhos com essa função vêm em panfletos e livretos de empresas e governos, por exemplo, mas é também o caso do livro Tayó em quadrinhos, em que a autora Kiusam de Oliveira usa a linguagem direta do formato para informar e conscientizar as crianças sobre racismo, machismo, ancestralidade, autoestima etc.

Por fim, mas ainda muito importante, as crianças também gostam muito de histórias em quadrinhos porque, além da leitura mais independente, elas oferecem a oportunidade de produzir. “É um gênero pelo qual elas podem se aventurar como autoras, fazer suas incursões com quadrinhos pequenos, de pouco encadeamento de ações. É muito legal um gênero que as crianças podem produzir e se ver como produtoras de texto”, finaliza Celinha.

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