Quais serão os desafios do futuro para as crianças de hoje?

19/09/2022

Vivemos um momento de mudanças exponenciais nas relações humanas, na forma como trabalhamos e no modo como habitamos o planeta. A tecnologia e o nosso modelo de consumo e sociedade acelerou essas transformações a um ritmo tão veloz que fica complicado traçar planos do que vem pela frente. O certo é que já enfrentamos uma crise ambiental e climática que põe em risco esse futuro já tão cheio de incertezas. Nesse cenário, como criar crianças preparadas para o mundo que virá? O que realmente importará que elas saibam?

Segundo o Unicef, um bilhão de crianças (ou seja, quase metade de todas as meninas e meninos que vivem no mundo) estão extremamente expostas aos impactos da crise climática, e em breve essa realidade pode afetar todas elas. O mundo profissional como conhecemos também vai ser completamente outro. Uma pesquisa de 2017 realizada pela Dell Technologies e pelo Institute for the Future (IFTF) apontou que 85% das profissões de 2030 ainda não tinham sido criadas naquele ano – e isso antes da pandemia de covid-19, que acelerou ainda mais alguns processos e aprofundou as desigualdades educacionais no Brasil.

A humanidade já testou e comprovou sua resiliência e capacidade de encontrar soluções para problemas enormes, graças à habilidade de imaginar o que não existe, criando narrativas, e de cooperar em grandes grupos, como bem explica o filósofo, historiador e escritor Yuval Noah Harari em seu novo livro Implacáveis: como nós conquistamos o mundo (vol.1).

Autor dos best-sellers Sapiens: uma breve História da Humanidade, Homo Deus: uma breve história do amanhã e 21 lições para o futuro, ele apresenta agora ao público infantojuvenil a história do nosso passado como espécie e o que podemos esperar do futuro, numa série que terá quatro volumes. Com uma narrativa saborosa e ilustrada, o primeiro livro aborda a impressionante trajetória do Homo sapiens até se tornar a única espécie humana do planeta e o único animal capaz de causar transformações gigantescas.

 

F(s)omos implacáveis

E como isso foi possível? Segundo Harari, graças a um superpoder, que nenhum outro animal desenvolveu. E, como diz o autor, ele pode até parecer bem singelo à primeira vista, mas nos trouxe até aqui: nossa capacidade de inventar histórias sobre coisas que não existem, que não podem ser vistas nem sentidas fisicamente.

Foi esse recurso cognitivo que permitiu ao Sapiens mobilizar grupos muito grandes para conseguir feitos grandiosos, que não seriam possíveis com poucas pessoas, como a extinção de grandes animais. Mesmo sendo mais fraco, mais lento e menor que os mastodontes e os mamutes, por exemplo, o sapiens conseguia mobilizar outros sapiens com o argumento de que um desses animais poderia alimentar muitos deles por longos períodos, prevendo uma situação que ainda não existia, e elaborar uma narrativa de ataque.

Assim, se extinguimos espécies muito maiores e poderosas fisicamente, talvez seja possível administrar a crise climática e as transformações tecnológicas de um futuro imprevisível, certo? Mas como podemos preparar as crianças e os jovens para desafios que envolvem habilidades como dialogar e se comunicar bem? Como ajudá-los a potencializar a criatividade e a cooperação, num mundo moderno que há décadas prega a competição e o individualismo?

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Quais são os principais desafios do Sapiens do futuro?

Segundo Harari, uma coisa é certa: só chegamos até aqui, com todas as facilidades e confortos da vida moderna, porque fomos e somos capazes de nos organizar coletivamente. Essa habilidade será fundamental num mundo que, em 2050, terá uma população de cerca de 9,7 bilhões de pessoas.

Para Marília Matoso, arquiteta fundadora da plataforma Tabulla, que traz conteúdo e soluções sobre inovação e tecnologia, alguns dos grandes desafios do futuro estão relacionados a isso: essas pessoas precisarão ter qualidade de vida e, para isso, terão que aprender a viver sem exaurir o planeta.

“Os recursos não se referem só à saúde e alimentação, mas à qualidade de vida urbana, transporte, educação e moradia. Ao mesmo tempo, viveremos num mundo com mudanças exponenciais, ou seja, transformações tecnológicas cada vez mais aceleradas: inteligência artificial, avatares, drones, carros voadores, internet de alta conectividade”, exemplifica Marília.

Para ela, em tempos de mudanças exponenciais é irresponsável ser linear: é fundamental superar modelos analógicos, fazendo uso inteligente de dados, aprendendo a usar a informação, e “aproveitar esses dados para o bom e o bem”.

 

Quais são as habilidades do futuro?

Marília aponta que, de acordo com relatórios produzidos pelo Fórum Econômico Mundial, “é preciso se preparar para uma nova era, que será marcada pelo aprendizado contínuo (conhecido como lifelong learning), por grandes disrupções e por habilidades fundamentalmente humanas”.

A educação, dessa maneira, não termina, mas se adapta às mudanças que também serão contínuas. Ao mesmo tempo, a capacidade de colaborar, de pensar criticamente e de solucionar problemas complexos são centrais para viver bem, assim como a inteligência emocional, a flexibilidade cognitiva, a criatividade e a resiliência.

“A questão é: as escolas estão trabalhando essas habilidades? Ou ainda focam seu aprendizado em gabaritar provas, decorar fórmulas e tirar uma boa nota no Enem?”, questiona.

Para acompanhar essas transformações, a educação deveria ser criativa e inovadora, dar espaço para que as crianças e os jovens construam o conhecimento e desenvolvam suas habilidades e talentos. A preocupação com o “passar no vestibular” para obter um diploma tradicional parece deslocada, num momento em que novas profissões surgem a cada minuto e num futuro em que as pessoas poderão ter diversas carreiras ao longo da vida.

“As próprias universidades estão cientes dessas mudanças e já há modelos baseados em disciplinas e cursos de curta duração, de acordo com as necessidades de cada um, ao invés de modelos longos e contínuos, baseados na aprendizagem em tempo real”, diz a arquiteta. “Acredito que, mais do que as crianças, os pais também precisam se reinventar.  Como educar crianças criativas e solucionadoras de problemas complexos e incertos, se a sua própria educação foi baseada em um modelo racionalista e industrial?”

 

Aprender a desaprender

Segundo Marília, os adultos precisam desaprender para reaprender, conceito chamado de unlearning: consiste em abandonar aquilo que costumava funcionar no passado e trabalhar para entender o que é necessário para seguir. “Estar aberto a desaprender é um caminho interessante para preparar os filhos para o futuro, consciente das incertezas desse caminho, com cenários que não podemos imaginar”, reflete a pesquisadora.

“O famoso futurista Alvin Toffler tem uma frase que diz: 'O analfabeto do século 21 não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender'. Albert Einstein também tinha uma frase interessante sobre isso: 'Não podemos resolver nossos problemas com os mesmos pensamentos que tivemos quando os criamos'.” Assim, a educação de hoje não deveria replicar o que foi nos últimos cem anos, mas oferecer ferramentas que ajudassem as pessoas a ter uma vida gratificante, agradável e com propósito.

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