Lidianne Pacheco e seu amor aos livros

19/06/2015
Tem seção nova no blog da Brinque-Book! Começamos hoje a publicar Mundo Livreiro, uma série de entrevistas com livreiros de todo o Brasil. O espaço é todo dedicado a esses profissionais importantes e apaixonados por livros, que podem contar suas histórias, explicar seu trabalho e expor as alegrias e desafios de trabalhar com livros no país. Para a estreia da seção, batemos um papo com Lidianne Pacheco, do Rio Grande do Norte. Ela conta quem a transformou em leitora, dá opiniões sobre o mercado e oferece sugestões de leitura para crianças e jovens. Confira! Brinque-Book: Conte um pouquinho sobre você. Me chamo Lidianne Pacheco, tenho 32 anos e nasci em Natal, capital do Rio Grande do Norte (RN), mas desde sempre resido em Parnamirim, na grande Natal. Trabalho com livros há 10 meses na livraria Saraiva do shopping Midway Mall (Natal-RN). Leio e amo livros desde criança. Qual livro foi responsável por fazer de você uma leitora? Ah, faz taaaanto tempo que não sou capaz de lembrar exatamente qual deles me conquistou primeiro! Só lembro que, desde muito pequena, eu ganhava os quadrinhos de Mauricio de Sousa, da Disney, do Ziraldo e diversos outros (como Luluzinha, Recruta Zero...), e lia as coleções de quadrinhos que o meu pai tinha e que eu ganhei dele depois: As Aventuras de Asterix e Obelix (que eu amo demais!), Tex, Zagor, Fantasma, Tarzan (uaaaaaau!)... Até hoje mantenho pilhas e pilhas dos meus quadrinhos infantis e das coleções que herdei do meu pai. Cresci vendo-o ler. Infelizmente, ele só lia livros sobre guerras. Já meu avô tinha sobre os joelhos, todos os dias, o livro mais rico, enigmático e profundo do mundo: a Bíblia. Também fui influenciada por minhas irmãs mais velhas, que liam os livros da biografia de Laura Ingalls e diversos romances com histórias de amor. Lembro quando ganhei o livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e O Rei Bigodeira e sua Banheira, de Audrey e Don Wood. Uma certa edição de Fábulas de Esopo é outro livro da minha infância. Também lia muito os livros que pegava emprestados das bibliotecas das escolas onde estudei – quando conheci as histórias de Shakespeare, os magníficos romances indianistas de José de Alencar e os deliciosos poemas de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e Vinícius de Moraes (meus poetas preferidos), dentre muitas outras obras. Mas a maior das influências que recebi para amar literatura foi o privilégio de ter como avós os melhores contadores de histórias do mundo: meus avós paternos. Desde o tempo em que eu era pequena a ponto de sentar no colo deles, eles me contavam as histórias maravilhosas que ouviram de seus pais e avós (que, por sua vez, ouviram dos pais e avós deles...). Eram histórias que sempre foram contadas ao redor da fogueira (literalmente!) e nos alpendres e varandas pelos mais idosos e sábios, nas estreladas e silenciosas noites das cidades do interior, antigamente... quando a divina inexistência da tecnologia digital permitia que os parentes, os vizinhos e os amigos dessem mais valor à presença física e à companhia verdadeira uns dos outros. Isso lhes proporcionava um entretenimento muito mais gostoso, saudável e enriquecedor do que a pobre “diversão” de estar parado diante de uma tela, em solidão mesmo havendo pessoas ao lado e do outro lado. Eram narrativas arrepiantes sobre fantasmas (nada bobinhas!), histórias sobre seres como a Florzinha do Mato (que dava surras feias nos caçadores, sem ser vista, para proteger os animais – e às vezes tomava a forma deles – mas aceitava “propinas” de fumo e cachaça); os lobisomens (meu bisavô conheceu um!); o Mapinguari (tinha um verso cantado que dizia “lá no pé daquele pau mora um mapinguari”); histórias sobre princesas e reinos encantados e seus heróis salvadores – que eram caçadores comuns ou garotos pobres e inteligentes que lutavam pela vida, e não príncipes encantados (uma rica e encantadora mistura da cultura europeia com a brasileira, com personagens da Idade Média e do sertão nordestino!)... Muitas das histórias eram sobre moças e rapazes que se envolviam em mundos encantados e falavam com animais que os ajudavam; sobre nobres e corajosos índios que salvavam brancos de seringueiros escravistas na Amazônia, inteligentes caboclos contadores de loas (tipo de enigma em versos) que ajudavam casais em fuga e que sabiam livrar os brancos do encanto hipnótico das serpentes gigantes da floresta; sobre valentes vaqueiros apaixonados que faziam prodígios pela amada; sobre cangaceiros temidos e coronéis cruéis; sobre botijas enterradas por pessoas avarentas cujas almas ficavam penando, procurando quem tivesse coragem de desenterrar seus tesouros (a pessoa veria muita assombração!); e outras e mais outras histórias, que falavam de honestidade, honra, lealdade, laços de família, justiça... Havia as arrebatadoras (e assustadoras!) narrativas sobre minha bisavó, que vivenciou experiências com o sobrenatural (e não tinha nem um pouco de medo!), e sobre fatos memoráveis da infância e juventude dos meus avós, dos meus outros parentes vivos e dos nossos antepassados... as fábulas divertidas que a minha vovó contava... os maravilhosos recontos de histórias clássicas vindas lá dos contos de fadas (adaptações riquíssimas!) e as engraçadíssimas histórias de cordel das façanhas incríveis de Pedro Malazartes e de Camonge, personagens de histórias nordestinas bem populares (provavelmente oriundas da novela picaresca). Você morreria de rir se as ouvisse contadas pela minha avó! As histórias mais recentes era o meu avô quem contava. Eram sobre acontecimentos sobrenaturais e bizarros, vivenciados por ele, ocorridos na Base Aérea de Natal (no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial), na qual ele trabalhou e ao redor da qual se desenvolveram a cidade e a sociedade de Parnamirim. Tinha também os “causos” contados pelo meu tio-avô, que me fazia rir bastante com suas fábulas, além das suas histórias de assombração! Com muito orgulho, amor e saudade, estou “vasculhando” minha memória e registrando essas histórias em um livro. De que forma a literatura infantojuvenil preenche sua vida? Eu não apenas procuro vender os livros para as crianças e para os jovens. Eu os leio, na medida do tempo que me é disponível, mas não apenas para que possa indica-los aos leitores com intenções comerciais. Eu vejo em muitos dos livros infanto-juvenis uma riqueza de conhecimentos – na maioria das vezes, escondidos nas entrelinhas, por baixo da superfície da narrativa – que os escritores tentam passar. Muitas das mensagens são de grande beleza e importância, que eu guardo para mim e que desejo que sejam percebidas pelas crianças e pelos adolescentes, já que não é possível explicá-las para eles no momento da indicação na hora da compra – como também não dá para falar sobre elas aqui. Vejo que muitos livros chamados de “infanto-juvenis” na verdade têm profundidade para serem lidos por adultos. Há pessoas que os desprezam, mas existe um mundo escondido por trás das histórias para crianças e jovens, e acredito que elas o registram no subconsciente deles. E esse sutil mundo é fechado para as crianças e adolescentes que ainda não mergulharam profundamente na Literatura. Quando entrou em contato com os títulos da Brinque-Book e Escarlate, e o que eles representam para você? Conheci a Brinque-Book e a Escarlate quando comecei a trabalhar na Saraiva. Foi paixão à primeira vista! Seus livros representam, para mim, uma fonte de inspiração, diversão e conhecimento com a doçura e a magia da infância. São um trabalho que expressa dedicação em despertar as crianças e os jovens para perceberem as coisas sérias e bonitas da vida, como valores e sentimentos humanos, numa era em que esses mesmos valores e sentimentos estão desaparecendo ou sendo sufocados pelas ideologias da atual sociedade. Essas ideologias – muitas delas ocas e fúteis – arrancam dos jovens sua capacidade de pensar. Com delicadeza, inteligência e encanto, livros com o perfil dos da Brinque-Book e da Escarlate influenciam os mais jovens no sentido de resgatar essa capacidade de pensar. Como é a rotina de uma livreira? O que faz parte do seu trabalho, por que é uma profissão interessante, quais são suas atividades, parte boas e outras nem tanto? A rotina de uma livreira? Digo que é como ser mãe: é “padecer no paraíso”. O paraíso é estar em um ambiente cultural, cercada de todos os tipos de livros, “respirando” conhecimento, e poder contribuir para estimular a cultura literária nas crianças, nos adolescentes e nas demais pessoas, orientando-as na escolha de seus livros, falando sobre as obras. Para quem é do setor infanto-juvenil existe outra parte do paraíso: estar cercada por crianças – almas puras, anjos. Uma coisa que me enche de alegria e tira todo o estresse é quando um bebê ou uma criancinha sorri para mim... Me sinto flutuar, como se estivesse voando! É que o sorriso de um bebê ou de uma criança pequena é a coisa mais linda e divina do mundo – uma expressão de alegria, felicidade e paz verdadeiras, de amor sincero, o amor fraternal e puro que essas almas trazem ao mundo. Sinto-me privilegiada por isso. Uma outra alegria imensa, que me deixa empolgadíssima, é quando, sem eu esperar, chega alguém dizendo que comprou um livro indicado por mim e que esse livro conquistou uma criança ou um jovem, que ele ou ela amou o livro, que quer ler a continuação da história! Certa vez, me emocionei ao saber que a criança gostou tanto do livro que passou a dormir abraçada a ele todas as noites! É uma grande recompensa para o meu trabalho. Mas há uma compensação para esses privilégios. É o lado difícil do trabalho dos livreiros: o braçal e o técnico – carregar pilhas de livros, organizá-los nas estantes e mesas, administrar encomendas, lidar com estoque, atentar para a aceitabilidade dos livros em loja, bem como manter-se informada sobre os lançamentos do momento (para fazer requisições ao Setor de Compras, compondo um bom mix em nosso acervo), dentre outras tarefas. E o que é mais estressante: lidar com adultos difíceis e, a todo momento, corrigir a desorganização que eles fazem – e a que permitem que suas crianças façam. Infelizmente, até nos ambientes culturais existem pessoas que não agem com boa educação. E o que é pior: não educam suas crianças. Essas pessoas não entenderam ainda que é um equívoco querer estimular na criança uma cultura literária se, ao lado desta (ou antes desta) não se desenvolver uma boa educação em geral, a dos bons modos, do bom comportamento em ambientes coletivos e nas relações sociais. As crianças precisam aprender a respeitar e valorizar o trabalho das pessoas, seja ele qual for, e não apenas o dos seus pais. De que forma um profissional do livro pode ajudar o cliente a encontrar o que ele busca? Há o procedimento técnico de fazer a busca pelo produto no sistema virtual da rede de lojas, que identifica o livro pelo título ou pelo autor (podem existir outros critérios de busca, dependendo do sistema de TI utilizado); em seguida, procura-se o livro no seu respectivo local físico, nas estantes ou mesas, que podem ser organizadas por diversos critérios: gênero literário, temas, faixa etária, editora. Esse procedimento exige menos conhecimento de literatura, e é usado quando o cliente busca um título ou autor específico. A outra forma de ajudar o cliente a encontrar o livro certo exige mais “bagagem” literária, paciência e tato. É empregada quando o cliente pede indicações. É quando o livreiro procura identificar o máximo possível de informações sobre o perfil do cliente, para saber que livros devem ser indicados: se a pessoa (criança, adolescente ou adulto) já tem hábito de leitura ou se quer desenvolvê-lo, que gênero literário ou tipos de narrativas ele aprecia, quais livros já tem lido; enfim, como é, em linhas gerais, sua personalidade (seu perfil literário)... É quando agimos como psicólogos! E, para que isso funcione de fato, precisamos conhecer as obras, para saber com quais perfis culturais e psicológicos cada uma delas faz correspondência. Uma coisa que dificulta o trabalho de indicar o livro certo é a interferência equivocada de alguns adultos no processo de escolha literária de seus filhos, netos, sobrinhos, irmãos, alunos, etc. É necessário deixar a criança ou adolescente encontrar um título que desperte seu interesse, pois do contrário a compra será inútil – o livro provavelmente será desprezado, e o jovem leitor poderá sofrer um reforço negativo em relação ao hábito da leitura. No geral, adultos e crianças chegam até você na hora de buscar um livro? Essas buscas são variadas, por editora, autor, tema, idade ou alguma outra informação chama mais atenção na hora da compra? Sim, chegam até mim e a meus colegas, e as buscas são variadas. Alguns pais chegam procurando livros pedidos pelas escolas. Infelizmente, essas escolas especificam a editora, e, no caso de obras clássicas universais, especificam até mesmo o tradutor ou adaptador. Com isso, muitos pais saem sem levar o livro, porque muitas vezes temos a obra, mas com editoras e tradutores/adaptadores diferentes. Também infelizmente, as escolas supervalorizam certos autores e restringem o trabalho literário com seus alunos a determinadas obras, reduzindo a amplitude da busca e da experiência da criança na evolução de sua cultura literária. Temos, em loja, inúmeros títulos maravilhosos, que trazem mensagens muito importantes, originais e divertidas, e autores geniais que nunca são indicados pelas escolas. São um verdadeiro tesouro inexplorado! A maioria dos pais tem uma quase obsessão por faixa etária. A faixa etária indicada no produto não deve ser entendida como uma “lei” inflexível, mas como uma simples orientação ou diretriz genérica. Na verdade, como costumo sempre dizer aos clientes, o importante é identificar o nível literário da criança ou do adolescente, em que ponto está seu desenvolvimento nas letras e na personalidade, e o que elas gostam na literatura, que tipo de história os empolga – esses fatores não dependem estritamente da idade. Se a questão é o medo de que os filhos leiam coisas impróprias, com conteúdo pervertido ou violento, que tragam cenas de sexo, por exemplo (obras que não ficam no setor infanto-juvenil!), basta que os pais conversem com o livreiro e leiam a sinopse do livro, ou a primeira e última página de cada capítulo, dentre outras partes da obra (sumário, prefácio, posfácio, textos adicionais e outras informações). Ademais, os pais não devem manter a criança por muito tempo no mesmo nível literário. É necessário sempre colocá-la diante de desafios - de livros com narrativas mais complexas na técnica e no conteúdo, e com apresentações gráficas mais elaboradas. Notamos que muitos pais e educadores subestimam a inteligência dos filhos e alunos, achando que são incapazes de ler e entender certos livros mais interessantes - atitude lamentável, que pode bloquear o crescimento intelectual da criança ou do adolescente com relação a Literatura. Há também os pais que só valorizam livros que tenham algum brinquedo anexado - aqueles livros que não são livros propriamente ditos. A maioria deles é brinquedo com algum texto, e não um livro. Na tentativa de chamar a atenção da criança para a leitura, muitas editoras criam “livros” que são, na verdade, um brinquedo com algum texto reduzido, muitos dos quais nem formam uma história propriamente dita. É necessário - claro que é - criar meios para chamar a atenção da criança para os livros, mas deve-se focar mais no texto, na narrativa, no livro, e não no brinquedo. Brinquedo se compra em lojas de brinquedo, e não em livrarias. E a livraria não é uma brinquedoteca nem um espaço recreativo. É um lugar onde livros são escolhidos, apreciados e comprados. (Ah! Também não é biblioteca... ao contrário do que muitos pais e adolescentes pensam, quando não conseguem distinguir a grande diferença que existe entre conhecer ou apreciar (ver capas e sumários, ler sinopses e textos de apresentação, prólogos, epílogos e textos adicionais) e danificar o exemplar ou ler o livro todo e jogá-lo num canto e ir embora sem comprá-lo. Ensinar aos mais jovens as diferenças entres esses ambientes e entre essas atitudes faz parte do desenvolvimento literário e pessoal deles. Alguns podem estar se perguntando como, então, fazer livros que conquistem a atenção da criança. Observem os livros da Brinque-Book. Eles têm todos os requisitos do bom livro: histórias inteligentes, capazes de influenciar a criança para o bem sem dar sermão; ilustrações que também têm alto poder de influência, reforçando o texto e divertindo ao mesmo tempo; apresentação e organização gráfica que dá clareza e beleza à obra, facilitando a leitura e a assimilação da mensagem pela criança. Vejam o exemplo de três desses títulos que temos em loja. Em Busca da Cidade Perdida (A. J. Wood, Jen Green e Maggie Downer), Caça ao Tesouro (A. J. Wood e Maggie Downer) e A Ilha do Mistério (Paul Adshead) falam de expedições em busca de tesouros, cidades perdidas e animais em perigo, apresentando à criança diversos desafios em forma de enigmas, mensagens codificadas e situações de dúvida e perigo nas quais é preciso raciocinar para encontrar saídas de labirintos, diários perdidos de aventureiros, objetos e trilhas; oferecem à criança a chave dos códigos e os mapas, como no caso do terceiro título, onde o leitor precisa ajudar a encontrar a fêmea de um animal em extinção. São narrativas que instigam a criança, atraindo e prendendo sua atenção; chamando-a a entrar na história e interagir com os personagens; fazendo-a se sentir útil, ao ajudar esses personagens a atingir seus objetivos, como se a própria criança, além de ler uma história divertida, estivesse participando literalmente das aventuras. Observem que esses livros não precisam, para terem esses poderes, oferecer em anexo as miniaturas dos personagens, nem seus mapas, nem o equipamento usado nas aventuras que vivenciam! Há poucos dias, uma cliente que havia comprado para seu enteado A Ilha do Mistério chegou perguntando por um livro que tivesse, assim como esse, o poder de absorver a atenção da criança, pois o garoto havia terminado de ler o livro e estava cobrando outro que tivesse as mesmas características! Então, indiquei Em Busca da Cidade Perdida e Caça ao Tesouro. É observando o modo como cada criança age e reage diante dos livros que diferencio aquelas que já são leitores natos (filhos de pais leitores) das que ainda não têm o hábito de ler (filhos de pais que não são leitores). As primeiras se apegam aos livros sem brinquedos, sentam para folhear os livros ou pedem que os adultos leiam para elas; as outras vão direto para os livros que têm miniaturas, pop-ups, dispositivos sonoros, adesivos (claro que me refiro à maioria quanto ao que falo sobre cada um desses grupos de crianças e de pais; não desconsidero as exceções). Da mesma maneira, diferencio os pais que são leitores daqueles que não querem saber de livros, apenas querem que os filhos se tornem leitores. Em sua maioria, os primeiros procuram obras de maior teor literário para os filhos, pedem a orientação dos livreiros para que indiquem os melhores livros, sentam com os filhos para conhecer as obras; os demais, em geral, chegam logo pedindo livros “interativos”, que tenham algo com que a criança possa brincar, e, na maioria das vezes, não sentam com a criança para conhecer os livros - só ficam observando-a brincar e desorganizar tudo. Ora, se a criança quer algo para brincar, o fato de esse objeto trazer em si um pequeno texto não vai, exata ou obrigatoriamente, estimular na criança o gosto pela leitura. Ela vê o produto como um brinquedo, usa-o e deixa-o. Vendo um livro, ela entenderá que seu uso é a leitura, que não é um brinquedo. Outro critério de escolha usado por muitos pais é o preço. Também é possível identificar o perfil do pai em relação à literatura observando-o quanto a este fator. Os pais que realmente querem que os filhos leiam não questionam muito o preço. Já outros chegam logo dizendo que querem “um livro baratinho”. É claro que entendo quando os pais são pessoas de baixo poder aquisitivo – não me refiro a estes, e lamento demais não poder vê-los sair levando livros para os seus filhos. Mas os que pedem livros baratos são, por incrível que pareça, as pessoas que sabemos ter alto poder aquisitivo, e que acham mais vantajoso dar aos filhos videogames, celulares e tablets caríssimos do que comprar livros para eles! É bonito ver a simplicidade da criança e do adolescente quando eles mesmos vêm pedir que lhes indique um livro. Ao contrário dos adultos, a maioria deles simplesmente pede para conhecer os livros! Quais os papéis que as livrarias podem desempenhar nas atividades de fomento à leitura? Há, basicamente, o papel comercial e o social. Com fins comerciais, pode-se promover contações de histórias para o amplo público e para escolas específicas (como ocorre na livraria onde trabalho), e também feiras de livros, estandes itinerantes em escolas e outros espaços, dentre outras estratégias de expor produtos fora da livraria para aproximar o público dos livros. Com o objetivo não-comercial de contribuir para desenvolver a cultura literária entre as pessoas de baixo ou nenhum poder aquisitivo, as livrarias podem promover feiras de livros a baixo preço, assim como treinar e empregar equipes para fazer contações de histórias, concursos e gincanas literárias em escolas, orfanatos, asilos de idosos, hospitais, penitenciárias, instituições de menores e outros lugares, distribuindo livros. Se a loja tem um auditório ou outro espaço livre, pode-se promover também reuniões com o Clube de Livros da sua cidade, concursos, gincanas, tardes de autógrafos, palestras, mesas redondas com autores (desconhecidos ou não) ou editoras convidadas, assim como outros eventos com distribuição e/ou sorteio de livros. Há uma forma maravilhosa através da qual as livrarias podem exercer seu papel social no fomento à leitura: recolher livros usados (em bom estado!) dos clientes, como parte do pagamento pelos livros novos, doando-se depois esses livros usados para escolas e outras instituições públicas! Dessa forma, todos saem ganhando: a livraria, pois os preços dos livros novos seriam suavizados pelas doações, e isso atrairia um maior número de clientes; os clientes, que poderiam adquirir livros com preços mais baixos ao doarem seus livros usados; e as pessoas carentes das instituições, que receberiam os livros em bom estado e de forma gratuita! Mas ainda existem outras ideias de atividades para estimular o hábito de ler, tanto com base comercial quanto com base social. Elas só estão esperando que as descubramos e as executemos. Como os livreiros podem se preparar para se tornarem, mais do que vendedores de livros, verdadeiros divulgadores culturais? Em primeiro lugar, conhecendo o maior número possível de livros, mas com profundidade, não superficialmente. Isso é básico, claro. Mas, indo além e acima disso, dando base sólida a toda a sua atitude e preparação, é essencial e indispensável que os livreiros, de coração e alma, se dediquem a divulgar uma cultura antes de tudo humanística, consciente, altruísta e equilibrada, liberta de todas as hipocrisias, alheamentos, vícios e prisões intelectuais que dominam as massas subjugadas ao poder da mídia globalizada e aos discursos equivocados e manipuladores. Outra parte da preparação é ser curioso: curioso para conhecer e entender em profundidade o ser humano, a história dos povos e das culturas por todo o globo, desde as épocas mais remotas até hoje, os lugares diversos e as diversas belezas do nosso planeta e de fora dele, a variedade de seres – visíveis ou não – que nos fazem companhia no mundo, as inúmeras e singulares histórias de pessoas, seres diversos, fatos e lugares que a História e a Literatura comum não registraram ou que não são facilmente acessíveis – enfim, tudo o que estiver ao alcance. Esses conhecimentos tanto permitem apreciar e entender melhor a variedade das obras como dão inspiração para a criação de novos livros. Para a divulgação de cultura na forma específica da literatura, que é o nosso caso, uma atitude muito poderosa é a de conhecer de perto, ou até compartilhar, a remota (e sempre jovem!) tradição da contação de histórias e suas técnicas. Elas podem ajudar bastante o livreiro na hora de falar sobre as obras com domínio e entusiasmo. A arte de contar histórias antecede todas as livrarias e todos os livreiros ao longo de toda a história do homem; é a mãe da literatura. Os livros foram fruto dessa tradição oral, que desde tempos imemoriais serviu para enriquecer e guiar a socialização dos seres humanos, para reproduzir e divulgar o conhecimento, divertir, alertar e educar, dentre outras funções. Até hoje a contação de histórias tem essas mesmas atribuições. Vocês já leram ou assistiram a Sheherazade contando suas histórias para o sultão, ou o contador de histórias da praça do mercado orientando-a sobre como contar histórias e conquistar a atenção da audiência? Algum de vocês teve o privilégio de ouvir um avô ou avó, ou outra pessoa idosa e sábia, contando histórias de seu tempo ou de tempos anteriores ao seu tempo? Qual seu livro predileto da Brinque-Book ou da Escarlate, e como você o apresentaria para nossos leitores? Aahhh, eu a-m-o o Gildo, de Silvana Rando, aquele elefantinho bebê fofo! Ele é a nossa “mascote” lá no setor infantil da livraria (“fofolético”, nas palavras da minha colega de setor, a Illy)! De um jeito fofo, doce e inocente, esse livro influencia (estimula) a criança a se livrar de fobias. Mas outro que eu aprecio demais e sempre indico é o Por Favor, Obrigado, Desculpe, de Becky Bloom e Pascal Biet! É um livro perfeito: muito inteligente e sutilmente didático, capaz de fazer as crianças aprenderem boas maneiras sem perceber e de uma forma muito divertida, através de um texto estratégico e de engraçadíssimas ilustrações poderosamente influenciadoras. Outro que eu sempre estou indicando é o Três Ursos, de Cliff Wright. Ele transmite uma linda mensagem de amizade na linguagem da criança, com ilustrações belíssimas, delicadas e encantadoras, que reforçam o texto. Preciso destacar, também, o livro Qual é a Cor do Amor?, de Linda Strachan e David Wojtowycz! É muuuito fofinho! Mostra outro bebezinho elefante, mas este, em vez da fobia de Gildo, tem mesmo é uma grande curiosidade em descobrir qual é a cor do amor. A autora e o ilustrador tiveram uma ideia original e maravilhosa: apresentar ilustrações em cores cheias de vida, ajudando as crianças a aprenderem sobre as cores enquanto acompanham o doce elefantinho, que também vai aprender sobre cor e amor ao vivenciar a colorida natureza. Seria injusto não citar, também, O Homem que Amava Caixas, de Stephen Michael King. Gente, que livro bonito! Ele fala de um pai que ama seu filho e é apaixonado por caixas. Mas ele não sabe como mostrar ao filho que o ama. Uma história simples e bela – simplesmente bela! – sobre um problema que vemos em muitas famílias: o amor não expresso uns pelos outros. Nem é preciso dizer que as ilustrações traduzem perfeitamente essa beleza através de imagens que falam à nossa sensibilidade. Da Escarlate, o meu preferido é Como Viver Para Sempre, de Colin Thompson! Ele conta a aventura extraordinária de um menino que mora em um museu de corredores, salas e passagens infinitos e que descobre, ao ter de lidar com um poderoso livro que dá imortalidade, um mundo paralelo dentro da biblioteca do museu, quando se aventura a procurar a cura para a doença de seu avô e a buscar o pai desaparecido. Uma história linda, original, que comove pela sua mensagem sobre o amor incondicional pela família, pelos amigos e pelo mundo (por todos os mundos, como se vê na história!). Mas há outros da Escarlate que são geniais: Os Bandeira-Pirata e o Galeão Assombrado (Jonny Duddle), Eu, Lili e o Resto do Mundo (Alexandra Maxeiner e Martina Badstuber), O Clube dos Caçadores de Códigos (Penny Warner)... Estão vendo? A Brinque-Book/Escarlate tem tantos livros lindos e inteligentes que fica difícil escolher um que seja o meu preferido! Quer deixar uma mensagem para pais, avós, tios? Senhores, permitam-me dar algumas dicas sobre crianças e livros? Posso? Vejam só: em vez de comprar tecnologia digital para seu filho, viciando-o cedo no tão prejudicial e sedutor hipertexto, por que não usar o dinheiro para comprar livros, ajudando-o a ser conquistado pelo texto? O que os senhores gastariam com um celular, um videogame ou um tablet “top de linha” seria suficiente para comprar uma pequena biblioteca! Já pensaram nisso alguma vez? Em vez de levar seu filho para uma diversão passageira em brinquedos e jogos no shopping, gastando sem retorno, leve-o para uma livraria, pois os livros lhe darão um bom retorno por toda a vida. E eles não são uma diversão passageira, isso eu lhes garanto – eles repercutem, “reverberam” seu conteúdo para sempre dentro da criança ou do adolescente. Em vez de leva-lo para comer fast-food, que deturpa a saúde dele, leve-o para “devorar” livros, que lhe darão saúde intelectual e não comprometerão sua saúde física. Em vez de gastar “horrores” por uma festa de aniversário que traz presentes muitas vezes desnecessários e até repetidos, que tal combinar com os pais dos amiguinhos dele/dela para comemorarem numa livraria, onde eles poderão dar presentes em livros ao seu filho/filha e se divertir com uma bela contação de histórias? É possível agendar uma em muitas livrarias! Melhor ainda: que tal combinar de, ao saírem da livraria, levar também livros para doar às crianças pobres das ruas, todo mundo junto? Por favor, pensem por um momento como seria essa experiência e quais frutos ela geraria. Lá na livraria onde trabalho, há crianças pobres que vão só para olhar os livros, infelizmente, pois não têm como comprá-los. Não poderia esquecer de pedir que não joguem livros no lixo, onde podem receber chuva e outros danos. Cuidem bem deles, mesmo se não os quiser mais. Doem esses livros. Existem diversas instituições cheias de pessoas com grande potencial intelectual e pouca ou nenhuma condição de compra-los, que os aceitarão com a maior alegria e darão a deles um uso maravilhoso. Um último conselho. Pais e mães, acreditem: a melhor forma de fazer de seus filhos verdadeiros leitores é os senhores mesmos serem leitores verdadeiros. Nada substitui a poderosa influência do exemplo da família. Exigir, dar sermões e levar as crianças à força para comprar livros não funciona; é ingenuidade e desperdício de dinheiro. É preciso que seus filhos, desde a mais tenra idade, os vejam lendo. E lendo muito, e lendo sempre, compartilhando sempre a leitura com eles. E que tal, junto com seus filhos, conhecerem mais de perto os livros da Brinque-Book? E para os educadores? Que tal ampliar a experiência de leitura de seus alunos da forma mais livre possível? Já imaginaram os resultados de projetos pedagógicos literários em que as crianças não teriam de procurar livros entre autores específicos nem de editoras escolhidas pela escola, mas sim quaisquer livros, os que lhes conquistassem a curiosidade e o interesse? Em vez de trabalhar com velhos padrões, restringindo a escolha do aluno a um grupo de determinados autores, por que não estimular as crianças e adolescentes a encontrarem livros de autores menos conhecidos ou desconhecidos, brasileiros ou estrangeiros, de quaisquer coleções e editoras? A escola poderia, por exemplo, organizar um projeto no qual cada aluno falaria do seu livro, escolhido por ele sem necessidade de nenhuma lista de sugestões, discorrendo sobre o porquê de o ter escolhido, de a obra lhe ter consquitado a atenção e o interesse. O aluno poderia escolher falar ou não sobre o autor, dizendo por que aprecia sua obra, contando por que e como a obra foi criada. Quem quisesse, poderia encenar a história, ou contá-la através de mímica, de desenhos, de música! O aluno transmitiria a essência da obra da maneira na qual tivesse mais desenvoltura, qualquer que fosse a forma de expressão. Os resultados seriam, com certeza, muito mais amplos e ricos, até muito mais interessantes e divertidos! O aluno teria uma empolgação muito maior em ler a obra e falar sobre ela, por ter escolhido o livro sem estar preso às diretrizes escolares! No caso de alguns alunos escolherem livros de conteúdos impróprios, haveria então a preciosa oportunidade de o professor ensinar, de forma estratégica, delicadamente, o porquê de o livro em questão não ter um conteúdo positivo, usando o exemplo negativo para despertar a sabedoria e a visão crítica nos alunos, sem ser necessário constranger o aluno que escolheu o livro. Ele poderia até ser elogiado, por ter propiciado aos outros esse momento de esclarecimento e esse exercício de criticidade e análise! Na livraria, recebendo os pais que chegam com as listas de livros paradidáticos elaboradas pelas escolas e as turmas de alunos que nos visitam para comprar livros, vemos que os educadores tanto restringem a liberdade do aluno em desenvolver sua própria experiência de leitura na escola como subestimam a capacidade de compreensão literária das crianças. Vemos, também, que as listas são feitas de forma um tanto “cega”, sem uma pesquisa prévia de disponibilidade das obras no mercado, pois a maioria das “sugestões” são livros difíceis de se achar; os pais ficam desesperados, e as crianças, prejudicadas nas aulas! Que os autores brasileiros consagrados na literatura infantil são geniais e que suas obras são de grande qualidade, dignas de mérito, isso é uma verdade inquestionável; mas os alunos devem ser livres para escolher tanto entre as obras desses autores quanto entre os milhões de outras obras de milhões de outros autores do Brasil e do mundo inteiro, livros de grande valor literário, inteligentes, belos e divertidos. Apesar de a escola colocar na lista a expressão “sugestões de livros”, ou “livros sugeridos”, é claro que os pais não entendem assim, e é claro que, na prática, a escola não permitiria que os alunos trabalhassem com quaisquer livros nas aulas... Sabem como muitas das crianças chamam, lá na livraria onde trabalho, os livros que a escola lhes impõe para as rodas de leitura? De “livros bobos”. Será que esses alunos não estão já preparados para voarem sozinhos no céu infinito do mundo dos livros? Que tal empurrá-los para que saiam do ninho e voem livres, como acontece com a águia e seus filhotes? Você também é livreiro(a) e quer participar da nossa seção? Envie um email para midias@brinquebook.com.br, pois queremos conhecer seu trabalho e suas inspirações.
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