Nem criança nem adulto: no meio do caminho

07/08/2017

 

A pré-adolescência é definitivamente a fase mais esquisita da vida de uma pessoa. Tantas mudanças acontecem ao mesmo tempo... O corpo começa a se transformar, os colegas de sala não querem mais brincar – passam o tempo vidrados em seus celulares! Os meninos começam a olhar as meninas de forma diferente, e começam a parecer diferentes, também.

Assim, ao menos, é como acontece com Mia, protagonista de O dia em que a minha vida mudou por causa de um chocolate comprado nas Ilhas Maldivas (editora Seguinte), livro de estreia Keka Reis, com ilustrações de Vin Voguel, que será lançado hoje, em São Paulo. No que parecia ser um dia normal, a menina chega na escola e se depara com um bilhete de seu melhor amigo, o Bereba. “Quer sentar do meu lado hoje na perua?”, seguido de dois quadradinhos para preencher: sim ou não. E agora? Bereba estaria apaixonado por ela? Como deveria agir?

 

 

O livro traz um delicioso relato da vida de uma pré-adolescente, que passa por um dia de aula nada usual, como costuma ser nessa fase da vida. Os acontecimentos são comuns aos que ainda se recordam dessa fase: demoradas aulas, professores exigentes, disputas entre colegas.

“É o meio do caminho”, explica a autora, que acompanha essa realidade em casa, com sua filha pré-adolescente, além de escrever para essa faixa etária há tempos. “É o  momento em que eles podem flertar com comportamentos considerados mais adultos e ainda desfrutar de alguns privilégios da infância.” Os comportamentos variam de pessoa para pessoa: alguns sentem-se confortáveis no mundo adulto e aceleram ao máximo essa transição. Outros se assustam e voltam correndo às brincadeiras de criança. Muitos alternam entre os dois extremos, em diferentes experimentações.

Ela explica que, do ponto de vista social, o grupo de amigos torna-se mais importante do que o familiar, e tudo passa a ser desconstruído, até que se encontre um novo modo de estar no mundo, uma essência própria. Até lá, são inúmeras variações de roupas, cabelos, comportamentos.

Na escola, outro contraste. As exigências e responsabilidades começam a aumentar, assim como a preguiça em realizar algumas tarefas. Acontece que os amigos estão nesse espaço, o que cria uma certa ambiguidade. “Lá que acontecem as interações sociais mais importantes da vida deles”, diz Keka. “Eles têm que aprender a lidar com essas contradições.”

As dúvidas vêm de todos os lados, já que muitos pais acabam por esquecer que um dia também já foram pré-adolescentes. “Não se fala tanto dela [da pré-adolescência] porque não vamos saber escolher as palavras certas”, afirma a autora. Ela cita a dificuldade, por exemplo, em encontrar roupas do tamanho da filha ou em organizar uma festa de aniversário para ela. “Como deve ser uma festa para uma criança de onze anos? No meio do dia com bexigas e palhaço ou no começo da noite, com música pop e cara de baladinha?” São muitas as perguntas nessa fase.

Essa dificuldade de comunicação se escancara na tal “hora da conversa”, abordada com humor em um capítulo do livro. Há diferentes tipos de pais, inclusive aqueles ansiosos, que querem saber de tudo da vida dos filhos. É o caso da mãe da história, bem parecida com a autora, aliás. Keka conta que foi aos poucos aprendendo com a situação, ficou mais calma.

“Enquanto eu escrevia com a voz da Mia (a protagonista), eu me dei conta do quanto isso pode ser invasivo”, diz. “É preciso estar atento para não nomear, julgar ou até mesmo precipitar demais algumas situações que nem todas as crianças estão prontas para entender.” As conversas são importantes, mas, segundo a roteirista, nem todas as crianças têm ainda as ferramentas necessárias para verbalizar o que sentem e experimentam. “Isso foi uma lição e tanto para mim.”

Além disso, muitos pais acabam por repetir velhos clichês, e não aproveitam a fase enriquecedora em que seus filhos se encontram para aprender com eles. Daí o termo “aborrecente”, que Keka diz odiar, pois bloqueia a possibilidade de se encantar com essa fase cheia de descobertas. “Temos que abandonar esse preconceito horroroso que existe com a adolescência e entender que, apesar dos desafios, é uma fase transformadora. Não só para os nossos filhos, mas para todos os pais também.” Há a necessidade de continuar repensando esse encontro, mesmo no fim da infância. “Eles mudam, a relação muda e você tem que mudar como mãe também.”

Como conselho, a autora sugere: “O melhor que podemos fazer é mostrar que estamos ao lado deles. Para quando eles quiserem e precisarem e não em todos os momentos”. É importante lembrar que, assim como todos nós, pré-adolescentes necessitam de espaço. “Isso não significa deixar de lado a figura da autoridade nem abandonar seu filho. Acho que é mais entender o momento deles”, conclui a autora.

 

 

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