"O tecido dos céus"

23/07/2018

 

Por Heloisa Prieto

O ofício do escritor tem algo de orgânico. As idéias estão no mundo, na boca e nos rostos das pessoas, em livros, em filmes, nas canções. Como se fosse um agricultor a lavrar, o escritor as espalha em esboços, textos, diários, arquivos virtuais ou tudo ao mesmo tempo. Captadas, essas idéias  sempre têm um período de gestação, que pode ser mais ou menos longo. Não há regras quanto ao seu cultivo. Até que os textos começam a brotar e, de acordo com suas naturezas, assumem a forma de poemas, contos, novelas e romances. Há textos que já nascem prontos, outros precisam de longos períodos de amadurecimento.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Chega então a hora de compartilhá-los. Os primeiros leitores de um texto são parceiros fundamentais, tanto os amigos e as pessoas da família quanto a equipe editorial que o acolhe. Esse é o momento do teste, pois as leituras serão críticas, os editores radiografam o processo criativo e acrescentam ao projeto do livro sua própria perícia. Quando um escritor e seu texto contam com um artista parceiro, o ilustrador, a narrativa tem o privilégio de ampliar-se. Não por acaso, os primeiros livros do mundo eram ilustrados, o divórcio entre texto e imagem só aconteceu posteriormente a esse período.

As sementes brotadas, cuidadosamente colhidas e aprimoradas, germinam finalmente no mundo. Vale destacar a força da equipe editorial no sentido de divulgar o livro, apresentá-lo aos jornais, aos blogueiros e a outros formadores de opinião, às escolas, aos leitores e a eventos que celebram a leitura.

Mas o ofício do escritor só se completa realmente quando o livro alcança a mão de um leitor. Nesse momento, outros livros surgem da imaginação de cada um. É tempo de acolher novas idéias, mas já num processo mais autônomo, no qual se perde o controle quanto às diversas e diferentes reações que um texto original pode gerar. Talvez então surja o maior de todos os desafios: crescer a partir da escuta dos leitores, esses parceiros criativos sem os quais o livro jamais existiria. Escrever é viajar no sentido pleno da palavra.

Conversas com leitores, trocas entre colegas enriquecem a vida de quem escreve como profissão. Assim, lembro-me de uma experiência recente. Em Dublin, na Irlanda, fui convidada a participar de uma oficina criativa no Centro dos Escritores Irlandeses. A atividade consistia em escrever a partir de uma foto. Em seguida, os textos eram compartilhados. Crônicas e contos povoaram a sala, e eu não acreditava na rapidez com que os escritores os haviam criado. Pedi licença para ler um conto já publicado no livro Mata – Contos do folclore brasileiro: Sete fios d´água. Ao término da leitura, as pessoas demonstravam emoção e houve quem o comparasse às lendas de filhos de fadas. Cada livro é um sonho realizado.

”Tecidos dos céus” é o título de um poema do escritor irlandês, W.B.Yates que sempre me inspira. A todos os parceiros criativos que perfazem a jornada de um livro, o convite para o compartilhamento sensível. Ou como diz o poema: “Espalhei meus sonhos aos seus pés, caminhe suavemente, pois você andará sobre eles”.

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Heloisa Prieto escreve e traduz, tem 75 obras publicadas, a maioria delas pela Companhia das Letrinhas, tais como Lá vem históriaMil e um fantasmas O estranho caso da massinha fedorenta. Pesquisadora de mitos e lendas de diferentes países, é mestra em comunicação e semiótica (PUC) e doutora em literatura francesa (USP). Tem obras adaptadas para a TV, o cinema e o teatro.

 

 

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