No coração de São Paulo, plena avenida Paulista, cercado pela monumentalidade dos arranha-céus, tudo aquilo que é considerado menor – uma lagartixa, uma pedra, ou um resto qualquer – assume lugar de grandiosidade. Assim ganha forma a Ocupação Itaú Cultural que homenageia Manoel de Barros (1916-2014) e sua matéria poética. Em sua 43ª edição, o projeto que já contou com diversos nomes notáveis da literatura brasileira, como Conceição Evaristo, Hilda Hilst e Mário de Andrade, teve um desafio particular: materializar o desimportante como algo extraordinário, assim como o poeta fazia em seus versos.
Os aspecto imagético bastante vivo nos poemas do autor, de certa forma, contribuiu para que a tarefa de conceituar a ocupação não fosse tarefa fácil. Planejar a instalação com imagens literais a respeito de seus escritos, como legendas, reduziria a obra, que, por explorar tanto caminhos da linguagem, permite uma leitura livre para variados repertórios imaginativos. O espaço expositivo, então, foi criado de modo que interferisse o mínimo possível na interação do público com a obra.
Na exposição, o que há de imagem foi produzido por Manoel ou por sua filha Martha Barros, artista plástica, que investigou cada pedacinho de papel deixado pelo pai e colaborou com a coleta dos materiais expostos. O roteiro de visitação não é dirigido ou mediado. Guiado por uma estrutura curva, o visitante é convidado a passear pelo amplo espaço com o frescor de quem descobre o mundo no próprio quintal, sem direcionamentos de onde se deve ou não ir.
O escritor confeccionou artesanalmente mais de cem cadernos de rascunho. Na mostra, o público tem acesso a seis deles. Na capa, um desenho ou um postal. Tamanhos variados, mas nada muito extravagante, pelo contrário, cadernos que aceitam facilmente o sufixo "inho", como era de se imaginar. Um, em especial, chama a atenção: tem o tamanho de um polegar; foi reproduzido em réplicas para que pudesse ser manuseado e lido. Como o próprio tamanho do suporte anuncia, as letras são miúdas. Sobre os tamanhos diminutos, Glaucy Tudda, coordenadora da Enciclopédia Itaú Cultural, um dos núcleos responsáveis pela curadoria da ocupação, juntamente com os de Audiovisual e Literatura, comenta porque nem todos os manuscritos foram transcritos: "Mais importante do que entender o que está escrito, é olhar como ele pensava sobre o papel."
Se para a poesia de Manoel de Barros servem "detritos semoventes, latas", para compreender a sua história, o público tem acesso aos detritos de sua matéria literária, o húmus da criação – rascunhos, anotações e fragmentos. Alguns de seus livros estão expostos com seus pensamentos escritos, como as notas na primeira página de Os Sermões, de Padre Antônio Vieira, e a dedicatória à esposa no Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo. O seu processo criativo está exposto, assim como o seu resultado. Os livros que publicou, agora, reeditados pelo selo Alfaguara, estão dispostos ao longo do trajeto e podem ser acompanhados pela leitura em áudio feita pelo próprio autor – e também por Marcelino Freire e Marlui Miranda. O espaço, idealizado exatamente para ser ocupado, reflete a preocupação de se criar um ambiente agradável para leitura.
Ainda sobre a cenografia, nas paredes, há papel reciclado como revestimento. O papel, confeccionado pelo Programa de Educação e Defesa Ambiental Ângela de Cara Limpa – Papel de Mulher da Sociedade Santos Mártires reitera a premissa do artista retratado em aproveitar o que é tido como desimportante e descartável. A equipe responsável por sua confecção trabalha com educação ambiental no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.
Esta edição também está equipada com ferramentas de acessibilidade, como audiodescrição e traduções de alguns textos para Libras. Nesse último caso, houve a necessidade de um estudo aprofundado sobre os dois idiomas para a adaptação desse conteúdo. Em determinado momento, por exemplo, para a equipe encarregada dessa função ficou claro o quanto traços culturais também são característicos da Libras, aqui em São Paulo não havia um sinal para a palavra "Pantanal". Então, foi necessário estabelecer um contato com a comunidade surda de Mato Grosso para que houvesse essa troca.
Mais de Manoel
Em uma programação complementar à ocupação, retomando o hábito do poeta de produzir seus próprios caderninhos com postais ou desenhos na capa, o Itaú Cultural promoverá uma Oficina de Encadernação no último fim de semana de fevereiro (dias 23 e 24), das 14h às 16h, e também em alguns fins de semana de março, com horário ainda a definir. Acompanhe pelo site a divulgação dessas informações.
Além disso, para atrair o público infantil, apresentará o espetáculo Crianceiras, nos dias 2 e 3 de março, às 15h. Com a proposta de aproximar as crianças da literatura e das artes, em geral, o projeto, concebido pelo músico Márcio de Camillo e dirigido por Luiz André Cherubini, reúne várias linguagens artísticas, incluindo as iluminuras de Martha Barros, que, envolvidas pelo cinema e animação, ganham vida e contracenam com os músicos e atores. A duração do espetáculo é de 55 minutos, e a atividade terá interpretação em Libras.
Passeando um pouco pela Avenida Paulista, no número 1.313, o visitante interessado em Manoel de Barros também encontrará uma peça a respeito do tema. Em Meu quintal é maior do que o mundo, Cássia Kis, amiga e fã do poeta, interpreta alguns dos poemas do artista a partir de três blocos temáticos, Onde, Quem e O quê. Eles organizam, respectivamente, textos sobre o espaço mítico do poeta, descrições que o escritor faz de si mesmo e suas fontes de inspiração. A montagem, que estreou no dia 31 de janeiro, tem apresentações até 24 de fevereiro. Às quintas, sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h. Entrada gratuita; os ingressos devem ser reservados pelo site. Os ingressos remanescentes serão distribuídos 30 minutos antes da apresentação.
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Anote na agenda
Ocupação Manoel de Barros
Onde: Itaú Cultural (Av. Paulista, 149, Bela Vista)
Quando: até 7 de abril; de terça a sexta, das 9h às 20h [permanência até as 20h30] e sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Quanto: grátis