Para exercitar uma educação para tod@s

27/11/2019

 

O que faz os alunos de uma escola pública serem capazes de aprender de forma eficaz? É o que responde o estudo Excelência com equidade, uma busca por identificar as práticas comuns das instituições escolares com estudantes de baixo nível socioeconômico que alcançaram bons resultados na Prova Brasil e Censo Escolar. Nascida a partir da premiada série de reportagens Aula de excelência na pobreza, a pesquisa tem coordenação dos pesquisadores Ernesto Martins Faria e Laura Muller Machado, da Fundação Lemann, e é dividida em três partes sequenciais: os primeiros e os últimos anos do Ensino Fundamental, e o Ensino Médio, cujos resultados foram lançados no final deste ano.

 

 

No total já foram divulgados nove relatórios de pesquisa dentro desses três blocos. Ao conhecer as práticas de escolas que conseguem garantir o aprendizado de seus alunos em contextos sociais desfavoráveis, o que se espera é incentivar mais educadores a melhorarem suas práticas. E os resultados mostram que tão importante quanto perseguir indicadores de qualidade é cuidar dessas diferenças: “Eu ouvi durante muito tempo que os alunos são pobres, que vivem em uma área deflagrada, não têm uma família... E a gente mostrou que isso tudo não era impedimento e que são crianças que só precisavam de intervenções”, diz o diretor de uma das escolas analisadas no Excelência com equidade.

 

Os primeiros anos do fundamental

No primeiro estudo da série foram mapeadas escolas públicas que atendiam alunos de baixo nível socioeconômico e conseguiam bons resultados do 1º ao 5º ano. Os critérios adotados foram: pelo menos 70% dos alunos da escola deveriam ter realizado a Prova Brasil de 2011 com nível adequado de proficiência em língua portuguesa e matemática. Além disso, as escolas também deveriam ter evoluído nos dados de aprendizagem desde 2011. Os cruzamentos resultaram em uma lista de 215 escolas – dessas, seis foram escolhidas, cada uma em uma região do país.

Um grupo de pesquisadores visitou as escolas selecionadas, cumprindo o seguinte roteiro: entrevistas com o secretário municipal de educação da cidade, o diretor escolar, o coordenador pedagógico, os professores e alunos; e observação de salas de aula e do ambiente da escola. Para organizar os dados, os resultados das análises qualitativas foram divididas em duas seções principais: “o quê” e “como”.

"O quê" se debruça sobre práticas das escolas sobre o aprendizado, identificadas quatro: definir metas e ter claro o que se quer alcançar; acompanhar de perto e continuamente o aprendizado dos alunos; usar dados sobre o aprendizado para embasar ações pedagógicas e, por fim, fazer da escola um ambiente agradável e propício ao aprendizado. Esta preocupação existe em todos os níveis do ensino, como apresenta o Secretário de Educação do Rio: “A criança está ausente por 3, 5 dias? O próprio funcionário, coordenador pedagógico, diretor da escola, professor, eles vão até a casa do aluno e tentam saber se é por que está doente, o que foi que aconteceu, se o pai foi embora, se a mãe foi embora...”

Já o "como" discute estratégias-chave usadas ao implementar as mudanças. Em todos os locais, ações como criar um fluxo aberto e transparente de comunicação e ganhar o apoio de atores de fora da escola se mostram requisitos para o sucesso da escola e dos alunos em situações mais vulneráveis. Conquistar a comunidade no entorno da escola também tem um peso decisivo para garantir um bom clima escolar e um ambiente propício ao aprendizado, como demonstra a fala do diretor de uma das escolas visitadas: “Eu tenho que fazer o meu trabalho, mas tenho que valorizar quem mora aqui. Tudo o que acontece na escola vai para a rua, explode para um bairro e melhora toda a cidade”.

E é possível replicar as ações Brasil afora, como explica o resultado da pesquisa: "Ao conhecer de perto cada um dos casos, foi possível verificar também que estas são escolas públicas ‘normais’, no sentido de que enfrentam as mesmas dificuldades, respondem às mesmas leis e têm características semelhantes a muitas escolas públicas brasileiras. Por isso, acreditamos que as práticas que apontamos neste relatório são replicáveis em outras escolas do Brasil, com baixo custo financeiro para seus municípios, sem restrições legais relevantes e com alta probabilidade de ter resultados similares em um curto período de tempo".

 

 

A escola Miguel Antônio de Lemos, em Pedra Branca (SP), foi uma das estudadas

 

Os últimos anos de fundamental

Depois, entre junho e agosto de 2015, o trabalho de campo buscou conhecer as boas práticas comuns nos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa etapa, existiu a preocupação de detalhar contextos específicos das escolas – zonas urbanas ou rurais, municípios grandes ou pequenos, em redes mais ou menos estruturadas. Isso aconteceu porque os últimos anos do fundamental apresentam alguns desafios a mais, como o fato de que os estudantes ingressam nessa fase educacional com níveis de aprendizado bastante heterogêneos, o que, somado à diferença de complexidade das redes de ensino – em contextos urbanos ou rurais, nas grandes capitais ou nos pequenos municípios –, interfere de maneira significativa nos resultados.

Nessa comparação, notaram primeiramente que as condições para a frequência e a permanência dos alunos são asseguradas, como afirma o Secretário de Educação da cidade de Novo Horizonte (SP): “No Fundamental II, a gente precisa ter um olhar mais cuidadoso para faltas, porque, quando você viu, já perdeu o aluno". E, pensando num olhar para o aluno além sala de aula, os professores consideram o contexto de vida dos alunos na prática educacional, identificando as dificuldades particulares e adaptando a abordagem para desenvolver o potencial de cada aluno.

Também destaca-se a leitura como uma prática de rotina: nas escolas citadas há oportunidades de leitura paralelas ao ensino formal de conteúdos e habilidades cobrados em avaliações. Na Rodrigues Alves, no Rio, por exemplo, os alunos têm uma aula semanal na biblioteca, enfatizando a leitura em voz alta e a discussão de textos. Já na Miguel Antonio de Lemos, em Pedra Branca, os 15 primeiros minutos de cada aula em todas as disciplinas são dedicados à leitura de diferentes gêneros textuais. A escola Armando Ziller, em Belo Horizonte, desenvolveu o projeto Li, gostei, indico, em que os alunos foram estimulados a redigir fichas com sinopses de livros que haviam lido para recomendar a colegas. “Eu sou professora de Ciências, mas trabalho muito a leitura em sala de aula. Não é que dou aula de Português, não fico corrigindo texto. Mas evito dar os conteúdos e raciocínios prontos e leio muito com os alunos para que eles aprendam a entender o que estão lendo. isso é o essencial”, explica uma das professoras da escola Armando Ziller.

 

Características em comum verificadas nas seis escolas visitadas

 

O estudo no ensino médio

Com o foco é a última etapa da Educação Básica, o ensino médio, foram escolhidos dois critérios para a análise: primeiro, escolas que trabalham pela aprendizagem e por um bom fluxo escolar e, em segundo, as unidades de ensino que conseguissem construir uma boa base de conhecimentos para ajudar na realização dos projetos de vida dos estudantes. Das 5.042 escolas públicas de Ensino Médio elegíveis de serem estudadas, somente 100 atingiram os indicadores, sendo 82 delas de tempo integral.

Nessas escolas, notou-se que há uma parceria entre professores e alunos, com escuta ativa e quebra do tabu da hierarquia. Existem matérias além da grade obrigatória para que os estudantes possam “aprender a ser e conviver", como explica uma das gestoras da escola goiana Juvenal Pedroso, que ministra as disciplinas Projeto de Vida e Empreendedorismo. Nelas, os alunos "traçam com a professora como eles querem se ver daqui 5, 8, 10 anos”. Também há a “Pedagogia da Presença”, que inclui uma cultura de comportamentos pautados pelo exemplo, comunicação não-violenta e não-punição, na qual os conflitos são resolvidos na base da conversa, em detrimento de advertências ou suspensões.

As estratégias pedagógicas mesclam métodos de fixação e de estimulo à criatividade e ao protagonismo, como feira de ciências, atividades esportivas, tutoria entre alunos e aulas eletivas criadas pelos alunos. A escola Walfrido Teixeira, em Sobral (CE), oferece cursos técnicos de enfermagem, saúde bucal, informática e rede de computadores, além de atividades culturais, projetos de música e poesia, com uma “atmosfera de liberdade e de espaço para a expressão individual dos jovens”: nos intervalos, há música ambiente e os alunos podem se distribuir pelo espaço conforme sua preferência. Também é incentivado que os estudantes participem na gestão escolar, seja avaliando os professores no Conselho de Classe, seja apresentando a escola a novos alunos.

 

 

O relatório da série conclui: "Após todas essas análises, podemos tirar algumas conclusões, sendo a mais importante delas a de que nossas melhores escolas e sistemas fazem grandes ações pela aprendizagem dos alunos, mas ainda enfrentam desafios significativos perante os sistemas educacionais mais efetivos em perspectiva internacional". De acordo com o Inep, em 2017, mais de 400 mil alunos abandonaram o ensino médio durante o ano letivo. "Certamente, esses ainda são diagnósticos que precisam ser aprofundados e estudados por outras pesquisas. O que esperamos com a série Excelência com equidade é trazer luz às tomadas de decisão de política pública e inspirar que mais estudos se dediquem a olhar as boas práticas do país e como garantir sistemas educacionais mais eficazes", finaliza.

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