A grade curricular pedia que as professoras trabalhassem o gênero poesia no 1o ano do ensino fundamental. Mas, entre o que é pedido e o que é feito, há um caminho imenso de possibilidades. E as professoras da Escola Municipal Professora Maria de Lourdes M. R. dos Santos, de Taquarituba, interior de São Paulo, escolheram um bem trabalhoso e que certamente ficará marcado no coração das crianças e da comunidade: o projeto culminou com o sarau de poesia “Recitar e cantar, é só começar!”
À frente de pais e outros convidados, no palco do Teatro Municipal da cidade, os estudantes declamaram poesia e cantaram poemas musicados da dupla Lalau e Laurabeatriz. Mais do que aprender a ler, mais do que aprender poesia e rimas, eles aprenderam ali a ter confiança neles mesmos e entenderam que a cultura pode levá-los a ocupar seu próprio espaço no mundo.
(As três turmas do primeiro ano da Escola Municipal Profa. Maria de Lourdes M. R. dos Santos no dia do sarau / Acervo pessoal)
“Esse projeto trabalhou bastante a oralidade com eles, que é um dos eixos da língua portuguesa e que, às vezes, é deixado de lado. Eles se apresentaram em um palco, para muitas pessoas. Como a gente trabalhou a autoconfiança, são coisas que ficam para a vida”, comenta a professora Janaina Pedroso de Miranda. A ideia de fazer um evento maior, com música e envolvendo as famílias, partiu dela. Janaina já tinha realizado um pequeno sarau com uma turma anterior, com uma apresentação simples na escola. Mas, no ano passado, lembrou que o marido – Mário, também professor, mas de adolescentes – tinha musicado as letras do livro “Bem-Te-Vi e outras poesias”, de Lalau e Laurabeatriz, para a filha quando era pequena. E propôs às professoras de outras turmas do 1o ano, Richele Aparecida Brisola e Talita Maria Corrêa, que se unissem para fazer o sarau com poemas musicados e declamação.
(As crianças também se apresentaram com dança no sarau de poesia / Acervo pessoal)
Os pais foram convocados a ajudar os pequenos a ensaiarem seus poemas em casa. O marido e a filha de Janaina, Talita, de 7 anos, gravaram as músicas como modelo e se dispuseram a ajudar nos ensaios, com a professora de artes Alessandra Dognani. Os educadores pediram autorização para os autores, a diretora Simone de Oliveira e o coordenador pedagógico, Régis da Silva, foram envolvidos e o projeto, desenvolvido em parceria com o programa A União Faz a Vida. Pais e professores correram atrás de camisetas personalizadas com uma ilustração de Laurabeatriz e, assim, em 18 de outubro, as crianças se apresentaram no teatro.
Em cerca de uma hora, elas cantaram oito músicas de Lalau, todas relacionadas ao tema natureza, declamaram poemas dele e de poetas como Vinicius de Moraes, e dançaram. “É um gênero que as crianças gostam muito, que elas aprendem primeiro a falar e repetir e que agora aprendem a ler”, comenta Janaina. "E com o desenvolvimento do projeto do sarau, os alunos demonstraram mais entusiasmo e envolvimento, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa", complementa Talita.
(Os alunos declamaram poemas de Lalau e de outros poetas / Acervo pessoal)
Mas estar num palco, para aquelas crianças que moram em uma área carente da cidade, foi muito mais do que concluir um projeto de língua portuguesa. Foi dar voz, ter protagonismo. “O resultado é extremamente perceptível, desde os primeiros ensaios. O crescimento e o envolvimento dos alunos, a clareza do aprendizado da criança e também o crescimento para além da escola. Ser protagonista desse evento traz para ela a responsabilidade e a vontade de que tudo dê certo. E, para nós, professores, a satisfação e a alegria por ter acreditado”, diz Richele.
As crianças, que tinham começado o ano sem saber ler nem escrever, terminaram não só alfabetizadas, mas encorajadas a sonhar e a ocupar seus espaços, cientes de que não são apenas sujeitos passivos, mas podem construir também seu aprendizado. “Foi maravilhoso, por tratar de um público carente e, na maior parte das vezes privado de cultura, o sentimento das crianças e pais que os assistiam era de que eles realmente podem acreditar que são capazes, que a cultura não está tão distante”, completa Richele.
(As professoras Janaina, Richele e Talita, idealizadoras do sarau, com as camisetas feitas especialmente para o evento / Acervo pessoal)