Lalau e Laurabeatriz: uma dupla bem brasileirinha

24/04/2020

Eles se conhecem há mais de 25 anos. Já fizeram mais de 60 livros juntos. O primeiro foi “Bem-te-vi e outras poesias”, publicado em 1994 pela Companhia das Letrinhas. De lá para cá, o paulistano Lázaro Simões Neto, mais conhecido como Lalau, e a carioca radicada em São Paulo Laura Beatriz de Oliveira Leite de Almeida, a Laurabeatriz, estão sempre pesquisando novos bichos para virarem poemas e desenhos – e não são casados, como muitos pensam.

(Foto de Laurabeatriz)

Juntos, encontraram um nicho que ninguém explorava e do qual pouco se sabia: a fauna e flora brasileiros. Fizeram tantas pesquisas e publicaram tanto sobre o assunto que são hoje a dupla de autores, ao menos entre os infantis, que mais conhece nossa biodiversidade. “O que era um trabalho de parceria virou uma amizade sólida, de muito respeito mútuo, bom humor e bem tranquila. Sempre temos novos projetos, novos temas. E vamos em frente, com o mesmo entusiasmo e paixão pela literatura para crianças”, comenta Lalau.

Eles acabam de lançar, pela Companhia das Letrinhas, o livro “Brasileirinhos da Amazônia”, o terceiro da série Brasileirinhos pela editora. A coleção, na realidade, foi publicada no início dos anos 2000 pela antiga editora Cosac Naify, em cinco volumes. A Letrinhas republica agora a série, mas com mudanças e este terceiro livro é totalmente inédito, com poemas e ilustrações novos – nos dois anteriores, “Brasileirinhos” e “Bebês brasileirinhos” foram incluídos dois bichos novos. Em tempos de desmatamento recorde da Amazônia – no primeiro trimestre de 2020 foi 51,4% maior que no mesmo período do ano anterior, conforme dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2019, o aumento do desmatamento na região foi de 85,3%, segundo o Inpe, quando comparado a 2018.

(Foto de Lalau)

Nessa entrevista, eles falam, cada um de sua casa, sobre a situação da Amazônia, o processo de produção dos livros e o papel de pais, professores e crianças para preservar o meio ambiente. Confira!

***

Brasileirinhos é uma série que foi publicada pela editora Cosac Naify no começo dos anos 2000. Há pouco tempo, ela voltou ao mercado pelas mãos da Companhia das Letrinhas, mas em edições diferentes. Por que animais da Amazônia?

Lalau - A coleção Brasileirinhos sempre se caracterizou como um retrato de animais em risco de extinção de todo o país, dos vários biomas. O que acontece com a Amazônia, todos os problemas ambientais que conhecemos e que vêm se agravando com o tempo, nos fez pensar em algo especial. Como dizemos na quarta capa: “É preciso conhecer, respeitar e preservar a região da maior biodiversidade do mundo”.

Laurabeatriz - Em 2001, publicamos o primeiro livro da série Brasileirinhos, e fizemos mais quatro. Agora, na Companhia das Letrinhas, relançamos “Brasileirinhos” e “Bebês brasileirinhos”. Este novíssimo livro da série está sendo lançado numa hora muito importante, em que a Amazônia se encontra tão ameaçada. Ele já vem com uma proposta diferente, com outros bichos, e uma parte final com várias espécies daquele bioma.

A Amazônia tem passado por um período de desmatamento crescente de 2017 para cá, o que pode implicar na dificuldade de sobrevivência de inúmeras espécies. Como vocês têm visto essas políticas de proteção ao meio ambiente?

Lalau - Se o desmatamento é crescente, significa que as políticas de proteção não funcionam como deveriam. É preciso ouvir quem está lá na floresta, quem vive dos recursos da floresta, quem historicamente a preserva.

Laurabeatriz - Infelizmente, é muito triste ficar sabendo de tantos absurdos que vem sendo cometidos pela política atual do meio ambiente: o desmatamento, a caça, os incêndios criminosos, as agressões aos povos indígenas. O mundo inteiro tem que adotar um novo comportamento para que possamos salvar o nosso planeta. Ainda dá tempo! Vamos lutar!

(À esquerda, esboço do livro "Brasileirinhos da Amazônia" feito pela Laurabeatriz e à direita, a versão publicada)

Vocês são a dupla de autores (ao menos entre os infantis) que mais conhece sobre os bichos do Brasil. Pesquisar essa área mudou o que na vida de vocês?

Lalau - Além da coleção Brasileirinhos, temos outros títulos sobre animais. Em todos, fazemos pesquisas, levantando características, hábitos, habitat, problemas que enfrentam etc. Esse trabalho mudou nosso olhar sobre a natureza, o sentimento de querer participar cada vez mais das questões ambientais e, principalmente, a vontade de proporcionar ao pequeno leitor acesso a essas informações. Tudo fica mais intenso e apaixonante.

Como foi começar essa “jornada” atrás da fauna e flora brasileiros? Vocês fizeram cursos?

Lalau - O começo foi uma conversa entre Laurabeatriz e sua irmã, Ângela Leite, artista plástica e ambientalista. Por que não fazer algo para os animais brasileiros que estão em risco de extinção? Percebemos, a partir daí, que havia pouquíssimo conhecimento sobre o assunto. A primeira fonte de pesquisa que buscamos foi uma lista de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção publicada pelo Ibama. Com o passar do tempo, utilizamos outras fontes: sites, livros, documentários, revistas especializadas e, até mesmo, consultoria de cientistas e biólogos.

Laurabeatriz - Lalau e eu consultamos vários biólogos e aprendemos muito com as pesquisas que precisamos fazer, tanto em livros, como na internet  e até pessoalmente, em alguns casos. No caso do cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), por exemplo, precisamos pedir ajuda a uma amiga bióloga que estava em um trabalho de campo no Pará e nos enviou fotos, que aqui não conseguíamos encontrar.

(Caderno de rascunhos de Lalau)

Como foi o processo de criação da série Brasileirinhos? Como selecionaram os animais? Viajaram para seus hábitats?

Lalau - Em todos os volumes da coleção Brasileirinhos, o processo é o mesmo. Tudo começa com a seleção dos bichos, na qual a gente procura contemplar as várias espécies: aves, mamíferos, répteis, peixes, insetos. Depois das escolhas, partimos para as pesquisas e a criação dos textos e ilustrações. Já contamos com consultoria de biólogos e ornitólogos em vários livros. Do início das pesquisas até o final dos poemas e ilustrações, levamos de 2 a 3 meses de trabalho. Infelizmente, não viajamos para os lugares onde os brasileirinhos habitam. Quem sabe, nos próximos projetos, isso possa acontecer!

Quais foram as maiores descobertas nessas pesquisas todas?

Lalau - Descobrimos um país riquíssimo em biodiversidade, com uma fauna extraordinária e exuberante, animais com importantes papéis no equilíbrio do meio ambiente. Ao mesmo tempo, encontramos uma realidade muito cruel. A caça ilegal, o tráfico de animais silvestres, o desmatamento descontrolado das florestas e outras ações predatórias do homem foram tristes descobertas que as pesquisas nos trouxeram. Entra ano, sai ano e não chegamos a uma solução que possa frear o desmatamento da Amazônia e recuperar áreas perdidas.

Que animais ou plantas vocês desenvolveram mais carinho?

Lalau - Eu sou apaixonado pelas aves. O Brasil possui quase 2.000 espécies diferentes, coloridas e exóticas. Infelizmente, muitas e muitas delas sofrem demais com a caça, o tráfico e outros problemas ambientais.

(Outro esboço do livro, ilustrado pela Laurabeatriz)

(Como acabou publicado)
 
Vocês pensam em alguma continuação para essa série?

 

Lalau - Pensamos em trabalhar outros biomas: cerrado, mata atlântica, pantanal, caatinga, pampa. Todos, infelizmente, têm problemas ambientais graves.

O trabalho de vocês tem sido muito importante ao demonstrar para crianças características do país delas que raramente teriam contato de outra forma. Como vocês veem isso?

Lalau - Com a informação, a criança se conscientiza. Com a poesia, o lúdico e a beleza dos animais, retratada nas ilustrações, a criança se emociona. O que pretendemos é juntar essas duas coisas para a ideia de preservação ser acolhida pela criança. É um trabalho de formiguinha, como se diz. Ano após ano, desde o primeiro “Brasileirinhos”, vamos às escolas, conversamos e ouvimos muito as crianças. O interesse cada vez maior delas pelo assunto é gratificante. Fazemos nossa parte nessa luta justa pela vida.

Laurabeatriz - A grande conquista que podemos comemorar nesse tempo, desde 2001, foi conseguir passar informações importantes para as nossas crianças sobre a fauna do Brasil, até então bastante desconhecida para elas. Com esse conhecimento, temos certeza de que elas vão se tornar também protetoras do nosso meio ambiente. A juventude consciente é a grande esperança para o nosso mundo!

(Mais um esboço de Laurabeatriz)

(E como de fato ficou)

Quais são, hoje, os maiores desafios do Brasil e do mundo com relação ao meio ambiente?

Lalau - São muitos: lixo, poluição das águas, queimadas, desmatamento e outros. Mas achamos que o principal desafio é conscientizar, fazer entender que qualquer agressão ao meio ambiente traz graves consequências na qualidade de vida de todos nós. 

Como vocês veem vozes jovens como a da Greta Thunberg se levantando contra as mudanças climáticas? Quem seriam nossas Gretas?

Lalau - Sempre é importante que jovens se manifestem sobre os problemas do meio ambiente no mundo todo. No Brasil, temos nossas vozes: povos indígenas, ONGs, ambientalistas, jornalistas, artistas e muitos outros. Mas faltam visibilidade, respeito e a adesão do poder público. Todas essas vozes precisam ser ouvidas.

O que pais e professores podem fazer?

Lalau - A sociedade precisa entender e respeitar a natureza. Professores e pais, além de estarem engajados na questão, devem levar mais e mais informação à criança. O tema preservação deve fazer parte do dia a dia da escola e dos lares.

E o papel das crianças? 

Lalau - Elas crianças precisam saber o que está acontecendo, precisam conversar a respeito. Devemos formar pessoas do bem, participativas e conscientes. A leitura, sem dúvida, é uma poderosa força para isso.

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