Medo do escuro, medo de ficar sozinho, medo de barulho, medo de pegar uma doença, medo de um vírus. Medo. Uma palavra tão pequena mas que pode tirar o sono de muitas famílias. Das crianças mais ainda. Ainda mais em tempos de muitas notícias tristes e tensão no ar – elas captam essa sensação e, não raro, voltam a apresentar medos que já tinham superado ou passam a ter muitos sonhos agitados e falar à noite. Inclusive, a hora de ir para a cama pode virar um pesadelo se a criança tiver temores que a impeçam de dormir sozinha, por exemplo. Mas esse sentimento é uma resposta natural do mecanismo de defesa do ser humano e, em certa medida, é benéfico para a formação emocional.
(Crédito: Foto de Jordan Whitt no Unsplash)
Só é preciso ficar atento. Medo em excesso pode ser sinal de risco e o sentimento está muito associado à ansiedade. Por isso, se o seu filho está passando por muitos medos é hora de prestar atenção nos sinais, respirarem juntos e descobrir o verdadeiro motivo de tanto medo. E o mais importante: se estiver impedindo comportamentos, procure um profissional. Principalmente em épocas como essa que estamos vivendo, que traz muitas incertezas. “O medo faz parte da natureza e do desenvolvimento humano. Desde que nascemos ele está presente. Ainda durante a infância, esse sentimento vai sendo organizado de forma que as crianças entendam qual medo é benéfico e qual não é. O medo bom é aquele que preserva a criança, como por exemplo, medo de subir em lugares muito altos. Agora, medos como o do escuro podem colocar a criança numa prisão sentimental e ela não consegue conversar sobre o assunto”, diz Ana Carolina Pacheco, psicóloga e psicoterapeuta corporal.
Como resolver essa situação?
Ainda segundo a psicóloga, é preciso antes de tudo respeito. Isso mesmo. Não desmerecer o medo da criança, ouvir e tentar chegar a uma solução conjunta pode ser a melhor saída. “Muitas vezes as crianças não verbalizam o que estão sentindo. Os pais têm que estar atentos a todos os sinais e, principalmente, não falar que o medo é bobagem. É preciso dar espaço para ela, ouvir de forma tranquila e dar atenção”, explica. Preste atenção sempre ao comportamento do seu filho, até porque conforme ele cresce, os medos (e os motivos deles) mudam.
Além disso, muitos dos medos infantis podem surgir da observação. Pais que são muito ansiosos, ou ainda apresentam muito medo de algo podem transferir esse sentimento aos pequenos. Em tempos de pandemia, por exemplo, em que há um medo coletivo de um inimigo invisível, a reação da criança estará atrelada automaticamente ao comportamento dos pais. “A criança se situa no medo exatamente como os pais estão situados. Se ela vive em uma casa onde os adultos estão sempre falando sobre o vírus, sobre o número de mortes ou ainda, podem não falar nada, mas demonstram muito medo da situação, é bem provável que esta criança também desenvolva um medo acima do normal”, diz.
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Para superar o medo: histórias assustadoras
Outra maneira de trabalhar o medo é por meio de histórias. Além de organizar a ideia da criança sobre esse sentimento tão comum, elas podem ajudar a desmistificar algumas das ilusões criadas. Não há uma idade exata para apresentar essas histórias, mas é importante perceber se a criança já conhece o universo que está sendo mostrado, ou seja, se nunca ouviu falar em bicho-papão, por exemplo, pode não ser legal ler uma história sobre o monstro, pois um novo medo pode aparecer.
“As histórias infantis trazem uma riqueza do mundo interno da criança que vai facilitar no processo de aprendizagem, na construção do pensamento, da linguagem e na esfera emocional. Assim, as histórias contribuem para o autoconhecimento da criança, e isso pode ajudar a superar alguns medos”, conta a psicopedagoga Jurândi Serra Freitas, professora da Universidade Tuiuti do Paraná, em Curitiba (PR).
Mas, antes de usar livros e histórias é importante envolver a criança. Se ela tem medo de escuro, por exemplo, e você sugerir um livro que fale sobre o tema, fique de olho na reação dela. Caso manifeste apreensão ou não se sinta confortável, isso pode potencializar o medo. Então, vá com calma.
No entanto, o fato de ler para seu filho já mostra que há um interesse e uma responsabilidade afetiva, pois esse é um momento de atenção e de dedicação aos pequenos. Por isso, não pense duas vezes. Um livro sempre será um aliado na criação de uma criança.
5 livros sobre medo
(Ilustração do livro O escuro)
O escuro, de Lemony Snicket com ilustrações de Jon Klassen
Luca tem medo do escuro, mas o escuro não tem medo dele. Os dois vivem na mesma casa, mas o escuro quase não sai do porão. Até que, uma noite, ele resolve sair. Vai ao quarto de Luca e o convida para descer até o cômodo mais sombrio da casa. E é lá que o menino percebe que até para o seu maior temor existe uma solução. Neste livro, Lemony Snicket fala com sensibilidade sobre o mais comum dos medos e mostra que enfrentá-lo pode ser menos difícil do que parece.
Marco queria dormir, de Gabriela Keselman com ilustrações de Noemí Villamuza
À noite, parece que tudo se transforma: o que é pequeno fica grande, o que é concreto vira abstrato e as coisas são engolidas pela escuridão. Era por isso que Marco não conseguia dormir. Para ajudá-lo, sua mãe tenta de tudo: cria um traje antimosquitos, escreve uma carta à Lua, arranja um bastão de escalada para manter o filho firme na cama... Mas será que Marco precisava mesmo de tudo isso? Às vezes, o que está faltando para uma noite tranquila é algo mais simples, que não tem forma nem cor, mas muda alguma coisa dentro da gente.
A visita, de Antje Damm
Elise é uma mulher muito medrosa. Tem medo de aranha, medo de gente e até medo de árvore. Por isso vive sozinha e sozinha pretende ficar. Mas, quando menos espera, um aviãozinho de papel entra por uma janela, atrapalhando sua paz diária. No dia seguinte, certa visita bate em sua porta. E Elise não sabe o que fazer! Será que ela deve receber um estranho - e abrir um espaço como esse em sua vida? Ou deve ignorar e manter tudo da mesma forma? Nesta narrativa, fica claro como, às vezes, basta abrir uma porta para que grandes transformações aconteçam em nossas vidas.
Medo, organizado por Hélène Montardre e ilustrações de Olivier Balez, Gwen Keraval, Anaïs Massini e Guillaume Renon
Por mais estranho que isto pareça, às vezes sentir medo pode ser bom. Principalmente quando temos certeza de que o perigo não é real e tem hora para acabar: ele está dentro de um livro, de um filme ou em alguma história que ouvimos, e aí é só deixar a imaginação rolar e aproveitar o frio na barriga. Com esta coletânea, que reúne o que há de melhor em matéria de diabos, cemitérios, animais estranhos, casas abandonadas, assombrações e mortos-vivos, não vai ser difícil experimentar um nó na garganta, o coração disparado, tremores e calafrios.
O livro dos medos, de vários autores e ilustrações de Maria Eugênia
Eles são de muitas qualidades e variam conforme o lugar, a época, a pessoa e a história da pessoa. Só uma coisa não varia: todo o mundo tem e continua tendo - e mais de um ao mesmo tempo. Onze autores escolheram uma manifestação do medo e em torno dela escreveram histórias muito diferentes entre si: medo de que os pais se separem, medo do escuro, medo de mordida de jacaré, medo de avião, medo de vampiro... Há medo para todos os gostos. Falar sobre eles (ou ler) é sempre uma forma de torná-los um pouco mais mansos.
(Texto e reportagem de Ana Luísa Pereira)
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