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10 livros para conhecer a cultura africana
Uma seleção de livros que ajudam a trazer um pedacinho da cultura de alguns dos países africanos para as crianças, em narrativas afrocentradas
Que histórias estamos contando sobre as pessoas negras nos livros? Quem escreve essas histórias para crianças e adolescentes? Como a população negra está representada nesse espaço tão importante da vida cotidiana e da formação de nossos alunos? O debate não é novo. Mas será que as respostas representam avanços na questão da representatividade e do antirracismo?
Depois de um ano marcado por uma maior visibilidade à luta antirracista no Brasil e no mundo, o Blog da Letrinhas foi atrás das respostas. No campo da literatura infantojuvenil, houve alguns progressos, mas ainda temos muito a caminhar. Um exemplo foi o projeto Escola antirracista: construindo comunidades afirmativas, um catálogo coletivo que reuniu 11 editoras com uma seleção de obras de temáticas étnico-raciais e ideias e práticas para combater o racismo em sala de aula. Mas os livros didáticos e paradidáticos, que são os mais presentes no dia a dia das crianças, que lugar estão reservando à representação das pessoas negras?
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Unsplash: Ismail Salad Hajji dirir
Autora de diversos livros sobre o tema, entre eles A discriminação do negro no livro didático, Ana Celia da Silva analisou materiais didáticos de Língua Portuguesa de séries iniciais em diferentes momentos da história brasileira e constatou mudanças positivas ao longo dos últimos anos. A primeira vez foi entre 1986 e 1988, em sua pesquisa de mestrado, quando analisou 82 livros didáticos e obteve resultados alarmantes. A segunda, em 2001, ao examinar 15 obras da disciplina de Língua Portuguesa de séries iniciais. O resultado? Cinco apresentaram mudanças significativas na representação da população negra.
Ana Celia explica que, na pesquisa dos anos 1980, percebeu que a rara presença de negros foi marcada pela estereotipia, sugerindo uma “desumanização” e “incapacidade intelectual”. Segundo a especialista em Estudos Africanos pelo CEAO/UFBA, as pessoas negras eram ilustradas e descritas dissociadas de contextos sociais próprios - como escola, família, igreja e trabalho.
“Os estereótipos mais frequentes na representação foram os de incapaz, mau, feio, sujo, estigmatizados em papéis sociais subalternizados e em minoria nos grupos sociais”, afirma a professora, que é mestre e doutora em Educação pela UFBA. Sua pesquisa concluiu que o livro didático exibia uma representação negativa da população negra, cujas consequências, diz ela, eram a perda da autoestima, a autorrejeição e a rejeição ao seu outro assemelhado.
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Quando voltou a analisar os livros escolares, em 2001, a situação havia mudado um pouco. Havia, por exemplo, personagens com status socioeconômico e diversificação de papéis e funções sociais em cinco livros. “Os negros eram humanizados, sem mais caricaturas; havia menção positiva a crianças, jovens e adultos negros com nomes próprios, e não mais identificados pela cor da pele e por adjetivação pejorativa; personagens negros interagindo com outras raças/etnias, praticando atividades de lazer (antes só trabalhavam); crianças frequentando a escola, praticando boas ações”, exemplifica ela. Apesar dos avanços, as pessoas negras continuavam representadas como minoria, pontua Ana Celia.
Outro levantamento semelhante, realizado pela Fundação Carlos Chagas entre 1946 e 1976, com base em títulos depositados na Biblioteca Nacional, chegou a conclusões semelhantes à primeira pesquisa de Ana Celia. Pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Paulo Vinicius Baptista da Silva explica que foi identificado uma presença mínima de personagens negras e intensa estereotipia. “Era sempre uma mulher negra com um lenço na cabeça, sem nome e sem presença na narrativa. A figura da empregada doméstica era a principal para as mulheres, enquanto os homens eram trabalhadores braçais, nunca com algum poder ou parte intelectual”, conta o pesquisador, que é superintendente de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Hoje, os livros publicados e comprados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) trazem maior presença negra, conta Silva. “Vemos mais personagens negras como principais. Mais personagens negras como narradoras – e com aspectos positivos na trama. Há questões relacionadas ao racismo na história, mas não apenas: vemos personagens negras dentro de outras temáticas, o que considero ser ainda mais relevante.”
Mas ainda há muito a fazer para garantir representatividade e combater o epistemicídio na educação. Em linhas simples, esse termo representa um apagamento ou uma subalternização do conhecimento e de outras culturas que não sejam a ocidental (branca). A filósofa, ativista do movimento negro e doutora em Educação Sueli Carneiro, ao escrever sobre epistemicídio em 2005, explicou que
Silva conta que há também um movimento de maior diversificação nos últimos anos, o que está relacionado ao movimento identitário e de afirmação da comunidade negra. São mais traduções de livros, produções independentes e surgimento de pequenas editoras especializadas em publicações de temáticas afro-brasileiras e africana.
Apesar da diversificação dos acervos, grande parte das personagens negras ainda aparecem restritas a espaços da cultura negra ou de discussão da temática do racismo. “É claro que há um avanço muito importante. Mas mais importante é que personagens negras estejam nos mais diversos espaços, histórias e narrativas, como ocorre na vida”, diz Silva.
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Mesmo com algum avanço nos últimos anos, muitos professores ainda podem se deparar com livros didáticos que carregam preconceitos em relação à população negra. No caso das escolas públicas, isso já não deveria mais acontecer também por ser item de exclusão de obras nos editais do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
E os especialistas são unânimes em dizer que é preciso eliminar toda e qualquer representação negativa.
“A criança, não se vendo representada de forma positiva, recebendo a carga da negatividade imposta a sua imagem, sua cultura e sua história, não tem interesse nesse currículo, nessa história que não a contempla, nesses livros que a representam feia, má e incapaz”, diz Ana Celia. Ela considera que a reconstrução da autoestima e da identidade negra deve ser a primeira ação da educação antirracista em todos os espaços educativos.
Silva chama atenção para a necessidade de mostrar pessoas negras em diversos espaços e situações. “É importante que professores quebrem os estereótipos e ofereçam aos alunos a perspectiva que existe na realidade. Os negros estão em posições de importância social e relevância intelectual. Também são cientistas, gestores e políticos.”
Os livros paradidáticos podem ter um papel importante nesse contexto. Ana Celia diz que as produções de professoras e professores do movimento negro e outros autores têm apresentado temáticas que propiciam às crianças negras e não negras o conhecimento do cotidiano, cultura e história do povo negro.
“Os materiais colaboram no conhecimento, reconhecimento e respeito do outro significativo social.” Entre os exemplos de autores de livros infantis escritos por professores militantes, mestres e doutores em educação e outras especializações, ela cita Nilma Lino Gomes, Vanda Machado, Ana Fátima Cruz dos Santos, Iray Galrão e Walter Passos.
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