“Eu realmente boto fé de que, se tem um jeito da gente resolver um pouquinho esse mundo, é através das mulheres equilibrando essas estruturas de poder.”
Essa é a crença de Aju Paraguassu, nome artístico de Juliana Rangel, de 32 anos, artista e designer formada em desenho industrial pela Universidade Federal da Bahia. Ela se considera uma mensageira visual e foi escolhida para ilustrar a versão infantojuvenil de Sejamos todos feministas, da premiada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, lançado pela Companhia das Letrinhas.
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Capa da edição especial adaptada para crianças e jovens leitores de Sejamos todos feministas, ilustrado pela artista e designer Aju Paraguassu.
“Eu já tinha feito capas de livro, mas nunca um livro inteiro, muito menos infantil. Esse livro é possivelmente um dos grandes trabalhos da minha vida: por ser o livro da Chimamanda, pelo alcance do discurso, pelo nível de distribuição que a Companhia das Letras pode proporcionar. Então do ponto de vista de ‘estratégia de guerra’ e como feminista que eu sou, é muito importante. E isso me paralisou muitas vezes”, conta a artista, que nasceu em Aracaju e se mudou para Itaetê, na Bahia, aos dois meses, onde viveu até os nove, quando foi para Salvador.
Ela já tinha lido a versão original de Sejamos todos feministas e Americanah, da Chimamanda. “Fiquei muito impressionada, na época, com o Sejamos por ser tão popular, tão acessível. A fala dela é muito simples e isso é muito raro: expor conceitos de forma que uma grande parcela da população consiga acessar. Já presenteei várias pessoas com esse livro. E a Chimamanda é uma pessoa muito inspiradora, muito forte, com a vibração muito feliz. É muito gostoso isso nela. Também admiro muito os looks, eu amo como ela se veste”.
Aqui ela conta sobre o trabalho minucioso e especial de pesquisa para criar as ilustrações do livro, que foi feito com colagem e ilustração digital, e teve inclusive episódios em que precisou superar a síndrome da impostora.
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Chimamanda em uma das versões do processo de ilustração de Aju Paraguassu para a edição infantojuvenil de Sejamos todos feministas.
Como foi seu processo de criação?
“Foi um processo longo, de pouco mais de um ano. O processo de pesquisa começou pela Nigéria, com imagens, cenas, objetos, crianças, elementos que ajudassem a construir as cenas para as páginas. O amigo de um grande amigo meu, que passou um tempo ensinando e pesquisando na Nigéria, cedeu todas as fotos e os documentos desse período para mim.
Foi bem difícil encontrar um caminho, porque fiz um primeiro livro inteiro com colagem, que é uma técnica com a qual eu tenho muita segurança para trabalhar, mas cada página acabou com um impacto um pouco diferente da outra; a narrativa não estava muito concisa. Depois de seis meses de produção, mudamos todo o trajeto.
Foi quando eu percebi que poderia unificar Nigéria e Salvador, tanto que a paleta de cores do livro impresso é bem Salvador, bem Olodum e Ilê Aiyê - pan-africana. Isso é bem importante para mim, porque Salvador é muito marcante, eu considero (não só eu, claro!) que é uma cidade da resistência; você percebe a resistência do povo daqui. A força do povo preto nessa cidade é muito forte. E, como mulher candomblecista, eu tinha muito interesse em demarcar essa força, essa conexão com a Roma negra, que é Salvador.
Uma das versões anteriores da capa de Sejamos todos feministas, por Aju Paraguassu
Quando eu saí um pouco dessa coisa de tentar trazer só a Nigéria e trazer mais a minha realidade de Salvador é que o processo deslanchou mais fácil. Aí foi coisa mesmo de se debruçar sobre os desenhos, para ficarem bem resolvidos, com a energia adequada.
E a colagem que permaneceu do primeiro livro ficou como fundo das páginas, como uma abstração para relevos, rios, montanhas. Essas várias composições de fotografias e papéis rendeu essa ‘cama’ do livro final. A primeira pesquisa acabou mostrando o caminho para que tipo de energia eu queria para o livro”.
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Quem são as crianças que aparecem no livro?
“Elas são mais criação do que aproximação, mas eu me inspirei muito nas crianças que eu conheço aqui ao meu redor: as filhas das minhas amigas, as crianças do meu terreiro, as crianças daqui de Salvador. Eu coloquei penteados que elas usam, acessórios. Tem um fio de contas que rasga o livro inteiro, por exemplo, que foi inspirado nas crianças do terreiro: quando não têm muito o que fazer, a mãe de santo deixa elas brincarem com as contas. E elas fazem muitas pulseirinhas, colares que a gente compra e paga com uma fruta ou com um doce, sabe?
E eu queria crianças questionadoras, crianças estudiosas, livres, brincando, crianças com o seu brilho dos erês. É a grande proclamação do livro, né? Proclamar crianças livres crianças, que se permitam descobrir quem são antes de serem taxadas por uma cultura imposta. Eu queria essa criança emancipadora, essa coisa da educação como emancipação, do Paulo Freire.
Tive muito cuidado para oferecer uma diversidade de crianças pretas, tinha muito esse foco na comunicação da diáspora entre África e Bahia. Fiquei atenta para essa diversidade de formas, de cores, de cabelos, de resistências, de roupas, de acessórios e de possibilidades mesmo para essas crianças, para que aparecessem da forma mais diversa possível dentro da negritude.”
As contas da ilustração final de Sejamos todos feministas, inspiradas em pulseirinhas e colares feitos pelas crianças do terreiro de Aju Paraguassu
Qual foi o maior desafio?
“O mais desafiador certamente foi essa baixa autoestima de achar que eu era capaz, achar que eu era a pessoa certa para fazer. Isso foi o mais desafiador. Fiquei muitas vezes questionando se eu era a pessoa adequada para esse trabalho, tive que ter muitas conversas com Helen [Nakao, supervisora de produção da Companhia das Letrinhas], em que ela me colocava muito pra cima e falava assim com clareza depois que a gente já tinha mais intimidade: ‘Juliana, se acalma, você é a pessoa perfeita para esse livro’.
Eu achava que tinha que ser uma pessoa com uma carreira de ilustradora mais consolidada, porque, por mais que eu desenhe, por mais que eu tenha habilidade, não sou ilustradora por vida e isso influencia muito. Eu sou muito perfeccionista, nunca achava que estava suficiente. Para eu achar que o livro estava pronto demorou muito. Eu confesso que já faria outras coisas diferentes, mas sou muito feliz com as escolhas e com o livro que nasceu, ele me ensinou demais.”
Ilustração final de Aju Paraguassu para a versão infantojuvenil de Sejamos todos feministas
Conta mais sobre ser feminista?
“Ave-maria, sou feminista demais! Fico sempre atenta pra saber se tem um jeito de ser mais feminista do que eu sou! Acho que a primeira vez que me reconheci como feminista foi o início dos anos 2010, quando o feminismo começou a chegar para mim, o discurso, o movimento enquanto possibilidade de saída. Hoje para mim o feminismo é o movimento que consegue estabelecer esse espaço de unificar uma luta. Eu acredito na revolução através dele, real-oficial! Para isso estou na política, amo as mulheres profundamente, tenho muita fé nas mulheres.”
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