Há coisas na vida que não se pode ensinar. Difícil imaginar, por exemplo, uma aula com o professor explicando como é que se dá carinho, ou uma mãe descrevendo pro filho o passo a passo para abraçar alguém. Abraçar se aprende abraçando. Carinho se aprende no encontro. É a troca de gestos e olhares que nos ensina a expressar o que sentimos e nos mostra as infinitas maneiras de nos relacionarmos com as pessoas à nossa volta.
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Com exercício físico é parecido. Não basta saber das regras e benefícios ou entender a mecânica dos passos. Informações técnicas e biomecânicas podem até melhorar o desempenho de um atleta, mas não constroem a vontade e o hábito de movimentar o corpo. Exercício exige prática, esforço, disciplina, intenção. É fazendo exercício que se descobre o prazer da atividade física, mas, quando a rotina se instala, a prática esportiva passa a ser parte da vida, como comer ou escovar os dentes. Não quer dizer que fica fácil acordar cedo e sair pra correr, até os grandes maratonistas tem preguiça às vezes, mas para quem corre, desânimo é desafio a ser superado, e a possibilidade da conquista passa a ser mais um motivo pra botar o tênis no pé.
Ilustração: Bicho Coletivo
O hábito da leitura é uma mistura de abraço e exercício. Afeto e disciplina. Não é possível ensinar uma criança a ser um leitor apenas usando um discurso eloquente em defesa da leitura. Não basta conhecer seus benefícios. Assim como o abraço, gostar de ler depende do encontro com o outro, da leitura feita com carinho, do olhar de quem indica a obra, da conversa gostosa sobre o que se leu. Assim como o exercício ou a alimentação saudável, formar um leitor exige disciplina, treino, repetição. O hábito, assim como o prazer, não é uma garantia, é uma conquista.
A última pesquisa Retratos da Leitura, realizada em 2019 pelo Instituto Pró Livro, mostrou que, para os leitores, o principal motivador para o hábito é o gosto pela leitura. A pesquisa deixou claro que, no Brasil, crianças leem mais que adultos e, entre todos os entrevistados, os que mais leem e mais têm prazer em ler são as crianças entre 5 e 10 anos. O curioso é que essa é exatamente a faixa etária em que as crianças estão aprendendo a ler e, até os 7 anos, poucos alunos conseguem ler com autonomia. A conclusão é que, se essas crianças estão lendo tanto, é porque tem alguém lendo para elas. E, se gostam de ler, é porque esse encontro com os livros tem sido prazeroso.
A mesma pesquisa perguntou a leitores de todas as idades quem tinha influenciado o seu gosto pela leitura. A resposta mais frequente, comum a 15% dos leitores entrevistados, indicou um professor ou uma professora. É natural que eles sejam muito lembrados quando se trata da formação de leitores, essa é parte essencial do trabalho na escola durante os 11 anos da educação básica. O que chama a atenção na pesquisa é que 13% dos leitores consideram a mãe como a pessoa que mais influenciou seu gosto pela leitura.
A proximidade entre esses valores, somada ao fato de que a faixa etária que mais lê é justamente aquela que depende de um adulto leitor, faz pensar que alguma coisa muito potente deve estar acontecendo nas leituras em família. Por isso volto ao abraço e ao exercício.
Mães são aquelas que fazem cafuné enquanto leem. Elas olham com orgulho quando o filho faz uma pergunta pertinente e desejam boa noite, com beijinho, quando ele pega no sono antes do desfecho. Tudo isso é afeto!
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Mães são aquelas que insistem em servir abobrinha mesmo depois de tantas recusas e repetem diariamente "tira a roupa do chão!", "já escovou os dentes?". O que é isso senão resiliência e disciplina?
Para quem precisa convencer os filhos a tomarem remédio amargo ou provarem abobrinha, encantar uma criança lendo sobre um ratinho malandro e um Grúfalo de verrugas peludas e garras afiadas é moleza. É por isso que, mesmo sem terem estudado educação, as mães são tão eficientes como formadoras de leitores.
Os momentos de história em família costumam ser descritos por adultos leitores como encontros afetivos e importantes na construção de vínculos. Reservar um tempo para ler com um filho é escolher deixar todo o resto da vida em suspenso para priorizar um encontro onde a obra é protagonista. Esse gesto diz mais que qualquer discurso e as mães leitoras sabem disso.
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Elas sabem que o gosto pela leitura precisa ser conquistado, exercitado, acarinhado. Por isso, se você é hoje um adulto leitor, talvez a sua mãe tenha sentado muitas vezes ao lado da sua cama e enrolado seus cachinhos enquanto segurava o livro com uma mão só. Talvez ela tenha imitado monstros fazendo uma voz engraçada ou dormido no meio da história deixando o livro cair antes de você desvendar o mistério. Pode ser que vocês tenham rido muito lendo Píppi Meialonga, ou temido pela vida de um ratinho esperto tentando proteger seu morango vermelho de um grande urso esfomeado.
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Talvez todas essas lembranças tenham se perdido no tempo e é possível que sua mãe nunca tenha ficado sabendo o quanto aqueles momentos de leitura contribuíram para sua formação. Talvez ela nem se lembre da voz de monstro ou da história do ratinho. Mas nunca é tarde pra presentear alguém com uma boa lembrança! Domingo é dia das mães.
Patricia Auerbach é escritora e ilustradora, autora de obras como Direitos do pequeno leitor (2017), Histórias de antigamente (2016) e Pequena grande Tina (2013), da Companhia das Letrinhas.
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