Dia dos professores: o que realmente importa para os educadores?

11/10/2021

 

Queridas professoras,

Começo assim mesmo, no feminino, porque na educação básica brasileira as mulheres são a maioria. Mas peço aos homens que não se sintam desprestigiados, porque o que vou conversar aqui serve para todos os gêneros. Basta ser profissional da educação.

Resolvi escrever esta carta para trocar impressões a respeito do que ando pensando, estudando e dialogando com os profissionais da educação pelo Brasil afora. Assim, como amigas de longa data, podemos conversar mais de perto, esperando que esta carta que sai aqui no Blog da Letrinhas chegue até vocês.

Quero comentar sobre uma data especial que se aproxima: o Dia do Professor/a, que comemoramos por aqui no dia 15 de outubro, mas, para a Unesco, o Dia Mundial dos Docentes, instituído desde 1994, é 5 de outubro. Neste dia, já sabemos que o nosso WhatsApp (se estiver funcionando) vai encher de posts enaltecendo nosso trabalho. Na TV, os programas matutinos vão valorizar a nossa profissão. Artistas vão lembrar da sua professorinha da infância e não vão faltar histórias de superação. Todos os anos é a mesma coisa!

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Dia dos professores - Homenagem aos educadores que salvaram a escola durante a pandemia

Ilustração Bicho Coletivo

 

O que os professores têm para comemorar?

Mas, e nós? Como verdadeiramente nos sentimos nesta efeméride? O que temos para comemorar nestes tempos tão difíceis que vivemos? O que gostaríamos de ver ou vivenciar neste dia? Não estou falando daquele reconhecimento que queremos que venha da diretoria da escola, das famílias dos nossos alunos ou da nossa cidade. O que verdadeiramente importa para nós agora?

Então começo agradecendo a vocês, professoras e professores e aos demais educadores: vocês salvaram a escola! Nestes tempos pandêmicos, nadaram contra a corrente, não mediram esforços para acessar seus alunos nas condições que dispunham e, o mais importante, não desistiram! Sei que ficaram e seguem exaustas. Com toda razão! Mas sobreviveram e aprenderam muito com tudo que viveram. Aprenderam na angústia, no medo, na frustração, nos erros, nos acertos, nas dificuldades e no prazer de fazer coisas que não imaginavam que um dia fariam e com tanta rapidez. É importante que nunca se esqueçam disso!

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Mergulhamos em um tempo inimaginável, que começou em março do ano passado, sendo que no Brasil não tivemos diretrizes nacionais (segue não havendo) e os governos estaduais viveram a judicialização da educação, cabendo aos juízes criar a cultura do abre e fecha das escolas. Assim seguimos por meses, acreditando que o ano seguinte seria melhor. Porém o ano acabou e, mesmo com a chegada da vacina contra a Covid-19, começamos este ano sem saber exatamente quando tudo passaria e como as escolas iriam funcionar. No caos também seguimos sem dados nacionais sobre a incidência de contágio e falecimento de professores na pandemia.

Quando o assunto é educação, pudemos comprovar pelas mídias e nos debates pelas redes sociais que tem sido um tempo marcado por muitas análises de especialistas, sem que as professoras fossem devidamente ouvidas, no sentido de assumir um protagonismo na educação e muito menos os estudantes. Na mídia, aparecia basicamente depoimentos de crianças e jovens afirmando que tinham saudades dos amigos. Somente isso que tinham para falar diante de tudo que estavam vivendo? E as professoras? O máximo de participação que conseguiram foi constar como número de alguma pesquisa, nos diversos temas que envolvem a educação. O que não foi surpresa. Apenas repetiu uma situação que vem desde sempre.

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Volta às aulas: as dúvidas que permanecem

Agora vivemos a volta aos prédios das escolas. Algumas com a volta de 100% dos estudantes, outras mantendo o formato chamado híbrido, com alunos em casa, com aulas online e outros na escola, intercalando os dias das aulas presenciais. Outras sem saber quando todos voltarão. Mas até quando?

E para aqueles estudantes que não acessam a internet? Como estão conseguindo contactar a escola? E aqueles prédios escolares em que, mesmo com quase dois anos fechados, governos estaduais e/ou municipais não fizeram as melhorias básicas para que as escolas em situações precárias pudessem ter condições mínimas de funcionamento. Como os professores e professoras dessas escolas se sentem?

Nós precisamos ter os pés na realidade, para não nos contentarmos com as lembrancinhas comemorativas como prêmio de consolação pela data. Porém, não podemos ficar imobilizadas diante deste cenário

E as cidades? Como cada cidadão dos municípios brasileiros se sentiram com a situação da educação e em particular das escolas de cada cidade? Seguiram achando que isso é problema da secretaria de educação ou das diretoras das escolas? Se afetaram com a situação aqueles alunos que não conseguiram receber nada da escola? Se revoltaram quando souberam que a pandemia fez aumentar as desigualdades sociais?

 

A culpabilização dos professores

Se quando começou a pandemia ninguém sabia como agir, já que não tínhamos ideia de quanto tempo duraria o caos, agora, surgem as análises que apontam que os estudantes apresentam déficit ou defasagem de aprendizagem. Surgem diversos debates e pesquisas sobre o assunto e o caminho oferecido converge para a nova panaceia a ser consumida: capacitação no ensino híbrido.

Ilustração de Aju Paraguassu para o livro "Sejamos todos feministas" (edição de luxo ilustrada), de Chimamanda Ngozi Adichie

De novo, colocam as professoras na gincana para correr atrás do tal prejuízo. De novo sobra para as professoras compensarem aquilo que foi considerado perdido ou prejudicado, para colocar todo mundo “nos trilhos” outra vez. Se não conseguirem fazer o tempo voltar ou que os alunos avancem aceleradamente para conquistar o que perderam, a culpa é das professoras que precisam de mais formação. E segue a história da educação como mercadoria a ser consumida.

Sei que vocês devem estar pensando: - é isso que é homenagem pelo Dia dos Professores? Chega! Assim a gente deprime. Calma! Nós precisamos ter os pés na realidade, para não nos contentarmos com as lembrancinhas comemorativas como prêmio de consolação pela data. Porém, não podemos ficar imobilizadas diante deste cenário. Os pés no chão é a condição para construirmos asas para enxergar para além desta dura realidade. É esta a comemoração que vocês merecem. Como? Começando não perguntando “como” e inventando o seu jeito de criar asas. Eu vou dizer o meu jeito. Depois vocês me contam o de vocês.

Nós não estamos devendo nada a ninguém. Ao contrário! Agora é hora de mudarmos o rumo da história e sair deste lugar de executores de propostas que vêm de fora, para assumirmos o lugar de protagonistas de uma história que estamos construindo como intelectuais do conhecimento que somos.

 

Como enxergar para além da dura realidade

Para mim, considero que o ponto de partida é começar olhando para dentro de cada uma de nós para podermos nos conhecer melhor e não nos deixarmos afetar por discursos que só servem para descapacitar as professoras – e que, na minha opinião, não passam de nuvem de palavras. Nós não estamos devendo nada a ninguém. Ao contrário! Agora é hora de mudarmos o rumo da história e sair deste lugar de executores de propostas que vêm de fora, para assumirmos o lugar de protagonistas de uma história que estamos construindo como intelectuais do conhecimento que somos.

Para isso, precisamos sair do lugar do “eu acho”, ou do “gosto ou não gosto”, para adquirirmos uma disciplina para estudarmos, pois o exercício da profissão exige. Estudar sem recuar diante das dificuldades ou da falta de tempo. Não é uma disciplina imposta, nem doada. É uma disciplina necessária para o exercício de criação que a nossa profissão requer. Este é o único caminho de sairmos dos modismos, das falsas soluções para os problemas que enfrentamos, rompendo com a visão utilitária do nosso trabalho.

Penso também que deveríamos fazer nossos portfólios para registrar e avaliar o sucedido durante a pandemia, e socializá-los entre os educadores de cada escola. A partir daí, decidir coletivamente o que é preciso levar em conta para tornar a escola relevante para todos os estudantes, sabendo eliminar o que não faz mais sentido, com a certeza de que a escola não voltará a ser o que era antes da pandemia. Mesmo porque já tinha muitos problemas.

Estudando de forma coletiva, seremos capazes de construir currículos menos fragmentados, identificando os conteúdos essenciais para que os estudantes possam entender o mundo, sem a obsessão da pressa, mas com calma para investigar, experimentar, compartilhar, criar.

As professoras e os professores são os agentes fundamentais da recuperação e transformação da escola. Não deixem que nos roubem este lugar!

Qual é a escola que faz sentido no mundo atual?

Enfim, gostaria muito que não perdêssemos a oportunidade de fazer do nosso ofício motivo de orgulho, porque trabalhamos para que a escola faça sentido para todas as crianças e jovens. Para isso, será preciso quebrar as paredes da escola que separa os diversos ambientes de aprendizagem; organizar os estudantes em grupos menores; romper os muros da escola para conviver com o entorno, seja rural ou urbano.

Vamos lutar para fazer o uso crítico das tecnologias, de forma inclusiva voltada para o bem comum. Uma escola mais verde em que a sustentabilidade e o estudo das mudanças climáticas sejam trabalhados de forma global. Falo isso porque, para mim, a escola não é apenas uma instituição. É uma experiência humana que a tecnologia não substitui.

A pandemia da Covid-19 nos mostrou o cenário trágico que vivemos no Brasil. Gerou um estresse inimaginável. Mas não tenho dúvidas que, neste cenário de tantas perdas, foram as professoras e os professores, em um esforço conjunto com os estudantes, com os demais profissionais da educação e com as famílias dos estudantes, que conseguiram uma das poucas vitórias que alcançamos frente ao coronavírus.

Portanto, não se esqueçam: as professoras e os professores são os agentes fundamentais da recuperação e transformação da escola. Não deixem que nos roubem este lugar!

Desejo para vocês muita força e coragem, porque a encrenca é grande, mas somos maiores!

Abraços,

Lourdes Atié

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Lourdes Atié é socióloga, consultora de educação e trabalha com formação de professores.

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