Não dá para falar da história do Brasil sem falar da história da África. Parece óbvio, mas, por incrível que pareça, a exigência de falar da cultura afro-brasileira nas escolas só entrou na Base Nacional Comum Curricular, referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares, em 2003. E, mesmo assim, ainda se fala muito pouco - e, às vezes, de maneira estereotipada sobre o assunto. “A lei existe há quase 20 anos, mas não foi sistematizada e efetivamente tirada do papel”, aponta a professora Cristiane Veloso, especialista em Literatura e Cultura Afro-brasileira e pesquisadora da literatura infantil afro-brasileira. “Para isso acontecer, precisamos de vontade política e de gestão comprometida - e não apenas que o trabalho sério seja realizado por uma pequena parcela, em sua maioria negra, que se preocupa em levar conhecimentos múltiplos a seus alunos”, analisa.
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No livro A carta de Moussa, a realidade de um povoado do Senegal é retratada pelos olhos sensíveis de um menino
As narrativas literárias são ferramentas importantes para trazer esse conhecimento, despertar o interesse e a curiosidade das crianças e mostrar a elas a diversidade e a riqueza cultural dos vários países do continente africano. “Os livros que abordam a cultura africana e afro-brasileira são essenciais para nossas crianças conhecerem a verdadeira história brasileira, principalmente sobre nossa ancestralidade africana, que muito foi e ainda é perseguida e atacada”, aponta a pesquisadora. No entanto, ela lembra que é necessário ter cuidado na escolha. “Muitos livros ainda trazem uma representação africana estereotipada e muitas vezes exotizada”, diz. “É preciso ressaltar que a África é um vasto continente composto de identidades múltiplas e culturas riquíssimas”, explica.
Quer mergulhar na cultura africana por meio dos textos e ilustrações dos livros infantis? Fizemos uma seleção com 11 títulos que trazem uma narrativa afrocentrada. Confira!
1. A carta de Moussa, Roser Rimbau (Brinque-Book)
Moussa é um menino que vive no distrito de Thille Boubacar, no Senegal, na África. Com seu olhar sensível, reparando em cada detalhe de um jeito poético, ele tenta colocar em uma folha de papel - que recebeu “de presente” do vento - um desenho do lugar em que vive. O objetivo é enviar para o seu pai, que mora longe. Enquanto ele passeia pelos cantos, reparando em tudo para tentar resumir na sua folha, o leitor vai conhecendo o lugar com Moussa. As ilustrações são feitas também com desenhos reais de crianças que vivem no povoado.
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2. Não derrame o leite!, Christopher Corr e Stephen Davies (Pequena Zahar)
Penda é uma menina que tem uma missão desafiadora: ela precisa levar uma tigela de leite até o seu pai, nas pastagens. Só que sem derramar nenhuma gota! Enquanto ela faz o trajeto, caminhando pelas dunas africanas, atravessando o rio escuro e largo, subindo montanhas muito, muito altas, o leitor vai junto e aproveita para conhecer um pouco da cultura do local em que a personagem vive.
3. Obax, André Neves (Brinque-Book)
Obax é uma garotinha que adora contar histórias e tem muita imaginação. Mas nem sempre as pessoas acreditam nela… Então, junto com o elefante Nafisa, ela sai em um passeio em busca de uma chuva de flores (que ela jurava que tinha visto, mas não era levada a sério). No caminho, ela vê muito mais. De um jeito divertido, enquanto explora, Obax convida o leitor a conhecer o seu continente multicultural.
4. Uma aventura do velho baobá, Inaldete Pinheiro de Andrade (Pequena Zahar)
Um velho baobá que nasceu nas savanas da África decide atravessar o oceano e encontrar seus parentes baobás no Brasil. A árvore é uma alegoria para a ancestralidade. Na história, acompanhamos o trajeto emocionante e difícil, com muita luta para sobreviver e muita perseverança. O baobá é uma árvore que vive por milênios e, portanto, testemunha de muitos fatos do passado. Ao mesmo tempo, deixa uma mensagem de esperança para os frutos da nova geração, que, um dia, poderão ser o maior tronco do mundo.
5. Dumazi e o grande leão amarelo, Valanga Khoza (Brinque-Book)
Dumazi é uma jovem zulu que está prestes a ser devorada por um grande leão amarelo. Ela pede ajuda aos outros animais, mas, como eles estão muito bravos com todo o prejuízo que os humanos causam à natureza, não querem nem saber. Em vez de ajudá-la, eles incentivam o leão a comer Dumazi. A sorte é que ela pode contar com a ajuda de um macaquinho esperto. Na aventura, as crianças refletem sobre os impactos da humanidade na natureza e são apresentadas a um pedacinho da cultura zulu.
6. Mandela - O africano de todas as cores, Alain Serres e Zaü (Pequena Zahar)
O livro mostra para as crianças a história de Nelson Mandela, que lutou pela união de povos de todas as cores e continua sendo uma fonte de inspiração. Liderou o movimento contra o Apartheid, uma legislação que separava os negros dos brancos na África do Sul. Considerado um dos líderes africanos mais importantes do mundo, ganhou um Prêmio Nobel da Paz, em 1993. Traz ainda uma seção chamada “Para compreender melhor”, que inclui mais material para o leitor pesquisar, um mapa e a cronologia da vida de Mandela.
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7. Diário de Pilar na África, Flávia Lins e Silva (Pequena Zahar)
Pilar é uma menina que viaja por vários lugares do mundo, acompanhada por seu amigo Breno e o gato samba, por meio de uma rede mágica. Neste volume da coleção, a turma conhece alguns países da África, em um trajeto que vai de Nigéria a Angola. Eles conhecem uma princesa iorubá chamada Fummi e ela os guia no passeio, mostrando um pouco da história e da cultura dos lugares por onde eles passam.
8. Kalinda, a princesa que perdeu os cabelos e outras histórias africanas, Celso Sisto (Escarlate)
Kalinda era uma princesa com belíssimos cabelos, admirados por todos, inclusive por um pássaro, que, um dia, lhe pediu um pouco dos fios para montar seu ninho. Ela recusou e algo terrível aconteceu: quando o período da seca chegou e as árvores perderam as folhas, ela também perdeu todas as madeixas. Um jovem rapaz pobre é que conseguiu recuperá-las, em uma grande aventura. Além deste, o livro de Celso Sisto traz uma série de outros contos populares africanos riquíssimos, divertidos, encantadores e cheios de reflexão.
9. Chuva de manga, de James Rumford (Brinque-Book)
No solo árido do Chade, país do centro da África com bioma de savana e deserto, a população fica à espera da época das chuvas. É neste compasso que o leitor acompanha o dia a dia de Tomás, um menino que, enquanto aguarda, sonha em comer mangas saborosas direto do pé e brinca com seu carrinho de lata.
10. Escola de chuva, de James Rumford (Brinque-Book)
Do mesmo autor de Chuva de Manga, James Rumford, este livro também retrata o cotidiano das crianças no Chade. Desta vez, a história as acompanha no primeiro dia de aula. Em meio à ansiedade e curiosidade sobre o que iriam encontrar - cadernos? Lápis? O universo mágico da escrita? -, os alunos se deparam com uma escola sem carteiras, nem sala de aula. A primeira lição dessa turma é construir a escola. Além de acompanhar outra realidade escolar, o livro desperta uma reflexão interessante: para além de paredes, que escola queremos construir? Premiado com o selo de ouro do prêmio estado-unidense Oppenheim Toy Portfolio 2010.