De menina ou menino: como evitar que as oportunidades sejam limitadas pelo gênero?

05/09/2022

Sabe aquela história de que mulheres não têm talento para exatas? Ou de que homens não podem ser professores de educação infantil? São estereótipos que nada têm a ver com habilidades ligadas a um ou outro gênero, mas tão estruturantes na nossa sociedade ocidental que funcionam como profecias autorrealizáveis. É fato, por exemplo, que ainda há menos mulheres nas áreas de tecnologia e ciências, assim como pouquíssimos homens que seguem a carreira de pedagogia.

Como a segmentação em torno do que define os gêneros é algo a que a criança está muito exposta, como fazer para que ela tenha mais liberdade para brincar e para escolher seus hobbies, suas atividades e até mesmo sua área de atuação sem se limitar por estereótipos?

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Histórias, brinquedos e profissões sem segmentação de gênero

Resultado de construções sociais que estruturam a nossa sociedade de maneira assimétrica e injusta, as divisões entre o que é de homem ou mulher/menino ou menina precisam ser questionadas e desconstruídas pelos adultos, para que as crianças tenham mais oportunidades. “É preciso entender que tudo isso são construções sociais e questionar temas e cores de vestuário, de brinquedos, de histórias e narrativas que chegam e que levamos para as crianças”, argumenta Aryane Cararo, jornalista e co-autora do livro Extraordinárias, mulheres que revolucionaram o Brasil (Seguinte), que é doutoranda em estudos de gênero pela Universidade Nova de Lisboa.

Capa de livros sobre mulheres que revolucionaram seus campos de atuação profissional no Brasil

 

Ela defende que é papel dos adultos proporcionar às crianças a oportunidade de conhecer todas as histórias, de brincar com todos os brinquedos, sem segmentá-los, para que tenham mais liberdade de ocupar os espaços que quiserem, atuando nas áreas que quiserem, no presente e no futuro. Nessa desconstrução, os livros têm um papel central porque alimentam o imaginário. “Na ficção, é preciso apresentar histórias de princesas clássicas e contemporâneas, que não precisam ser salvas por ninguém. E também histórias reais de mulheres que foram pioneiras, porque a historiografia oficial priorizou os homens e apagou as mulheres. As crianças precisam crescer com parâmetros mais igualitários e poder se inspirar em homens e mulheres, entendendo que o gênero não define capacidade nem deveria restringir possibilidades”, argumenta a pesquisadora.

Uma dessas histórias é a da paleontóloga Mary Anning, inglesa que estudou e descobriu a existência dos dinossauros. O livro Mary Anning e o pum dos dinossauros, do escritor Jacques Fux, conta de maneira irreverente como ela aprendeu a escavar com o pai na costa da cidade onde vivia e, apesar de pesquisar muito, não teve acesso à educação formal e suas descobertas foram usurpadas por colegas homens.

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Capa de livro sobre Mary Anning, mulher que descobriu os dinossauros e desafiou estereótipos de gênero

 

O livro mostra uma quebra de estereótipo real, revelando a história silenciada da mulher que descobriu os répteis gigantes, tradicionalmente associados ao universo masculino. Resgatar narrativas assim é uma forma de apresentar modelos de mulheres que atuaram de maneiras incríveis ao longo da história, mesmo com todas as forças sociais jogando contra.

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Atividades, hobbies e profissões têm gênero?

Se há ocupações ou profissões consideradas mais femininas ou mais masculinas, ou se mulheres e homens percebem as próprias habilidades de acordo com essa segmentação, é porque essas imagens são construídas desde bem cedo, quando os bebês ainda estão na barriga das mães e ao longo da infância.

“Essa definição entre masculino e feminino é tão estrutural na nossa sociedade que começa muito antes da profissão. O ser homem ou ser mulher começa a partir do momento, por exemplo, em que se faz um ultrassom e se descobre o sexo do bebê. Você começa a criar um papel social para essa criança quando ela ainda está na barriga da mãe”, contextualiza.

“Se é uma menina, você vai pensar numa decoração de quarto com itens que tradicionalmente estão associados ao feminino, como o rosa e temas de gatinhos e bichinhos fofinhos. E há os elementos ‘próprios’ do universo masculino, que não são só as cores, mas temas como os próprios dinossauros, carrinhos, planetas, piratas, robôs”, explica. “Você já cria filhos impondo lugares pré-determinados para eles e, como há um sujeito em construção ali, ele vai ter como base relações de poder que são desiguais, assimétricas.

Para Aryane, quando se restringem os universos como próprios de um ou de outro gênero, o imaginário da criança se constrói em torno dessas imagens. Assim, a robótica, a astronomia, a mecânica e a paleontologia são assimiladas como inapropriadas para meninas. Da mesma forma, se as bonecas, as panelinhas e as coisas delicadas são restritas às meninas, a imagem que fica para os meninos é que o cuidado e a sensibilidade não são território para eles. Eles ficam com o trabalho de fora, com a exploração, com o espaço público, e elas, com o cuidado e o espaço doméstico.

“Obviamente que há um apelo comercial e de consumo nos brinquedos e nas roupas da moda, mas essa cultura de consumo reforça muito esses estereótipos. Cria-se ali uma divisão que parece ser natural, quando não é”, alerta a pesquisadora. “Quando a Simone de Beauvoir diz que não se nasce mulher, torna-se mulher, ela aponta que o gênero é socialmente construído e varia de acordo com o contexto histórico, social, cultural. Então, ser mulher é uma definição que varia de acordo com a sociedade e o momento histórico em que se vive. Há sociedades em que mulher é a pessoa que sai para trabalhar e o homem fica em casa.”

 

Livros que desconstroem estereótipos de gênero 

Esta lista reúne livros sobre mulheres que marcaram época e fizeram história tanto por atuar em campos que áreas consideradas masculinas como pela importância do resultado de seu trabalho. Nina Simone, Lina Bo Bardi e Malala Youzafzai são alguns desses nomes, que participaram da conquista pelo direito das mulheres de estudar, trabalhar e ocupar espaços sociais diversos, inspirando e abrindo portas para aquelas que vieram depois delas.

1) Nina: uma história de Nina Simone, de Traci N. Todd

Capa de livro sobre Nina Simone, cuja trajetória precisa ser conhecida por meninos e meninas

 

2) Lina: aventuras de uma arquiteta, de Ángela León

Capa de livro sobre Lina Bo Bardi, cuja trajetória precisa ser conhecida por meninos e meninas como modelo

 

3) Malala, a menina que queria ir para a escola, de Adriana Carranca e Bruna Assis Brasil

Capa de livro sobre Malala, paquistanesa que arriscou a vida para defender o direito das meninas de estudar

 

4) ABCDElas, de Janaina Tokitaka

Capa de livro sobre mulheres pioneiras, que quebraram estereótipos de gênero em suas profissõesas

 

5) Carmen, a grande pequena notável, de Heloisa Seixas e Julia Romeu

Capa de livro sobre Carmen Miranda, cuja trajetória precisa ser conhecida por meninos e meninas

 

6) Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença, de Jeanette Winter

Capa de livro sobre Greta Thunberg, ativista jovem que luta palas causas ambientais

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