Como lidar com o amadurecimento dos filhos?

03/10/2022

Cuidar de uma criança é estar em um processo constante de adaptação. Aos 2 anos, o bebê que se deixava carregar nos braços sem apresentar muita resistência começa a andar com mais destreza, dar cambalhotas quando o pegam no colo e se frustrar com mais frequência. Aos 4, ele, que aceitava as decisões dos cuidadores com facilidade, aprende a se dissociar da figura da mãe e a questionar os adultos. Aos 7, requer menos a sua presença e volta-se mais aos amigos. Cada fase é um novo aprendizado para toda a família, que passa a exercitar o desapego para oferecer autonomia à criança. Como lidar com a difícil ambiguidade de deixá-la crescer e desbravar o mundo, auxiliando na condução à independência e à liberdade, e o desejo de mantê-la sempre por perto, acolhida em seu ninho de afeto e proteção? 

Imagem do livro Pequenino na cidade, de Sydney Smith, pela Pequena Zahar

Em Pequenino na cidade, uma criança caminha sozinha pelo espaço urbano, enfrentando o desconhecido

É o que aborda Pequenino na cidade (Pequena Zahar), de Sydney Smith, obra sensível em que acompanhamos a narração das aventuras de um menino pelas turbulências de becos escuros, gramados com carrapichos e o retorno ao aconchego do lar. As ilustrações de Smith conseguem fazer com que os leitores sintam a opressão do espaço urbano, com seus altos prédios, excesso de veículos e pessoas apressadas, contrastando com o tamanho da criança que realiza seu passeio sozinha. O diálogo construído ao longo da narrativa guarda uma emocionante surpresa que envolve a autonomia, a liberdade, o acolhimento e o desbravamento do mundo.

Ilustração do livro Pequenino na cidade, de Sydney Smith, pela Pequena Zahar, que traz reflexões sobre crescimento e amadurecimento

Pequenino na cidade traz reflexões sobre o crescimento e o amadurecimento, e guarda uma surpresa para o final

O mesmo acontece em Se eu tivesse asas (Brinque-Book), de Guilherme Karsten, autor premiado com o Jabuti pelo livro Carona. Enquanto sonha, o protagonista vê-se com um par de asas que o possibilitam viajar aos lugares mais fantásticos, com as paisagens mais incríveis e amigos para lá de curiosos. Uma gama de possibilidades é oferecida ao menino que, ao mesmo tempo, reconhece a importância de voltar para seu ninho e a família que o conforta - simbolizado pelo magnetismo de ir para a cama dos pais nas madrugadas.

Em Se eu tivesse asas, Guilherme Karsten brinca com o hábito de as crianças irem para a cama dos pais no meio da noite e traz reflexões sobre deixar os filhos voarem, sem deixar de ser ninho para eles

 

Amadurecimento e medo do desconhecido

O processo de crescimento e amadurecimento está conectado a essa abertura para o desconhecido, o que gera medos para as crianças e os adultos. Tanto que esse é o tema que a psicanalista e educadora parental Elisama Santos se dedica a abordar em palestras e livros, em que busca ajudar famílias a lidar de forma mais saudável com essas mudanças.

Ela explica que essas transformações são inevitáveis e até necessárias para o desenvolvimento humano. O que pode ajudar nesse caso é que os adultos olhem para as crianças como seres em constante mudança: “nós não conhecemos nossos filhos, nós passamos a vida conhecendo nossos filhos”, afirma. E esse pensamento abre as portas para que enxerguemos os próprios filhos como desconhecidos, o que amplia suas possibilidades de ser.

É claro que esse desconhecido gera medo, não apenas nas crianças, que se deparam com o mundo à sua frente, mas também nos pais, que temem que seus filhos se machuquem ou não precisem mais de seus cuidados. O desejo de proteger a cria atua nesse momento. Como lembra Elisama, a educação e o amor trazem um medo, mas é importante educar para além dele.

Não é o amor que está falando quando você grita, é o medo. E precisamos reconhecê-lo. Será que ele me dá o direito de impedir meu filho de explorar, de viver coisas longe de mim, de descobrir um mundo que vai além do que eu apresento para ele? O que o meu medo justifica? O quanto eu quero ser guiada por ele? (Elisama Santos, psicanalista e educadora parental)

 

Desenvolvimento emocional

Essas perguntas são fundamentais, já que os pais e cuidadores atuam como figuras de exemplo para os mais jovens. É o que defende Elisa Altafim, psicóloga e especialista em parentalidade e desenvolvimento infantil da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Quando eles gritam com as crianças ou têm dificuldade em controlar a raiva, explica a psicóloga, impactam diretamente na forma como os mais jovens agem, com comportamentos de agitação, inquietude e até brigas com colegas.

Livro Pequenino na cidade, de Sydney Smith, pela Pequena Zahar, que traz reflexões sobre o amadurecimento e acolhimento

No livro, o narrador dá dicas de sobrevivência na cidade, de becos a evitar até como se aquecer

Para que a comunicação se estabeleça e os cuidadores possam atuar para o desenvolvimento saudável das crianças, é fundamental que eles estabeleçam um relacionamento baseado na confiança e na atenção, afirma Altafim. “Em relação ao desenvolvimento emocional, os cuidadores podem ajudar a criança a compreender e nomear as emoções e, principalmente, apoiar a criança para que ela se sinta segura e protegida.”

Essa não é uma tarefa fácil, especialmente para famílias em contexto de dificuldade ou de constante stress. Uma saída possível é a conversa com amigos que estejam passando pelos mesmos dilemas, ou até a busca por grupos da internet cujos membros possam compartilhar suas questões. A terapia também pode ser uma alternativa para quem precisa de um olhar externo sobre seus medos e angústias.

 

O poder das boas histórias

Quando o assunto é processar emoções, ambas as profissionais apontam para o poder das boas histórias. Elas ajudam não apenas a aproximar crianças e adultos e gerar interações significativas, mas também para entender emoções, medos e frustrações. É na arte em geral, mas também na literatura e nos momentos de leitura compartilhada, em que vivemos as dores das personagens como se fossem as nossas, onde podemos criar nosso repertório de sentimentos. Assim, quando nos deparamos com situações semelhantes na vida adulta, estamos melhor preparados para enfrentá-la.

Passamos a entender com o sentir. Aquilo que não fica claro em uma explicação racional, numa aula inteira, pode se evidenciar numa boa história, a partir da identificação com as personagens. Não é à toa que diversos povos tradicionais, em especial africanos e indígenas, utilizavam as histórias, transmitidas de boca em boca ou ao pé de fogueiras, como forma de educação, e os grandes mestres desses povos eram também grandes contadores de histórias. Como diz Elisama, uma boa história nos conecta com as personagens que se encontram ali. É um convite para nos entendermos no outro e em suas dificuldades, que também são nossas e que, afinal, são comuns à humanidade.

 

8 livros que podem ajudar a lidar com o crescimento das crianças

A literatura está repleta de obras que podem auxiliar no processamento dos medos e das frustrações, inclusive no que diz respeito ao amadurecimento dos filhos. Alguns desses livros ainda podem ser compartilhados entre adultos e crianças e, assim, gerar boas conversas e momentos significativos em família.

Pequenino na cidade, de Sydney Smith (Pequena Zahar)

Capa do livro Pequenino na cidade, de Sydney Smith, que fala sobre crescimento e amadurecimento

Neste livro, o leitor acompanha um menino pelas andanças na cidade. Ele é pequeno, está sozinho, em meio a uma multidão de pessoas, carros e prédios, e faz frio. Em formato que lembra um pouco as HQs, a história se desenrola com conselhos do narrador sobre os perigos da cidade. Você acha que está entendendo tudo, mas o final o obriga a voltar às páginas e rever tudo outra vez. Entre as várias camadas de leitura que ele tem, para além do tamanho, estão as questões de amadurecimento, crescimento, dar autonomia às crianças, afeto e acolhimento. Tudo com a beleza das ilustrações de Sydney Smith, que ilustrou também De flor em flor (2017) e Eu falo como um rio (2021)

Se eu tivesse asas, de Guilherme Karsten (Brinque-Book)

Capa de Se eu tivesse asas, de Guilherme Karsten

Este livro do autor brasileiro Guilherme Karsten, primeiro publicado no exterior para depois chegar aqui, nasceu com um pedido de tema: os sonhos. E entre os diferentes sonhares possíveis - os sonhos noturnos, os que simbolizam a imaginação, os que dizem respeito aos desejos individuais, os que estão quase no terreno da utopia e aqueles que desejamos para nossas crianças -, Karsten brincou com quase todos e trouxe o humor das madrugadas insones dos pais para a história também. O resultado é de pura identificação e reflexão para as famílias, que vão se deparar desde com a questão de ter sua cama invadida toda noite (e dormir nas piores posições por isso) até efetivamente pensar na liberdade de deixar as crianças voarem (mas desde que voltem para o ninho!).

A árvore generosa, de Shel Silverstein (Companhia das Letrinhas)

Capa do livro A árvore generosa, de Shel Silverstein

Neste clássico da literatura, o autor de A parte que falta traz de forma simples a história de um menino e uma árvore. À medida que o tempo passa, o garoto, antes satisfeito com a presença de seus galhos e da sombra que ela providenciava, passa a desejar mais: dinheiro, uma casa, uma esposa… Será que a árvore consegue oferecer tudo isso a ele?

Ah, os lugares aonde você irá!, de Dr. Seuss

Capa do livro Ah, os lugares aonde você irá, de Dr. Seuss

A vida é mesmo uma caixinha de surpresas, cheia de altos e baixos e escolhas que fazem parte do processo de amadurecer. Nesta obra, Dr. Seuss celebra esta grande aventura pelo mundo e por todos os seus Lugares Incríveis em sua característica linguagem rimada que encanta leitores há décadas. Em cada virar de páginas, o leitor é convidado a encarar esta grande jornada com mais otimismo e bom humor.

Minha casa, de Lorena Kaz

Capa do livro Minha casa, de Lorena Kaz, pela Companhia das Letrinhas

Grande, pequena, de tijolos ou de palha: uma casa pode assumir diferentes tamanhos, cores e formatos. É isso que a protagonista desta divertida história percebe ao explorar o mundo que a cerca, além de expandir suas noções sobre o seu lar e sobre seus espaços de acolhimento. Afinal, sua casa é muito maior do que ela esperava.

 

Pequena grande Tina, de Patricia Auerbach

Capa do livro Pequena grande Tina, de Patricia Auerbach, pela Companhia das Letrinhas

Tina só queria ser bem, mas bem grande. Tanto que ficava fantasiando tudo aquilo que faria sozinha quando a hora chegasse: alcançaria o botão mais alto do elevador ou até abriria a torneira do banheiro sozinha! Nesta história, somos convidados não apenas a nos questionar sobre o verdadeiro tamanho de Tina, mas também a refletir sobre as alegrias e angústias do processo de crescimento infantil.

E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas, de Emicida

Capa do livro E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas, de Emicida

Quem acompanhou a narrativa poética de Amoras vai se encantar nesta obra de Emicida, em que uma menina conversa com a Escuridão de que tem tanto medo. Mal esperava a garota que a Escuridão também é uma menina que a responderia! Nesta sensível história somos convidados a explorar o medo do desconhecido e presenciar a transformação das personagens -- por dentro e por fora.

A macaquinha, de Marta Altés (Brinque-Book)

Capa do livro A macaquinha, de Marta Altés, publicado pela Brinque-Book, que fala sobre como não importa o tamanho, e sim a coragem

A despeito do que todos dizem, que ela é muito pequena para fazer as coisas, a macaquinha não se intimida. Um dia, ela decide subir na árvore mais alta da mata, para provar que tem coragem. Para isso, terá de atravessar os perigos da floresta e a profundidade do rio - e contar com um tanto de sorte para voltar para o seu grupo sem nenhum arranhão.

 

 

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