Como é bom sentar em um canto confortável, abrir seu livro favorito e devorar uma história em seu próprio ritmo... Mas também é uma delícia quando podemos fazer isso em dupla ou em grupo, caprichando na entonação dos diferentes personagens e acontecimentos, durante a leitura em voz alta, ou compartilhando mesmo a leitura, que pode ser alternada ou não, para construir juntos um sentido coletivo para a história e ouvir diferentes interpretações.
Ler das mais variadas formas traz benefícios diferentes para a crianças na sua formação leitora. Além de ser um grande prazer - e render situações inesperadas e divertidas, como bem retrata o livro Posso ficar no meio?, de Susanne Strasser (Companhia das Letrinhas) e O livro preferido de um garoto sabido, de Julia Donaldson (Brinque-Book) e Axel Scheffler.
Chegou a hora da leitura em Posso ficar no meio? e os amigos começam a chegar para este momento tão aguardado
Em Posso ficar no meio?, uma criança vai começar a leitura e decide chamar o hamster para curtir o momento com ela. Então, vão chegando outros amigos, como o leão, o gato, o peixe… e muito mais. Entre um bicho e outro, há alguns contratempos: um se lembra de chamar outro, um outro procura sua pantufa e há quem peça um tempo para achar uma almofada e ouvir a história em uma posição mais confortável. Até que a confusão se estabelece e as risadas são inevitáveis... Parece que essa leitura não vai começar nunca! Assim como outras obras de Susanne Strasser (Muito cansado e bem acordado, Bem lá no alto, Baleia na banheira, A raposa vai de carro), esta utiliza a estrutura dos contos acumulativos, que as crianças pequenas tanto adoram, para encadear a narrativa.
Julia Donaldson faz uma homenagem à leitura e aos personagens clássicos neste livro circular que começa com um garoto e um livro
Já em O livro preferido de um garoto sabido, a autora de O Grúfalo, Apertada e sem espaço e Carona na vassoura faz uma homenagem à leitura das histórias clássicas. O garoto da história senta em uma poltrona para ler um livro sobre um pirata, que está lendo um livro sobre Cachinhos Dourados, que lê um livro sobre um cavaleiro e assim por diante até todos os personagens se sentarem em volta da mesma poltrona.
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Atividades em grupo são assim mesmo. Até todo mundo se ajeitar e se sentir pronto, às vezes, parece demorar quase uma eternidade. Mas, quando, finalmente, dá tudo certo, é muito interessante poder compartilhar aquele momento em conjunto. No entanto, não dá para negar que também é muito legal fazer algo sozinho e não depender de ninguém, como ler sozinho aquele livro que você escolheu, no seu ritmo, do seu jeito, no seu tempo. Tudo tem seu momento - e seu valor também. Com a leitura, não seria diferente.
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Por isso, é importante estimular as crianças a lerem sozinhas, o que é uma grande conquista e um passo exponencial rumo à autonomia, sem falar na criação de um hábito saudável, que ela poderá levar para a vida inteira. Ao mesmo tempo, ainda que elas dominem a leitura, continuar mostrando que ler em família, em grupo ou na sala de aula também tem grandes vantagens - inclusive com adolescentes.
Como criar uma identidade leitora
O maior incentivo para uma criança ler sozinha é, sem dúvida, ler para ela desde muito pequena e deixar sempre livros à disposição dela. Pegar um livro, virar as páginas, ir e voltar, olhar as ilustrações e os formatos, sentir as texturas, brincar com ele e até fingir que está lendo é ler e exercitar o papel de leitor desde os primeiros meses de vida. E tudo isso parte de aprender habilidades importantes para a formação leitora. “Tornar-se leitor e leitora é um processo que vai sendo conquistado aos poucos”, explica a pedagoga e mestra em Educação Renata Frauendorf, coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá, especializado em formação continuada de educadores.
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Para ela, ter boas referências e modelos de leitores faz parte desse aprendizado. Isso significa que, quando a criança vê o adulto lendo, seja para ele ou não, isso está, também, contribuindo na forma com que ele aprende e se relaciona com a leitura. “É fundamental que as crianças leiam sozinhas, mesmo antes de saber ler convencionalmente. Ao realizarem a leitura por si mesmas elas assumem o papel de leitoras, no que se refere não só à possibilidade de ler convencionalmente sozinhas, se deparar com dificuldades de compreensão e aprender a superá-las e não desistir da leitura, mas também a fazer escolhas do que ler, imprimir um ritmo de leitura – pode se deter mais em um trecho, ilustração, experimentar diferentes jeitos, posições, de leitura. Tudo isso vai fazer parte de sua identidade leitora”, explica ela.
Com o tempo, quando a criança cresce e é alfabetizada, a habilidade de ler é uma das primeiras grandes conquistas. “Por meio da leitura, os pequenos descobrem o mundo letrado e, por meio dele, desenvolvem sua autonomia e protagonismo”, destaca Jacqueline Nicoladeli Gonçalves Teixeira, coordenadora do Ensino Fundamental I do Colégio Marista Criciúma (SC). Ela lembra que a leitura individual é de suma importância e é, na verdade, indispensável. “A aquisição desta habilidade faz com que muitos obstáculos da rotina sejam superados, porque é um grande salto no desempenho acadêmico e socioemocional. Uma vez conquistado o hábito da leitura, seguirá por toda a vida”, aponta.
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As delícias e aprendizados da leitura coletiva
Ler junto, no entanto, mesmo depois que a criança adquire a habilidade de ler sozinha, sem ajuda, continua sendo importante, na opinião de ambas as especialistas. “A leitura compartilhada pode abrir muitas possibilidades para além da simples leitura. Por meio dela, podemos fazer grandes reflexões, expressar as emoções e sentimentos que a leitura despertou e desenvolver a criatividade”, aponta Jacqueline.
A leitura em família ou na escola, tendo um adulto como mediador, mesmo depois de aprender a ler por si, pode ajudar a criança em diferentes quesitos do desenvolvimento. “Ela aprende comportamentos que são típicos do leitor observando a leitura (do outro)”, explica Renata. E isso, de acordo com ela, envolve a escolha do livro, os comentários sobre o que foi lido, o envolvimento do adulto com o texto, as diversas formas de entonação na leitura em voz alta, as emoções que o texto provoca, além dos afetos, das memórias, a releitura de trechos de que gostou e que chamaram a atenção e até a necessidade de voltar em partes que não foram compreendidas em uma primeira leitura. “São saberes diferentes”, diz ela.
A leitura compartilhada também pode facilitar a escolha de livros para a leitura individual: uma vez que a criança já tenha ouvido a história antes, pode se sentir mais segura para encarar a leitura individual. “Ouvir a leitura realizada por um professor, um colega ou um familiar e atuar nesse papel de leitor ouvinte, envolvendo-se com o enredo e com o texto, seguindo o que vai sendo lido é muito importante. Porém, também se constitui um conhecimento ler por si mesmo, ter desafios como leitor que só estando diante de um texto, mesmo que ainda não leia com autonomia, terá”, reforça. Na dúvida, já sabe: mantenha as duas práticas.
Como estimular a leitura individual e a leitura compartilhada
O gosto pelos livros é um prazer que só traz benefícios. Por isso, deve ser estimulado pelos adultos envolvidos na criação e na formação dos pequenos desde cedo. Isso, é claro, vale para os pais, os professores, os cuidadores, os vizinhos, a prima, o tio, o avô… Ler para a criança e incentivá-la a ler e criar essa relação com os livros ajuda nessa formação leitora.
No entanto, a leitura não deve ser vista como obrigação, nem competição, o que pode atrapalhar a construção do hábito leitor. Renata, do Avisa Lá, cita que isso acontece quando, por exemplo, se apela para comparações. “Evite a cobrança para que a criança leia sozinha porque ‘já sabe ler’, ‘já é grande’ ou porque o irmão, o primo, o amigo já o faz e tem a mesma idade ou é ainda menor. Evite também dizer que a criança é preguiçosa e que deve ler por si mesma”, orienta.
E o que pode funcionar como incentivo saudável tanto para a leitura individual como para a leitura em grupo? “Vale, por exemplo, fazer combinados em que cada um lê um trecho da história e inverter os papéis: ora o adulto lê para a criança, ora a criança lê para o adulto”, sugere. “Uma opção também é escolher livros que tenham múltiplas linguagens, como legendas e infográficos em que as crianças são incentivadas a ler esses textos menores; além da leitura de gibis, curiosidades, regras de algum jogo que se quer aprender e em que os momentos de leitura possam ser revezados”, orienta.
O importante é diversificar, não somente o gênero lido, mas a finalidade da leitura. “Isso mostra para os pequenos que existem diferentes situações de leitura e, assim, ajuda a descobrir as preferências”, explica a especialista.
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Já quando a criança gosta de ler sozinha e, diferentemente da criança de Posso ficar no meio?, não quer saber de ler com hamster, leão, zebra e nenhum amigo, é interessante estimular também a leitura coletiva, apresentando diferente gêneros e finalidades de leitura, que tragam sentido para a leitura colaborativa. “Se a criança não se sente desafiada, não se depara com leituras mais longas, que exigem mais dela como leitora, ou mesmo se não tem acesso a livros que, sozinha, ela não escolheria, muito provavelmente não sinta necessidade de ler em colaboração”, diz Renata. Propor novidades, neste sentido, pode ser um caminho.
Com quem ou como sua criança vai ler hoje?