Para a maioria das crianças, a escola é a porta de entrada para o mundo além da própria casa. É ali que elas conhecem novos jeitos de ser e pensar, fazem novos amigos, criam novas referências. Tudo isso é muito empolgante e fascinante. Mas, também pode ser muito assustador - especialmente para os menorzinhos.
Quando seu mundo inteiro se limita à sua casa, à proteção dos seus cuidadores já conhecidos, à rotina costumeira, romper a bolha pode ser uma experiência desafiadora.
Será que as coisas ficariam mais fáceis se a criança pudesse levar os pais para a escola junto com ela? Foi o que pensou, por alguns instantes, a pequena morceguinha Catarina, a protagonista de Nem sonhando (Companhia das Letrinhas, 2024), de Beatrice Alemagna . Ela estava relutante em seu primeiro dia de aula - assim como muitos de seus colegas. Seus pais tentaram argumentar e, no meio da discussão, acabaram ficando bem pequeninos - o que ela não achou de todo ruim. Desse tamanho, ninguém notaria se ela os colocasse debaixo de suas asas, afinal. Porém, não demorou muito para bater um arrependimento…
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Os adultos também sofrem na volta às aulas - e faz parte!
Raramente o processo de separação, que faz parte da entrada da criança na escola, acontece sem percalços. É uma transição importante e difícil, que merece atenção e cuidado, para garantir a segurança emocional da criança - e a dos pais, que, muitas vezes, também se sentem ansiosos ao deixar o filho longe de seus olhos pela primeira vez. “A angústia da separação não é só uma experiência emocional infantil”, afirma a psicóloga Gabriela Malzyner, coordenadora do Núcleo de Infância e Adolescência do Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP-SP). “Para alguns pais, pode ser muito difícil. E é muito importante que eles tomem consciência dessa dificuldade, para não projetá-la na criança”, explica.
Para minimizar esse sentimento, é preciso, primeiro, confiar na instituição e nas pessoas que vão acolher a criança. Por isso, a escolha da escola deve ser feita com todo o cuidado, buscando sintonia com os valores da família e com o que já acontece em casa. Nessa busca, é preciso entender como funciona o processo de adaptação em cada escola - se os pais podem entrar, se no início o horário é reduzido, qual é a conduta se a criança começar a chorar. Além disso, é importante estar alinhado com o/a parceiro (a), trocar experiências com amigos que passaram ou estão passando pela mesma situação, se fortalecer, tirando dúvidas e trabalhando os próprios desconfortos.
Para a especialista, sentir receio e ansiedade quando um filho está prestes a entrar na escola é legítimo. E falar sobre isso pode ser um passo essencial para resolver a questão. Só quando o adulto está bem é que ele consegue se tornar um suporte para a criança, ajudando-a também a passar pelo processo. Depois que os pais já conseguiram absorver - ou pelo menos se acostumar com - a ideia, é hora de estender a mão para os pequenos, tentando ajudá-los a compreender e navegar pelas próprias sensações, medos e emoções.
Para a pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann, cada criança é única e, por isso, não há uma 'receita de bolo' que ensine a melhor maneira de abordar o assunto. Depende de muitos fatores, como a faixa etária, a personalidade e as experiências vividas por cada uma. “É de se esperar que crianças que nunca estiveram no ambiente escolar estranhem o primeiro contato”, aponta. Principalmente porque, segundo ela, há uma certa tendência de que se apeguem a poucas pessoas, que, geralmente, são aquelas mais presentes no dia a dia. “O fato de, de repente, estar em lugar diferente, com várias crianças e adultos desconhecidos, é extremamente desregulador”, define.
“Os adultos precisam ter um grande cuidado para não projetar as próprias expectativas e uma certa pressão na criança, como: ‘Ele (a) tem que gostar e vai ter que dar certo’. Mesmo quando acham que não demonstram, quando o adulto tem a expectativa de que a criança tem que entrar na escola feliz, as atitudes vão refletir esse pensamento”, diz ela. A conexão, reforça Mata, é a principal maneira de entender do que o seu filho precisa para, então, desenvolver uma estratégia eficaz para apoiá-lo.
A volta às aulas pode ser uma transição desafiadora. Por isso, o ideal seria que o pai ou a mãe pudessem permanecer na escola pela quantidade de dias necessários até que a criança consiga confiar em outro adulto – no caso, a professora ou auxiliar na sala de aula. “É como se fosse uma transição no tempo da criança, mas esta, infelizmente, não é a realidade da maioria das famílias. Muitas não têm como deixar de trabalhar”, reconhece. Para a educadora, os processos escolares ainda são extremamente centrados nos adultos e não nas crianças, como deveriam ser. “Nesse caso, o que essas famílias podem fazer é entender que a criança vai sair da escola e talvez demonstre comportamentos desafiadores, como mais birras, mais agressividade. São sentimentos indigestos, que vêm à superfície justamente pela insegurança que essa transição gera. O que quero dizer é quando não se tem como preparar a criança para estar em sala de aula, de ficar ali até ela se sentir segura o suficiente para ficar na escola sem o pai e a mãe, os adultos precisam se preparar emocionalmente para como essa criança vai reagir à transição súbita e a maneira como ela vai lidar com isso. O adulto precisa acolher a criança”, orienta.
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Re-adaptação: começar de novo na escola
Quando a criança já foi para a escola, mas se prepara para recomeçar o ano, ao voltar das férias, é como se a transição acontecesse novamente. Pode ser por conta de uma nova turma, de uma nova fase, de novos colegas, de novos professores e a própria mudança na rotina. Até os adultos experimentam certa angústia com o fim das férias, do período de relaxamento, do descompromisso com os horários e com a rotina... O mesmo acontece com as crianças, ainda que de uma forma diferente.
Segundo a psicóloga Gabriela, o ideal é preparar os pequenoas gradualmente para esse retorno. “As expectativas fazem parte dos processos da vida; a dimensão e o tamanho disso dentro da gente é que precisa ser olhado e cuidado para que não se torne sofrimento”, diz ela.
Uma maneira de preparar o terreno é conversar sobre as novidades, reforçando sempre o que a criança já viveu, os desafios que ela já teve e que conseguiu superar, para lembrá-la de sua capacidade e da sensação boa de enfrentar nossos anseios. “É algo que vai fortalecendo-a para a nova etapa que se apresenta”, destaca. Outra boa estratégia é lembrar sobre as suas experiências na escola, quando você ia, como se sentia, os amigos que não sabia que faria e que levou para a vida.
Ao longo da vida, outras transições também podem acontecer e levar à ansiedade. O principal, para os pais, é tentar se conectar com os filhos e proporcionar o máximo de acolhimento possível. ”A criança vai sentir de tudo: felicidade, medo e tristeza. Se eu puder dar colo, permitir que ela sinta tudo e permanecer sendo uma constante vida dela, isso vai ser fundamental. É o mais importante que podemos oferecer”, diz Maya.
Na prática: os pequenos ajustes necessários para a volta à escola
Começar a se preparar, na rotina, para o início da escola ou para a volta às aulas, também pode ajudar os pequenos a se adaptarem melhor. O tempo de antecedência depende da criança. Algumas ficam ainda mais ansiosas se são alertadas muito antes do tempo sobre o início das aulas. Outras, ficam mais tranquilas por terem um período maior para se acostumarem à ideia. É preciso entender o perfil do seu filho e saber a melhor forma de gerenciar as informações.
De qualquer maneira, lembra Maya, algum tempo de preparo vai ser necessário, até para que o corpo se habitue às mudanças - talvez uma criança precise de duas semanas, e outra precise de uma semana.“É preciso conhecer os ritmos biológicos do seu filho para saber quantos dias ele leva para se adaptar a uma nova rotina. Mas deve ser algo gradativo. Então, se ele estava dormindo às 22h, mas precisa voltar a dormir às 20h, o ideal é ir diminuindo aos poucos e não de um dia para o outro”, sugere Maya.
Os preparativos dos materiais escolares e dos uniformes também podem ser empolgantes e ajudar os pequenos a entrarem no clima, dependendo da idade. Os maiores costumam gostar de participar das escolhas e da organização. Para que seja um momento prazeroso, sem tanto estresse - nem para os adultos, nem para os pequenos - separe um tempo maior para se dedicar a essas tarefas.
“Preparar o material, organizar o uniforme e pensar a rotina do novo semestre são formas de ir contendo as ansiedades, as expectativas, as fantasias, as angústias, os medos, as alegrias”, diz a psicóloga Gabriela. “É uma forma de ir ritualizando essas experiências vividas e compartilhadas no tempo e espaço”, resume.
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