Pureza. Utopia. Idealização. Desde o século XVII, livros para crianças foram concebidos como lugares imunes da realidade. Hoje, seguindo a direção contrária, problemas concretos da vida em sociedade – sobretudo no sistema capitalista em grandes centros urbanos – são parte integrante das narrativas infantis.
A condição em que vivem as pessoas em situação de rua é narrada no livro Aporofobia (Companhia das Letrinhas, 2023), uma parceria entre a dupla Blandina Franco e o Padre Júlio Lancellotti.
Crise climática, guerras, violências de variadas formas são temáticas que povoam e instigam a literatura contemporânea voltada às infâncias. É inegável a potência dos livros para agir no imaginário e ativar a fantasia. Porém, a literatura tem também um papel concreto, de influir no tecido social. Mas até que ponto - e de que forma - os livros podem efetivamente alterar o rumo da nossa existência coletiva? Se os livros são registros do nosso tempo, como eles refletem os conflitos que nos atravessam?
Acompanhando uma tendência internacional da última década, livros infantis que abordam assuntos sociais, políticos e ambientais despontam no horizonte da produção recente que chega ao Brasil. As obras Que planeta é este?(Pequena Zahar), de Eduarda Lima, Aporofobia (Companhia das Letrinhas, 2023) e Os pombos (Companhia das Letrinhas, 2023), de José Carlos Lollo e Blandina Franco, e Neguinha, sim! (Companhia das Letrinhas, 2023), de Renato Gama, são exemplos de criações atuais que levam para as crianças diálogos incontornáveis nos dias de hoje, como o racismo, a emergência climática, a desigualdade social e as questões de classe.
No livro Que planeta é este?, de Eduarda Lima, o leitor viaja do do Alasca à Papua-Nova Guiné, é surpreendido por aves-do-paraíso, desertos alienígenas e luzes que dançam no céu.
Literatura e educação como agentes de transformação
Especialmente no caso de livros como Aporofobia, que levantam discussões muitas vezes desconhecidas até mesmo por adultos – a “aporofobia” é o termo que se refere à aversão aos mais pobres –, a literatura renova sua existência “híbrida”. Isto é, o de ser ao mesmo tempo um objeto cultural artístico e um veículo de transformação social.
Vem daí o fato de que a conexão da literatura com a escola não se esgota, mas sim se altera de acordo com o contexto social. É o que defendem os teóricos mais respeitados do segmento, como a crítica literária Maria Nikolajeva. Quando ela reflete sobre a necessidade de a literatura estar ou não vinculada a pressupostos pedagógicos, a pesquisadora chama a atenção para o fato de que os livros já são potencialmente educativos. “Eu me atreveria a afirmar que toda literatura é 'ambos', isto é, tanto uma forma de arte quanto um veículo didático, ou melhor, ideológico. (...) é uma questão de intensidade, não de natureza”, explica Nikolajeva, no livro Poder, voz e subjetividade na literatura infantil (Perspectiva, 2023), com tradução de Camila Werner.
Para a socióloga Zoara Failla, gerente de projetos do Instituto Pró-Livro, a mudança social começa em um despertar individual para depois alcançar o coletivo, uma vez que a leitura influi na sensibilização de nosso papel enquanto sujeitos. “A visão de mundo e a empatia – que podem ser construídos por meio da literatura e das leituras – têm o poder de orientar nossa relação com as pessoas e com nosso grupo social. Orientam nossas ações, nossos interesses, nossa ideologia e a consciência como sujeitos sociais; podem, portanto, alterar o comportamento de uma sociedade”, afirma a especialista.
Nesse sentido, podemos lembrar publicações contemporâneas que dão um enfoque humano e intimista a problemas sociais de ordem macro que parecem existir desde sempre, como as narrativas infantis sobre guerras e conflitos seculares. A obra infantil da jornalista Adriana Carranca é exemplo dessa personificação sensível, tão bem-vinda ao desenvolvimento das crianças. Seu livro mais conhecido, o best-seller Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas, 2015) se destaca por ser o primeiro livro-reportagem voltado ao público infantil a narrar, com a devida proximidade, a vida de uma garota de 14 anos sob um regime totalitário no Paquistão.
Já o livro mais recente de Carranca, Entre sonhos e dragões (Companhia das Letrinhas, 2022), traz para o conhecimento das crianças como é a infância das meninas afegãs que insistem em lutar, mesmo quando são privadas de sonhar com outra realidade que não seja a do confinamento – concreto e emocional – decorrente da guerra no Oriente Médio.
“Ao ler histórias de personagens vividas em momentos da história de muita tragédia humana, como guerras, fomes, regimes autoritários, sentimos a dimensão desses sofrimentos e, por outro lado, conhecemos as motivações de seres humanos que comandaram ou provocaram essas tragédias ou violências, sem qualquer respeito à justiça social e aos direitos e sentimentos humanos.
“Leituras podem nos ensinar mais sobre comportamento humano do que estudos sobre História” - Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro
Como exemplo de livro capaz de desenvolver desde a infância o senso de empatia que nos acompanha por toda a vida, ela cita as biografias de Anne Frank, publicadas em diversos volumes e formatos, tanto para crianças quanto para o público adolescente e adulto. Tudo sobre Anne (Companhia das Letrinhas, 2019) é o que mais se aproxima da infância, por ter sido criado a partir das perguntas das crianças que visitam o Museu Casa de Anne Frank, na Holanda. Ilustrado com fotografias e desenhos, o livro conta a vida da refugiada judia desde seu nascimento até sua morte no campo de concentração, e é entrecortada com dados históricos sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. “Um adolescente que lê o Diário de Anne Frank certamente irá vivenciar o sofrimento relatado e irá construir sua visão crítica sobre o holocausto e sobre o nazismo”, pontua Zoara.
Em Tudo sobre Anne (Companhia das Letrinhas, 2019), o leitor encontra os relatos da menina judia que passou anos em um esconderijo e enfrentou os campos de concentração alemães, construindo uma nova perspectiva sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial.
A realidade mediada na literatura infantil
Da mesma forma, podemos reforçar a importância de obras que retratam tragédias e questões históricas brasileiras, como as queimadas e os desmatamentos na Amazônia, no livro-imagem A floresta (Companhia das Letrinhas, 2021), de Irena Freitas, e a urgência da preservação da fauna e da flora, em O quintal da minha casa (Companhia das Letrinhas, 2021), de Fernando Nuno e Bruno Nunes.
Lançados no mesmo ano, ambos os livros abordam o tema da destruição ambiental na região amazônica e escolhem a arte para mediar imagens e conteúdos que já estavam presentes no cotidiano das crianças, pela TV, pelos jornais e na internet. “A literatura - ao levar o leitor a 'percorrer' narrativas que trazem histórias vividas pelos seus personagens em outros lugares, culturas, tempos e costumes – possibilita, a esse leitor, vivenciar a experiência, os dramas, as emoções desses personagens”, explica Failla.
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Para a sorte dos leitores brasileiros em formação, a lista de livros atuais que explicitam problemas sociais – e até mesmo oferecem caminhos para superá-los – é extensa. Os invisíveis (Companhia das Letrinhas, 2021), de Tino Freitas e Odilon Moraes, trata da invisibilização de grupos sociais, dentre eles a população de rua, os idosos e até as crianças. A melhor mãe do mundo (Companhia das Letrinhas, 2022), de Nina Rizzi, ilustrado por Veridiana Scarpelli, aborda a maternidade encarcerada. Já Papaco e Lilico,a floresta e o circo (Companhia das Letrinhas, 2022), de Adailton Medeiros, ilustrado por Bárbara Quintino, fala sobre as infâncias vividas na comunidade. Em Uma aventura do Velho Baobá (Pequena Zahar, 2022), de Inaldete Pinheiro, ilustrado por Ianah Maia, a diáspora negra é pano de fundo para discutir a perda dos nossos laços comunitários. Até a especulação imobiliária e a degradação do patrimônio público já virou assunto de livro infantil, em O dia em que meu prédio deu no pé (Companhia das Letrinhas, 2021), de Estevão Azevedo, ilustrado por Rômolo D’Hipólito.
Temas que fazem parte do cotidiano dos leitores, mas que nem sempre fazem parte de sua realidade visível, podem ganhar grande amplitude na literatura. O desdobramento emocional e empático de um assunto transformado pelo manejo ficcional é, para Zoara, um fator determinante para que aquele leitor se sinta movido a atuar na melhoria da sociedade, uma vez que influencia diretamente na sua noção de alteridade.
“No Brasil, narrativas que trazem a miséria sofrida por aqueles que vivem nos sertões nordestinos ou nas periferias das grandes cidades constantemente invadidas pelas enchentes; que não conseguem alimentar seus filhos porque são explorados em seus trabalhos; que moram nas ruas; que são discriminados pela cor da pele ou por opções de gênero podem despertar o leitor para sofrimentos e exclusões que ele não viveu”, afirma a socióloga. Assim, livros de ficção permitem que nós, leitores, experimentemos a experiência de ser outro; se esse outro é alguém que sofre por questões sociais como a pobreza, o racismo e a violência, estaremos necessariamente mais perto de compreendê-las.
Não por acaso, livros que perpassam temáticas de natureza social, despontam com frequência na lista de mais vendidos, sobretudo em grandes feiras comerciais, como a Bienal Internacional do Livro, refletindo um interesse não só do leitor criança, mas dos adultos que passam a se preocupar a trazer essas pautas para o centro de suas práticas, sejam elas pedagógicas, artísticas ou de convívio familiar.
Neguinha, sim! (Companhia das Letrinhas, 2023), de Renato Gama, ilustrado por Bárbara Quintino, foi o título mais vendido da Companhia das Letras durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 2023, ao lado de outras obras que compartilham um ponto comum, a presença de temáticas de transformação social. Dentre eles, estão livros como Cinderela e o baile dela, de Janaina Tokitaka, ilustrado por Flávia Borges e Da minha janela Companhia das Letrinhas, 2019), de Otávio Júnior, ilustrado por Vanina Starkoff, que recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Infantil em 2020. Tem ainda Tayó em Quadrinhos (Companhia das Letrinhas, 2021) de Kiusam de Oliveira, ilustrado por Amora Moreira.
Em Cinderela e o baile dela, reconto publicado na coleção Canoa, Janaina Tokitaka e Flávia Borges quebram estereótipos e transformam a vida de uma das princesas mais conhecidas dos contos de fadas.
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“A empatia, despertada por essa literatura, pelo diferente e por aquele que vive a exclusão e a miséria; e, a crítica social sobre nossa sociedade e sobre justiça social, certamente, podem contribuir para alterar o rumo da sociedade brasileira, hoje, tão ausente e distante dessa nossa realidade”, afirma Zoara, que aponta também para a influência de literaturas críticas no enfrentamento das fake news.
"A desinformação, tão fomentada pelas fake news, tem terreno fértil na ausência de leituras que possibilitem despertar a crítica social e a construção do conhecimento." - Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro
O que falta para um Brasil efetivamente leitor?
Pesquisas recentes têm mostrado que os brasileiros – mesmo os que possuem mais possibilidade de acesso – não investem em livros. O que falta para nos tornarmos verdadeiramente leitores, a começar pela infância? Zoara Failla, coordenadora da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cuja edição mais recente foi divulgada no final de 2023, aponta para alguns dados impactantes sobre a relação do país com os livros. “A 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou que, entre brasileiros com nível superior e melhor poder aquisitivo, encontramos a maior queda no percentual de leitores, em especial, porque passaram a usar seu tempo livre na internet e redes sociais”.
Ou seja, o maior volume de leitura dos brasileiros acontece longe dos livros, imersa em demandas tecnológicas. Enquanto 44% da população brasileira não lê e 30% nunca adquiriu um livro, de janeiro a setembro de 2023 foram mais de seis milhões de horas dedicadas à leitura on-line (dados: Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil). Por outro lado, são as crianças que leem mais, segundo dados da pesquisa. Entre 5 e 13 anos de idade, está o maior percentual de pessoas que lê por gosto, informam os resultados, que revela um dado intrigante: quanto maior a idade, menor o interesse. Aparentemente, há um desinteresse gradual pela leitura conforme o crescimento - ou envelhecimento - acontece.
Apesar da boa notícia de que crianças e jovens compõem o maior público leitor do Brasil, o que reforça a relevância de obras que apostam no engajamento desses interlocutores potenciais de realizar mudanças sociais, Zoara chama a atenção para uma ruptura no interesse leitor dos brasileiros, a partir dos 13 anos. Esse período representa, segundo a concepção de “criança” do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o fim da infância enquanto categoria social.
“Esses dados nos levam a indagar por que, “perdemos esses leitores pelo caminho” quando chegam na adolescência e no ensino Fundamental II. Vários estudos mostram que o despertar do gosto pela leitura e pelos livros deve acontecer na infância. A descoberta dos livros infantis em ambientes lúdicos e/ou afetivos; seu manuseio e suas ilustrações possibilitam identificar o livro como brinquedo. Cabe aos pais e aos professores serem os primeiros mediadores relacionando as palavras e as histórias com as ilustrações”, ela defende.
As estatísticas, no entanto, não são proporcionais a essa importância. De acordo com o Panorama do Consumo de Livros, pesquisa da CBL (Câmara Brasileira de Livros), divulgada em dezembro de 2023, apenas 16% dos adultos brasileiros compram livros. O valor alto e a distância de livrarias são os fatores apontados como motivos.
“A pesquisa Retratos da Leitura revela que temos mais leitores entre aqueles que dizem que seus pais despertaram seu gosto pela leitura. O que falta, é, portanto, despertar ou manter o interesse das crianças pelo livro, por meio da mediação e criando situações afetivas para compartilhar as experiências de leitura na família e na escola.” - Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro
Porém, a desigualdade entre as teorias e a prática revela o já conhecido abismo social de nosso país. Na mesma medida em que as escolas brasileiras conhecem a importância de viabilizar o acesso aos livros, por meio de espaços de leitura que sejam atraentes e lúdicos, a falta é estrutural. “Mais de 60% das escolas públicas brasileiras não têm bibliotecas, impossibilitando esses alunos de terem acesso a livros indicados pelos professores ou que gostariam de ler”, explica Zoara. Outro desafio, também revelado pela pesquisa Retratos da Literatura, é a formação insuficiente de professores leitores, com um repertório de leitura que possibilite escolher livros estimulantes e, a partir deles, criar atividades que efetivamente promovam uma continuidade do interesse por aquele universo.
“Faltam políticas públicas mais efetivas, e vontade política para sua implementação, que garantam o acesso ao livro e a formação leitora a professores e a todas as crianças e adolescentes. Essa é a condição para transformar o Brasil em um pais de mais leitores e de consumidores de livros.” - Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro
Há limites para o engajamento e a politização da infância?
Os problemas que temos como sociedade estão cada vez mais visíveis, e isso também atravessa a vida das crianças. Muitas vezes transformando pautas do mundo real em temas para as histórias que elas leem na escola ou antes de dormir. Aquecimento global, segurança urbana, novas e velhas guerras. Como aproveitar o interesse dos leitores por esses assuntos sem sobrecarregar as crianças pela resolução dos problemas criados pelos adultos?
O esforço para responder a essa questão passa pelo próprio entendimento de infância que cada obra busca sustentar e também pela valorização do protagonismo infantil, acompanhada pela escuta da criança como um sujeito dotado de direitos.
“Essa indagação é muito importante. Se os problemas que enfrentamos na atualidade já trazem tantas incertezas e preocupações para os adultos, como e para que abordar esses temas em livros infantis ou infantojuvenis?”, questiona Zoara. Para ela, trata-se de uma responsabilidade de os adultos garantirem que a criança se desenvolva com o máximo de informação possível. “Formamos valores humanos e devemos preparar a garotada para lidar com as ameaças e as informações ou as desinformações que acabam chegando até elas. Porém, ela se pergunta: será que existe um limite para que a plenitude da infância – preconizada pelo ECA como direito da criança – não seja ameaçada?
Em O quintal da minha casa, de Fernando Nuno e Bruno Nunes, cada leitor é convidado a pensar sobre nosso planeta e o que podemos fazer para preservá-lo.
“Despertar a consciência de preservar a natureza, por exemplo, é fundamental. E, certamente, deve acontecer na infância, porém de forma lúdica e, nunca, ameaçadora. O uso dos animais ou de elementos naturais como personagens, trazendo suas preocupações com o desmatamento ou a poluição dos rios pode ser uma forma interessante de despertar na criança sua compreensão de que ela é parte da natureza, e que o desejo de defendê-la e preservá-la lhe garante a vida”.
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A imaginação torna a realidade mais possível
Há uma série de questões concretas da realidade atual que, ao chegar à criança e ao jovem, podem demandar mais delicadeza na abordagem, muitas vezes acompanhada de uma escuta especializada. Em alguns casos, o apoio de profissionais de saúde mental pode ser válido, quando falamos de traumas vividos, por exemplo. Se algumas temáticas atravessam diretamente a vida íntima das crianças e se transformam em experiência concreta, como é o caso da vivência de uma violência, de uma perda profunda ou de tragédias sociais, o cuidado na mediação de obras correlatas a esses universos é fundamental.
“Questões de segurança urbana, guerras e destruições, que podem levar a insegurança e até gerar pânico nas crianças, talvez devam ser trazidas pelas famílias, professores e até psicólogos a partir do interesse ou de algum evento que chegou ao conhecimento da criança. Segundo especialistas, o diálogo e até a terapia podem ser necessários para responder a dúvidas ou tratar medos. Um livro com esses temas poderia ser usado nessas terapias ou diálogos, mas sob a mediação da família ou de um especialista”, defende Failla.
“O assunto deve ser dosado segundo o nível de compreensão da criança, e, sempre, deixando uma possibilidade de superação.” - Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro
Nikolajeva (2023) diz que “a literatura infantil é um reflexo do status de infância na sociedade”. Em outras palavras, podemos dizer que os livros para crianças ajudam a refletir o modo como enxergamos as infâncias, se como parte da mudança ou como observadoras passivas da realidade. Nesses tempos em que as crianças são cada vez mais invocadas como agentes de transformação da conjuntura atual e, por consequência, da possibilidade de futuro, cabe a todos os envolvidos na cadeia de circulação literária zelar para que as transformações possíveis na nossa História contidas nas ficções contemporâneas infantis sejam respeitados como potência, mais que como obrigação.
Autores, editores, mediadores, bibliotecários, professores estão incluídos nessa missão, a de cuidar da nossa relação com a realidade mediada pela arte seja mais saudável e possível. No livro Somos animales poéticos (Oceáno, 2023; sem tradução no Brasil), a antropóloga Michéle Petit parece ter matado uma charada importante, ao dizer que nossa relação com a arte carrega sempre alguma ambiguidade. “A beleza, ao mesmo tempo em que aporta suavidade, apaziguamento, envolve e permite encontrar o sonho, também dá forma e significado a eventos sem sentido, pensar o impensável, ao invés de ficar preso para sempre nele.”
(Texto: Renata Penzani)
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