Observar as cores e tamanhos das frutas no mercado. O cheiro delicioso de bolo de laranja no lanche da tarde. Cantar e dançar no jardim em um dia lindo. Eventos que parecem triviais para os adultos mas que, para as crianças pequenas, ganham outra magnitude. É como se tudo fosse vivenciado por elas com mais intensidade - tanto o bom como o ruim. Deparar-se com um onda grande demais no mar pode dar um medo danado. Mas chegar ao alto de um escorregador pode parecer a conquista do Everest.
Nas experiências do coelhinho Bibo, personagem de Silvana Rando que acaba de chegar à Brinque-Book em novas edições, as crianças bem pequenas podem identificar as próprias vivências e emoções, de um mundo visto pelas lentes da descoberta. Da grande alegria de ver o mar em uma visita à praia à imensa tristeza de derrubar uma garrafa de suco no mercado - e fazer a maior bagunça -, Silvana Rando consegue despertar nos pequenos identificação e nos adultos, a empatia pela infância.
Em uma ida ao mercado com a mãe, Bibo ajuda a encher o carrinho enquanto se diverte
As histórias protagonizadas por Bibo ilustram a rotina de uma forma sensível e interessante, em livros de capa dura para os bem pequenos. É nas pequenezas do dia a dia que moram os grandes acontecimentos da vida do coelhinho. Em todas elas, há sempre um imprevisto ou incidente e Bibo tem de se confrontar com uma emoção inesperada - além de um momento de sonequinha.
Em Bibo no mercado (Brinque-Book, 2024), ele se delicia com cheiro de pão quentinho, repara no tamanho das melancias e vai ajudando a mãe a encher o carrinho. O livro interage com os pequenos leitores ao pedir para identificar algumas frutas e ajudar a conferir a lista de compras. No final, Bibo tira um cochilo dentro do carrinho do mercado.
Já em uma visita aos avós, Bibo vivencia a vida no campo, cuidando da horta, andando de charrete e nadando no rio em Bibo no sítio (Brinque-Book, 2023). Mas acaba mexendo na casa das abelhas e vai precisar dos cuidados do vovô.
Em Bibo na praia (Brinque-Book, 2024), o coelhinho aproveita o mar, com direito a castelo de areia, encontro com um siri, picolé e alguns sustos - de perder-se da família a enfrentar uma onda muito grande. No final, Bibo está muito cansado e tira uma soneca.
E, por último, a rotina com seus altos e baixos marca um dia de Bibo na escola (Brinque-Book, 2023). Dos desenhos, contação de história e aula de música, toda a rotina escolar é contada. Tem diversão entre os amigos e conflito na hora de dividir os brinquedos no tanque de areia, tem a hora do soninho (claro!) e até a lembrança de higienizar bem as mãos depois de usar o banheiro. A descrição das atividades ajuda a trazer tranquilidade para os pequenos que ainda estão entendendo como funciona a creche ou escola.
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Uma coleção de livros para as crianças bem pequenas
O coelho Bibo foi idealizado por Silvana com a proposta específica de dialogar com essa faixa etária dos bem pequenininhos - até os 3 anos. A ideia era produzir de cara uma coleção inteira. “Fiquei bolando qual seria o bicho… A princípio pensei em um gato, mas quando desenhei, gostei mais do coelho. E aí pintou o Bibo”, conta a autora. Para ela, relançar a coleção, acrescentando duas páginas duplas a cada livro, foi um exercício de repensar cada história revisitando suas próprias lembranças. "Em Bibo no sítio, acrescentamos as páginas do rio, que era uma das minhas memórias de infância... Desenhei o riozinho que visitava no sítio dos amigos da minha mãe, em Cesário Lange (SP)", conta.
Na praia, Bibo se assusta com o tamanho da onda - quem nunca?
Quando Bibo foi criado, Silvana já era uma ilustradora conhecida, sendo o elefante Gildo (Brinque-Book, 2010) seu personagem mais emblemático. As ilustrações ricas em detalhes e cores, que por vezes traçam narrativas paralelas ao texto, renderam à autora um Prêmio Jabuti em 2011. É esse mesmo universo que ilustra os cenários percorridos pelo coelhinho Bibo, em histórias que condensam os principais acontecimentos de dias banais, que podem se tornar memoráveis. Batemos um papo com Silvana sobre Bibo e sobre o papel da infância e das memórias em suas criações:
Blog Letrinhas: Como você cultiva esse olhar para o encanto das pequenas coisas que Bibo nos traz?
Silvana Rando: Na verdade, para criar as histórias, procuro pensar como uma criança para que eu possa dialogar com ela. Mesmo tão distante da minha infância, tento recordar como eu via as delicadezas do dia a dia ou mesmo lembrar de quando minha filha era pequena. Quem me dera ter a calma e a esperteza de ver o mundo como uma criança. Me esforço bastante para isso.
A rotina é um elemento que se destaca nos seus livros, especialmente por ser algo tão importante para crianças. Que rituais fazem parte da sua rotina e trazem essas pequenas alegrias que Bibo encontra?
Eu gosto muito da rotina, ela me acalma. Sair passear com a minha cachorra me traz ânimo, é quando o dia se inicia pra valer. E também o cheirinho de café coado me traz um conforto, pois faz parte da minha memória afetiva.
Dos pequenos prazeres da vida no campo: cuidar dos animais. Ilustração de Bibo no sítio
Você já disse que as suas memórias de infância são inspiração para suas obras. Qual é a sua primeira memória? E o que mais te inspira a criar para crianças pequenas?
Sinto saudade da minha infância, de como eu era livre e autêntica. Me inspiro nessa lembrança para criar os meus livros. O que mais me recordo era de brincar no quintal, das histórias que eu inventava.
Na praia, Bibo se assusta com uma onda grande… Do que você tinha medo quando criança?
Quando criança, eu tinha muito medo de injeção e do “gato louco” (aquele barulho que os gatos fazem quando brigam no telhado). Também tinha medo de fantasma, pois meus primos viviam me assombrando com esse assunto. Lembro da primeira vez que eu fui para a praia. Fiquei muito assustada com a imensidão do mar. Acho que daí vem a inspiração do Bibo na praia.
Em Bibo no sítio, o coelhinho vai visitar seus avós. Como foi a sua relação com seus avós? E a vida no campo, você já vivenciou na prática?
Apenas convivi com minha avó materna, Dona Alzira, uma mulher bem urbana. Meu contato com o sítio foi através dos amigos da minha avó. Fomos várias vezes visitá-los. Eu adorava comer mexerica do pé e andar de charrete. Desenhei o riozinho que visitava nesse sítio, que ficava, em Cesário Lange (SP).
Como é o seu processo de criação? Você começa pela ideia pronta? Pelo desenho? Que materiais você gosta de usar?
Geralmente eu tenho um insight e começo a criar algumas ilustrações. Só depois de “enxergar” o livro é que eu começo a escrever. Na hora de desenhar, faço o traço sempre no lápis grafite, depois escaneio e pinto por trás, no digital, que dá um efeito mais fluido. Eu já tentei desenhar no digital, mas não consigo, não fica orgânico. Eu gosto do erro, da falhinha do grafite...
Na elaboração da coleção do Bibo, teve alguma particularidade pensando na faixa etária?
No Bibo, eu trabalhei com menos sombras, para deixar as ilustrações mais claras para as crianças pequenas. Às vezes, você vai desenhar um copo, coloca todo o sombreado na lateral e achei que isso poderia dificultar para os menorzinhos. Traços e cores chapadas me parecem mais atraentes. Agora, em termos das histórias, tudo na coleção do Bibo tem uma memória muito afetiva. Bibo no mercado veio das minhas lembranças com a minha filha, que hoje tem 20 anos. Teve até uma vez em que ela durmiu na cadeirinha do supermercado e o pezinho dela ficou preso no carrinho, inchou e não saía. Tivemos que chamar os bombeiros! Bibo na escola também é repleto de lembranças - minhas e da minha filha. Nós duas estudamos em escolas bem pequenas na educação infantil. Lembro muito daquele cheirinho da lancheira, que na minha época era de isopor.
Gildo foi lançado em 2010 e fez um enorme sucesso. Por conta disso,você se sentiu pressionada na hora de criar Bibo?
Não senti esse peso ao criar um novo personagem, pois era uma proposta diferente.
Como Gildo e Bibo são em termos de personalidade? Como você se identifica com cada um? Podemos esperar histórias também de outros personagens?
Vejo Gildo na faixa dos seis anos, talvez iniciando o Fundamental. Já o Bibo deve ter uns dois anos. Na hora de criar para crianças menores, queria um animal fofinho, que chamasse mais a atenção dos bebês. E cheguei no Bibo, que têm os olhinhos mais embaixo para parecer mais novinho. Agora, em termos de personalidade... nunca pensei como Bibo e Gildo são! O que busco quando desenvolvo os meus personagens é que eles tenham carisma. Conseguir fazer até uma barata ficar carismática é um milagre, veja a Socorro (barata que aparece nas histórias do Gildo). Até agora, apenas ela ganhou um livro só para ela. Mas eu gosto muito de hipopótamos! Quem sabe eu faça um livro protagonizado pela Verinha (da turma do Gildo). Seria bem divertido.
Gildo e Bibo não são da mesma turma?
Não, são universos diferentes! Mas essa pergunta até me deu vontade de pensar em um novo livro, talvez um encontro entre Gildo e Bibo. Só tem um detalhe: Bibo usa calças e Gildo, não. Precisamos pensar em como resolver isso...
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